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Manolis Glezos em junho de 2015. Guido van Nispen / flickr

O primeiro partisan da Europa

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Tradução
Bruno Murtinho

Manolis Glezos tinha apenas 19 anos quando despertou a resistência antinazista da Grécia ao arrancar a suástica da Acrópole. Este foi o início de uma vida dedicada à causa dos oprimidos – na qual, como ele disse, “nenhuma luta pelo que se acredita é inútil”.

O camarada de longa data de Manolis Glezos, Chronis Missios, refletiu a melancolia de muitos militantes de esquerda quando batizou seu livro de memórias “Lucky You Died Young” [”Que sorte que você morreu jovem”, em tradução livre]. Seu título se referia à “sorte” daqueles companheiros comunistas que morreram cedo o bastante para não verem suas esperanças de um futuro pós-capitalista brutalmente derrotadas.

Manolis Glezos não foi um dos que morreram jovens. Ao longo de seus 97 anos, ele presenciou a frustração de muitos sonhos, desde o esmagamento da esquerda grega, no final dos anos 1940, até a capitulação do Syriza, no verão de 2015. Mas apesar dessas derrotas, Glezos nunca desistiu. Ele realmente acreditava que “nenhuma luta pelo que se acredita é inútil”, uma máxima que o guiou até seus últimos dias.

Glezos nasceu em 1922, enquanto ainda ocorria a batalha nas fronteiras da Grécia após o fim da Primeira Guerra Mundial. Ele cresceu no pequeno vilarejo de Apiranthos, na ilha de Naxos e, durante a adolescência, sua família mudou-se para Atenas. Na capital grega, seu envolvimento político começou ainda no ensino médio através da participação em organizações juvenis antifascistas. Esse foi um ativismo no qual ele persistiu, com crescente consciência política, após o início da ocupação nazista da Grécia em abril de 1941.

“Poderíamos dizer que Glezos personificava o aviso de Walter Benjamin sobre a necessidade de manter viva a memória daqueles que morreram na luta.”

Com apenas 19 anos, em 30 de maio de 1941, Glezos e seu camarada, Apostolos Santas, realizaram a ação que colocou seus nomes nos livros de história ao arrancarem a bandeira com a suástica que ficava na Acrópole. Essa ação marcou simbolicamente o início da resistência grega contra as potências do Eixo, e também inspirou pessoas em todo o continente a assumir a luta contra os nazistas. O líder da França Livre, Charles de Gaulle, chegou a chamar Glezos de “o primeiro partisan da Europa”. No entanto, como o comunista grego insistia, isso não foi um feito único, mas apenas uma expressão da luta que guiou toda a sua existência.

Mantendo a memória viva

Desde então, a vida de Glezos seguiria a trajetória, e as muitas contradições, da esquerda grega e internacional. É claro que houve erros, cálculos estratégicos equivocados e omissões. Havia tudo o que uma vida na luta implica, que se confrontava tanto com os obstáculos estruturais quanto as limitações pessoais que qualquer ser humano deve ter. Mas Glezos continuou com seu envolvimento político ativo, não importando o que acontecesse, fazendo com que a luta pelos oprimidos se tornasse um modo de vida.

O ativismo político de Glezos foi acompanhado de um pensamento reflexivo em relação à história e também em relação ao seu próprio papel como parte de um movimento comunista mais amplo. Como ele questionava ao final de sua vida:

“Por que eu continuo seguido em frente? Por que estou fazendo isso aos 92 anos e dois meses? Afinal, eu poderia estar sentado em um sofá, usando chinelos e com os pés para cima. Então, por que eu faço isso? Você acha que o homem sentado à sua frente é o Manolis, mas você está errado. Eu não sou ele. E eu não sou ele porque não esqueci que toda vez que alguém estava prestes a ser executado (durante a Segunda Guerra Mundial), eles diziam: ‘Não se esqueça de mim. Quando você disser bom dia, pense em mim. Quando você erguer um copo, diga meu nome.’ E é isso que estou fazendo ao falar com você, ou ao fazer qualquer uma dessas coisas. O homem que você está vendo na sua frente é todas essas pessoas. E tudo isso se trata de não esquecê-los.”

De certa forma, poderíamos dizer que Glezos personificava o aviso de Walter Benjamin sobre a necessidade de manter viva a memória daqueles que morreram na luta. Ele o fez não só através da sua escrita histórica, como o crítico alemão aconselhara, mas também por sua disposição em relação à sua própria vida. Essa postura de Glezos era profundamente pessoal, até porque um dos que morreram lutando por um mundo melhor foi seu irmão, que também foi um partisan. Buscar manter viva a memória do irmão, e seus sonhos políticos, foi outro motivo pelo seu obstinado compromisso.

O partisan grego explicou isso numa entrevista que ele concedeu a Jerome Roos. Roos descreveu como, durante o encontro, Glezos mostrou um pedaço de pano de dentro do capacete do seu irmão, no qual ele rabiscou apressadamente suas últimas palavras se despedindo da mãe.

Aparentemente, seu irmão anotou um endereço no pedaço de pano e o jogou para fora do caminhão do Exército que o transportava para onde seria executado. Alguém achou e o enviou à família Glezos e ele guardou o pano a vida toda. Foi aí que entendi que uma das razões pelas quais ele manteve sua longa e incansável luta até os noventa anos foi para honrar o legado de seu irmão mais novo.

