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6º Congresso do MST em Brasília, em 2014. Foto de Pablo Vergara / The Intercept Brasil

Agitai a luta, pois “se perder a gente morre”

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Só a luta de massas nas ruas poderá derrotar o fascismo. Mas, no momento, é nas urnas que podemos impedir mais um governo genocida. É nossa vida que está em jogo.

Escrevo para companheiras e companheiros da luta radical na esquerda. Escrevo também para quem desmobilizou-se nestes tempos duros em que os programas políticos mais avançados na libertação de nosso povo não tiveram a atenção que merecem de nossas esquerdas. Gente também que se afastou da política desiludida com os caminhos tomados pela luta popular. 

Estamos diante de um desafio histórico à nossa geração e precisamos de um diálogo sincero sobre nossas lutas.

Você certamente vê uma série de erros na política do Partido dos Trabalhadores (PT), sobretudo no que diz respeito à politização das massas. Se tivéssemos tomado esse ou aquele rumo, é provável que hoje a história fosse outra. Não foi: estamos aqui e agora, há apenas semanas de um possível segundo governo liderado pela extrema direita. Talvez você considere até que a desmobilização do movimento de massas foi fruto da hegemonia do PT nas esquerdas. E que agora que precisamos das massas em movimento, onde estarão, não é? Foram criminalizadas e se afastaram na arena da disputa política. 

O problema é que agora estamos aqui, nessa esquina, e não em outra. E, independente de como podemos nos sentir sobre isso, a vitória eleitoral de Lula é a chave imediata para um futuro não fascista nos próximos anos.

Compas da luta revolucionária, que sonharam com agitações rebeldes e temeram que essas fossem reprimidas pelos partidos de esquerda dentro da ordem: vocês estavam certos, isso aconteceu mesmo e as rebeliões não lograram vencer quem estava no poder. A rebelião estudantil das ocupações escolares de 2017 não derrotou a Reforma do Ensino Médio, as mobilizações contra o golpe e contra a prisão de Lula não ganharam ânimo para se converterem em processos mais radicais capazes de reverter tais situações, a centro-esquerda não apostou na mobilização de rua para derrubar o Bolsonaro quando ele estava mais fraco. Tudo isso é verdade. Mas somente a revisão crítica da história não me parece capaz de enfrentar a avalanche facista que se avizinha.

“Nossos teóricos preferidos podem ter ideias muito mais radicais e poderosas do que o petismo para enfrentar o capitalismo, mas não possuem gente na base para materializar essas ideias aqui e agora.”

Escrevo para vocês com muita raiva da história recente. Como vocês, sinto que faltou rua. Pagamos caro pela ausência de ações ofensivas, uma estratégia de enfrentamento que acertasse o bolsonarismo na raiz. Quando as torcidas organizadas, as organizações antifas e o movimento negro tomaram as ruas no meio da pandemia, fez muita falta a presença da militância de partidos da esquerda tradicional de nosso país, que seguiram dizendo “fique em casa” enquanto o fascismo matava centenas de milhares. 

Falta muita luta de rua, mas falta, sobretudo, como diz a sabedoria de nossa companheira e irmã Loyá Barin (ou Comadre Dindinha), falta nossa rua, nossa comunidade. Comadre Dindinha nos explica “que perdemos muito porque perdemos o sentimento de comunidade, de comadrio”. Para além das grandes manifestações, faltam as pequenas ações comunitárias que nos conectam à coletividade. Uma política comunitária, territorial, é o que explica como nossos povos indígenas votaram coletivamente. Basta ver as belas imagens da marcha Maxakali para sabermos que quem se conecta ainda com o comadrio, com a irmandade, o sentimento de partilha do comum, está fazendo a grande política.

Compas, sei que a ausência de mobilização de massas nas ruas pode ter sido causa do quadro dramático que estamos vivendo. Mas as organizações populares de base ficaram, e seguem agora, junto com o PT apostando num caminho divergente do nosso caminho revolucionário para frear o fascismo. Os maiores movimentos sociais do país, as organizações quilombolas, indígenas e campesinas podem até estar frustradas ou impacientes com a insuficiente radicalidade da luta, mas seguem apoiando o projeto eleitoral que tem Lula como cabeça de chapa para impedir o retrocesso catastrófico que seria a reeleição de Bolsonaro.

