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Estudantes baianos em frente ao prédio da prefeitura de Salvador, no centro. Fotografia de Marvin Cerqueira.

Movimento estudantil baiano mostra como devemos agir diante dos ataques bolsonarista

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Nesta semana, estudantes baianos fizeram uma imensa manifestação contra a tentativa do governo Bolsonaro de cortar o orçamento da Educação para reservar recursos para o orçamento secreto - colocando mais uma vez a Bahia na linha de frente da luta popular.

O desmonte da educação pública, em especial o ensino superior, foi uma das principais prioridades do governo Bolsonaro nestes últimos quatro anos. Para o governo e sua base aliada, o sucateamento da educação é favorável, uma vez que a deixa mais suscetível às privatizações. Além disso, as universidades públicas e seus estudantes são alvos constantes do bolsonarismo, que vê neste espaço de promoção do pensamento crítico uma afronta aos valores conservadores que na qual o presidente apoiou o seu discurso.

Frente a esta conjuntura, estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) convocaram manifestações contra o recém-anunciado corte de R$ 2,4 bilhões no Ministério da Educação em 5 de outubro. O ato ocorreu no dia seguinte e foi o primeiro em todo o Brasil, marcando como a Bahia está na linha de frente da esquerda no país. A mudança no orçamento, que foi revogada em 7 de outubro, poderia atingir diretamente institutos e universidades federais, que ficariam sem verba para pagar despesas até o fim de novembro.

O ato foi convocado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFBA, em parceria também com diretórios de outras universidades, como a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). As manifestações foram organizadas online e divulgadas nas redes sociais, bem como diretamente nas salas de aula já na quinta, 6 de outubro, no dia da manifestação.

A coordenação de comunicação do DCE da UFBA afirmou haver planos para uma série de assembleias estudantis durante 12 e 17 de outubro, além de uma assembleia-geral dos estudantes da UFBA em 17 de outubro. A coordenação reafirmou a participação do diretório no ato convocado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em 18 de outubro. Douglas Correa, diretor de Comunicação do DCE da UFBA, disse a Jacobin não haver nenhum plano para uma greve estudantil até o momento.

Mobilização permanente

Ainda não há uma contagem oficial da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de quantos compareceram ao ato, mas fotografias e vídeos dão uma estimativa de centenas de estudantes. Esta mobilização se integra num quadro maior de mobilizações estudantis ocorridas na Bahia. Em 2020, 35 estudantes e funcionários ocuparam o colégio Odorico Tavares após dois protestos anteriores contra o seu fechamento. A ocupação acabou sendo cercada pela Polícia Militar, que tentou adentrar no colégio. Antes desse acontecimento, o movimento estudantil na Bahia havia integrado também as manifestações contra os cortes na educação em 2019, que mobilizaram estudantes de todo o país.

Em 30 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto presidencial autorizando o confisco das instituições federais. Em nota, o Ministério da Educação disse que os valores seriam desbloqueados em dezembro. Entretanto, o decreto afirma haver “a previsão” de liberação dos recursos em dezembro, mas o texto por si só não dá como definitivo.

Até a noite de quinta, a oposição do governo no Congresso já havia protocolado ao menos seis projetos para reverter o corte, e outros dois pedidos de convocação do ministro da Educação, Victor Godoy, para explicar o bloqueio. Godoy afirmou, em coletiva de imprensa, que não houve nenhum corte orçamentário, mas um bloqueio. O ministro ainda insistiu que “isso não afetaria em nada” as universidades. No dia após a manifestação de estudantes da UFBA, Godoy anunciou em sua conta no Twitter que havia conversado com Paulo Guedes, ministro da Economia, e não haveria mais o confisco nos saldos do MEC.

“O governo também cortou recursos da Farmácia Popular, programa responsável por trazer remédios a preços acessíveis, para direcionar recursos ao esquema de propina.”