Envolvimento partidário

Glezos foi politicamente ativo durante a resistência antinazista e, após o fim da guerra, ele atuou nas fileiras da Esquerda Democrática Unida (EDA). Esse partido foi criado para substituir o banido Partido Comunista da Grécia (KKE), embora, ao longo dos anos, ele tenha adotado uma plataforma mais ampla, integrando uma variedade de reivindicações políticas. Glezos foi eleito membro do parlamento grego pela EDA em 1951, fazendo uma campanha enquanto definhava na prisão após a repressão contra a esquerda.

Esse não foi um acontecimento excepcional para Glezos. Realmente, a prisão seria parte integrante da sua vida, como foi para muitos na esquerda grega entre o início do regime de Ioannis Metaxas, em 1936, e a restauração da democracia parlamentar, em 1974. No total, Glezos passou onze anos na prisão e mais de quatro anos no exílio, além de ter sido condenado à morte duas vezes. Após décadas de atividade legal e ilegal sob os regimes liberais da Grécia no pós-guerra, em 1971, ele foi libertado da prisão pela última vez.

Depois que a junta militar finalmente entrou em colapso, Glezos foi eleito duas vezes para o parlamento pelo PASOK, Movimento Socialista Pan-Helênico, em 1981 e em 1985. Este foi um período em que o PASOK se posicionou à esquerda da maioria dos partidos social-democratas europeus, insistindo na necessidade de democratização em larga escala e redistribuição de riqueza. Mas em 1986, ele deixou o parlamento nacional para voltar para Apiranthos, o vilarejo onde nasceu. Seu envolvimento político por lá foi bem incomum, ele usou seu papel como presidente da câmara municipal para lançar um extenso experimento de democracia direta.

Essa preocupação com o poder de baixo para cima foi uma “revisão” dos princípios da esquerda grega, e isso foi um indicação da reconceitualização da política comunista na qual Glezos se engajou durante a década de 1980. Ele defendia que qualquer projeto comunista real deveria envolver a participação substancial das massas populares, e não ser apenas baixada por decreto. Glezos foi um comunista comprometido durante toda sua vida e este episódio demonstrou sua disposição de aprender e a sua falta de rigidez doutrinária. E, embora essa experiência tenha se limitado ao alcance dos vilarejos, ele teve a sorte de ver esse tipo de política se massificar com o movimento de ocupações das praças em 2011, ao qual ele também se dedicou.

“Glezos nunca desistiu da luta pela reparação dos alemães à Grécia, como compensação pelas atrocidades nazistas perpetradas durante a ocupação da Segunda Guerra Mundial.”

Na virada do século, Glezos se envolveu com o partido de esquerda radical Synaspismos e, por meio dele, na coalizão Syriza, com base na sua própria célula política Cidadãos Ativos. Com a Grécia duramente atingida pela política de austeridade após a crise financeira de 2008, o veterano militante Glezos foi novamente eleito membro do parlamento nacional em 2012, antes de ser eleito para o Parlamento Europeu em 2014, aos 91 anos.

Durante seu mandato, ele procurou usar sua atividade parlamentar para dar voz aos movimentos anti-austeridade. Por esse motivo, embora depositasse suas esperanças na resistência do Syriza às imposições dos europeus, ele ficou profundamente decepcionado quando Alexis Tsipras aceitou um novo memorando de austeridade em julho de 2015. Ele abriu mão do seu mandato no Parlamento Europeu no mesmo mês.

Glezos nunca desistiu da luta pela reparação dos alemães à Grécia, como compensação pelas atrocidades nazistas perpetradas durante a ocupação da Segunda Guerra Mundial. Essa demanda, porém, não tinha um caráter nacionalista. É sob essa luz que devemos ler sua ação de 2017, em que acompanhou o embaixador alemão em memorial aos massacrados pelos nazistas – para que ele colocasse uma coroa de flores, apesar das tentativas de bloqueá-lo. De fato, ao longo da vida de Glezos, ele mostrou solidariedade com todos aqueles que se levantassem contra a opressão nacional e o colonialismo, especialmente as lutas palestinas e curdas por autodeterminação e dignidade.

Nenhuma luta é inútil

Em 30 de março, Manolis Glezos deu seu último suspiro. Sua luta de quase um século finalmente terminou por insuficiência cardíaca. Ele nos deixa em um momento difícil não só para a esquerda, mas para a humanidade como um todo. É neste período de sofrimento que precisamos dele mais do que nunca. Sua vida não será celebrada como deveria e, certamente, teria sido, em um funeral onde seus companheiros e incontáveis admiradores poderiam vir prestar suas homenagem.

No entanto, a vida de Glezos estava completa. Muitas de suas esperanças falharam, e houve muitos momentos sombrios, assim como momentos de orgulhosa resistência. Mas sua luta foi contínua e inflexível. Seu antigo camarada Missios disse: “Uma vida caracterizada pela liberdade, pela convicção e em harmonia consigo mesmo, não termina apenas com a morte de um homem, mas com a transmissão desse mesmo espírito a milhares de outros.”

Nesse sentido, devemos nos sentir afortunados por estarmos sobre os ombros de gigantes como Manolis Glezos. Ao erguermos um copo para ele, ao dizemos seu nome, ao tentamos seguir seus passos, o importante é lutar com determinação pelo que acreditamos ser o certo. Pois, como disse esse grande homem, nenhuma luta é inútil.

Sobre os autores

é escritor freelancer e leciona na Universidade da Trácia, Departamento de Ciência Política.

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Published in Europa, História, Perfil and Política

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