Não escrevo para pedir que adiem seu projeto revolucionário, tampouco para pedir que nos dediquemos à essa eleição e esqueçamos os erros que nos trouxeram até aqui. 

Nossos teóricos preferidos, ou as experiências que acompanhamos com admiração de longe, podem ter ideias muito mais radicais e poderosas do que o petismo para enfrentar o capitalismo, o racismo e o patriarcado, mas, pelo visto, não possuem tanta gente na base para materializar essas ideias radicais em ação rebelde aqui e agora.

Não foi por falta de oferta de um programa radical que as massas não se mobilizaram antes, ou durante, essa campanha eleitoral. Aí estavam e estão partidos revolucionários comprometidos com as melhores teorias políticas do campo socialista divulgando suas ideias, disseminando propostas e projetos de poder popular. Embora fundamental, toda essa mobilização foi, infelizmente, insuficiente para aquecer os corações de nossa gente. Enquanto isso, o ovo da serpente foi chocado. Já sofremos os primeiros botes.

Eis o desafio

Talvez seja hora de seguir a sabedoria das organizações indígenas, quilombolas, campesinas e sindicais. Compor luta juntos para impedir que um segundo mau governo nos venha a caçar à luz do dia, em qualquer lugar, sem possibilidades de autodefesa.

Sigo acreditando que só a luta de massas poderá parar o fascismo. Mas se ela não vier, talvez seja hora de ao menos impedir mais um governo fascista e seguir, depois, trabalhando pelo objetivo final – e pelas duras batalhas que certamente teremos que travar no caminho. Trata-se, portanto, de enxergar a tarefa histórica urgente. O que está em risco é a própria vida.

“Será que o Pantanal aguenta mais quatro anos de queimadas e grilagem de terra para o agronegócio se refestelar com a exportação às custas de nossa respiração, de nossas águas?

A vida dos biomas, dos territórios dos povos, da militância de esquerda que está virando alvo. Será que o Pantanal aguenta mais quatro anos de queimadas e grilagem de terra para o agronegócio se refestelar com a exportação às custas de nossa respiração, de nossas águas? Será que os manguezais e restingas aguentarão mais quatro anos de petróleo chegando às praias sem qualquer investigação séria ou ações estruturadas de limpeza? Repito: é a vida que está em risco. 

Campanha eleitoral será pouco para o futuro que nos espera. Mas é o gesto possível para o agora e para os próximos dias. Vamos precisar de muita gente e, sobretudo, de gente revolucionária capaz de no diálogo com nosso povo nas ruas atrair não apenas para a urna, mas sobretudo para as organizações de luta capazes de movimentar o cenário político para as próximas décadas. É isso que salvará a vida e a abundância do viver.

Por fim, o que está em jogo em nossa própria existência. A extrema direita que se apossou do poder considera o PT “comunista” e usa todo o ódio anti-comunista acumulado antes, durante e após a Guerra Fria para riscar o chão e dizer que não aceitam nem o tipo de inclusão social e concepção de cidadania liberal adotada pelo campo progressista brasileiro. Onde em um mundo desse é possível prosperar políticas comunistas, socialistas ou anarquistas? Se os reformistas são considerados um perigo social que precisa ser alardeado em escolas dominicais para crianças, imagine o que não farão de nós e nosso pensamento rebelde? Em breve será a própria militância viva, como corpo orgânico da luta, que correrá risco.

Mataram apoiadores de Lula por divergências políticas. Vocês imaginam o tipo de política persecutória que não construirão pelas milícias e pela repressão do Estado contra organizações que se dizem revolucionárias? Como tratarão retomadas de terra de camponeses, quilombolas ou indígenas? Acaso não estão a ver que armaram o latifúndio e agora o preço é pago em vidas Pataxó, Guajajará, Yanomami, Munduruku? Isso para não falar de uma política para o genocídio preto, inclusive explorada para fins eleitoreiros, que vemos contra as comunidades de favela do Rio de Janeiro.

Fico com a sabedoria de Mestre Joelson Ferreira da Teia dos Povos: “se ganhar a gente perde, se perder a gente morre”. Lutemos então para viver, e poder continuar lutando. Não é hora de vacilar. Agora é Lula.

Sobre os autores

é professor de educação básica no IFBA (Valença-BA) e mestre em história pela UFBA.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Ecologia and Política

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