Membros do movimento estudantil baiano acreditam que o confisco faz parte de um projeto de sucateamento da educação pública por parte da administração Bolsonaro. “O Brasil tem uma universidade pública que garante o tripé de ensino, pesquisa e extensão de forma gratuita e de qualidade. O governo, desde o início, quer acabar com isso”, declarou Gustavo Mascarenhas, diretor de ensino, pesquisa e extensão do DCE-UNEB.

Ao lado de inúmeros movimentos estudantis, os manifestantes ocuparam a reitoria da faculdade, situada no bairro do Canela. Professores também estavam presentes. Deu-se início a uma assembleia, protagonizada por membros de centros acadêmicos (CAs) de diversos cursos, como Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades e Comunicação. Segundo os estudantes, o reitor da UFBA, Paulo Miguez, nomeado reitor em agosto, não estava presente.

Na assembleia, integrantes dos CAs pontuaram que os mais prejudicados pelo corte serão os estudantes e funcionários terceirizados. Segundo a LOA (Lei Orçamentária Anual), a contratação de funcionários terceirizados é considerada uma despesa não obrigatória, ou seja, uma verba “não essencial” para o funcionamento da faculdade. Além disso, água, luz, obras, equipamentos, bolsas de pesquisa e estágio também são consideradas despesas discricionárias. “Acho importante mobilizar o corpo estudantil neste momento que estamos sendo atacados na véspera do segundo turno das eleições. Esse é o momento de ir para a rua”, disse Gabriel Silveira, integrante do Centro Acadêmico Vladimir Herzog da Faculdade de Comunicação (FACOM) da UFBA.

Integrantes do movimento estudantil baiano se manifestam contra a gestão de Jair Bolsonaro na educação pública. Fotografia por Marvin Cerqueira.

A Associação dos Professores Universitários da Bahia (APUB) apoiou e convocou a base para participação na manifestação. Professores cancelaram aulas e chegaram a levar alunos para o ato. Como questão de sobrevivência aos professores e universidades, a diretoria da APUB firmou posição em defesa do voto contra Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições. O sindicato deve realizar uma assembleia-geral no dia 7 de outubro, um dia após as manifestações, para consultar a categoria sobre a posição no segundo turno e os cortes de verba. Assim indaga Emanuel Lins, o atual presidente da APUB: “Se ele fez isso no primeiro mandato às vésperas da eleição, imagine o que fará no segundo turno?”

Nas manifestações, estudantes demonstraram medo e insegurança de haver uma paralisação nas aulas das instituições. A UFBA ainda não se manifestou sobre uma possível paralisação. No entanto, o corte orçamentário certamente irá interferir. Ainda que o confisco seja direcionado para despesas “não obrigatórias”, as mesmas são vitais para a manutenção da universidade. A falta de segurança afeta diretamente os estudantes. No caso da UFBA, os mesmos já sofrem com assaltos e assédio desde o retorno das aulas presenciais em 2022. Em maio, uma estudante foi assediada no banheiro da unidade do prédio de Comunicação.

Por que existiu essa tentativa de corte?

Desde o começo da gestão Bolsonaro, a UFBA é uma das faculdades que mais sofreu com cortes orçamentários. Em 2021, a instituição deveria ter tido um orçamento de R$ 163,3 milhões, que caiu para R$ 133,8 milhões após um corte imposto por Bolsonaro, ou 18,5% a menos. A faculdade já esteve na mira de ex-ministros da educação da administração de extrema direita, como Abraham Weintraub, que em 2019 se referiu a UFBA e outras universidades federais como “universidades da balbúrdia”.

Em junho deste ano, a UFBA sofreu um corte de R$ 12,8 milhões do Governo Federal, o equivalente a 14% do orçamento da instituição segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA). Se o confisco ainda estivesse promulgado pelo Governo Federal, a UFBA sofreria uma perda de 18% em seu orçamento total para o ano de 2022. O governo Bolsonaro não deu explicações concretas sobre o motivo da redução orçamentária brusca em junho.

Em nota publicada à tarde de 6 de outubro, a Universidade Federal da Bahia informou seus alunos de que não iria parar suas atividades. O tom da nota é crítico, e denomina o confisco como um absurdo. “É reafirmando essa sentença de vida que nossa Universidade responde a mais um absurdo: a notícia de um novo bloqueio orçamentário, que apenas torna mais evidente, em um momento crítico da história de nosso povo, o desprezo à Educação e à Universidade Pública, assim como à ciência, à cultura e às artes em nosso país”, disse a UFBA em nota publicada em seu portal de imprensa.

Ainda que não sejam diretamente afetados pelos cortes orçamentários por terem seus salários garantidos pela Constituição, vários professores universitários se manifestaram com angústia em relação ao desmonte. A dúvida que paira é, como colocou a doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea e professora, Lia Seixas, à Jacobin, o porquê desse corte.

Há a especulação de que o corte inesperado tenha alguma relação com orçamento secreto, o esquema de emendas parlamentares pagas com dinheiro do Planalto para deputados federais e estaduais. O Ministério da Economia não forneceu uma justificativa para o confisco bilionário do MEC, mesmo após o anúncio de Godoy de reverter a ação, algo nunca antes visto desde a redemocratização. Mesmo sem uma relação concreta, na manifestação, estudantes indagaram sobre o porquê de haver dinheiro para o pagamento de emendas parlamentares, mas não para o investimento em educação pública. “Bolsonaro tem dinheiro para a milícia, mas não para a educação!” gritavam os estudantes.

No 6 de outubro, os estudantes baianos ocuparam a fachada da prefeitura de Salvador. Fotografia por Marvin Cerqueira.

E ainda que sem uma relação concreta, é de se questionar o motivo de haver esforço magnânimo em aumentar o arrecadamento do governo para a manutenção do orçamento secreto e outros benefícios como o Auxílio Brasil, mas não para investimentos básicos, como na educação e saúde pública. “Não posso afirmar que há uma relação entre o corte e o orçamento secreto. Isso seria leviano da minha parte. Mas se você pegar os dados, os valores que os parlamentares ganharam a partir de emendas parlamentares são impressionantes. Então, tem esse dinheiro todo para esses parlamentares, mas não há dinheiro para as universidades federais, responsáveis pela profissionalização e formação das pessoas para o país?”, afirma Seixas.

Em 23 de setembro, foi reportado que a administração de Jair Bolsonaro teria feito cortes no orçamento disponível para tratamento de câncer para destinar recursos ao orçamento secreto no próximo ano. A verba foi reduzida em 45%, passando de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões, em 2023. O governo também cortou recursos da Farmácia Popular, programa responsável por trazer remédios a preços acessíveis, para direcionar recursos ao esquema de propina.

O saldo político das manifestações

A UFBA esteve na linha de frente na revolta estudantil, e o ato de estudantes baianos foi a primeira em todo o país. Diversas figuras políticas de esquerda estiveram presentes, desde membros do Partido dos Trabalhadores (PT), como a ex-candidata a deputada federal Maria Marighella, a integrantes da esquerda radical, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Unidade Popular (UP) e a União da Juventude Comunista (UJC).

Questionado sobre a importância do ato diante dos cortes, Guilherme Reis, ex-candidato a deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) declarou à Jacobin que as manifestações minam a popularidade de Jair Bolsonaro. “A importância dos estudantes estarem aqui na rua hoje é minar a popularidade do governo Bolsonaro, mostrar os absurdos que ele está fazendo com a educação brasileira, roubando dinheiro que é nosso, que é dos estudantes, que é dos professores, dos técnicos, dos funcionários terceirizados”, diz Reis. De fato, a manifestação de estudantes baianos foi o assunto mais falado no dia 6 de outubro, e pressionou Godoy a uma tentativa de reverter o corte.

Estudantes caminhando em meio a Praça Castro Alves, em frente ao cinema Glauber Rocha. Fotografia por Marvin Cerqueira.

A popularidade de Bolsonaro na Bahia é extremamente baixa. O presidente venceu Lula (PT) em número de votos no primeiro turno em apenas 2 municípios do Estado. Além disso, Bolsonaro apenas conseguiu uma votação mais expressiva em metrópoles ou em bairros de classe média e classe média alta na capital, Salvador, mas ainda perdeu quando comparado ao seu rival. Na manifestação, os estudantes clamavam discursos extremamente críticos contra o presidente. Entre eles, foi possível escutar frases como “os estudantes vão colocar você para correr”, se referindo a Bolsonaro, e “na Bahia, fascista não se cria”. Em diversos momentos, estudantes pararam a manifestação para se dirigir a moradores de prédios na região do Campo Grande, bairro de classe média na cidade de Salvador, com toalhas e adereços de Bolsonaro nas janelas. Os estudantes gritavam frases de apoio a Lula, faziam sons de protesto e balançavam suas bandeiras.

Conversando com a Jacobin, Giovani Damico, ex-candidato ao governo do Estado da Bahia pelo PCB, disse que seu partido vem insistindo em mostrar como para o governo Bolsonaro, a educação está no final da lista de prioridades. “Enquanto você tem repasses para bancos, exoneração para o latifúndio, repasses para grandes indústrias do Brasil, inclusive repasse para a milícia, nós não temos recursos sendo garantidos para o funcionamento mínimo da universidade”, disse Damico. “É um cenário muito drástico que bota os estudantes em movimentos na rua, do lado certo das demandas sociais”, conclui.

Para os estudantes baianos, o desmanche é claro e planejado. “É um desmanche que já vem sendo projetado desde a primeira eleição que ele se candidatou”, disse Natália Silva, estudante de vinte anos que cursa Educação Física na UFBA. Segundo a estudante, o retorno da mobilização estudantil presencial “mostra para a maioria da sociedade que está havendo esses ataques contra a educação e não podemos nos calar”. As manifestações estudantis na Bahia estiveram pausadas desde março de 2020, o começo da pandemia. No início de 2022, após o retorno das aulas presenciais, alguns pequenos coletivos buscaram organizar estudantes no campus, mas não houve uma adesão tão grande quanto no dia 6 de outubro. “É caminhando com passos lentos que chegaremos longe”, conclui.

Em declaração à Jacobin, o diretório que organizou o protesto disse estar satisfeito com o resultado das manifestações. “Colocamos o dia como paralisação estudantil, solicitamos flexibilização das atividades para que os estudantes pudessem participar, além de termos convocado as entidades dos docentes e técnicos administrativos para construir juntos, com isso, tivemos ampla participação das turmas com o mesmo objetivo de debater o atual momento e traçar os próximos períodos de luta em defesa da Universidade Pública!”, declarou Arlindo Pereira, coordenador geral do DCE da UFBA.

Legado de luta e repressão

O clima de 6 de outubro se assemelha ao sentimento de revolta dos estudantes em 2001. Naquele ano, mobilizações aconteceram nacionalmente contra dois senadores, ACM e José Roberto Arruda, que violaram o sigilo do voto de um colega parlamentar no Senado. Na época, toda a política baiana era divida entre carlismo e anticarlismo, algo que retornou em 2022 após ser anunciado que ACM Neto, o neto do senador, concorreria ao governo do estado.

Em Salvador, os estudantes anunciaram uma manifestação perto do apartamento de ACM, no bairro do Canela. Mais de oito mil compareceram e a Polícia Militar (PM) cercou os estudantes, impedindo-os de subir ou descer a rua, deixando-os presos por quase uma hora. A Polícia Federal (PF), que deveria fazer a segurança do campus por ser uma área federal, chegou ao local e não impediu a PM de agir. Professores de Direito da UFBA tentaram negociar, mas nada adiantou. Após uma ordem de “dispersar os manifestantes”, policiais militares partiram para cima dos estudantes, que correram para a faculdade de Direito. A PM violou o espaço federal e perseguiu os manifestantes dentro do campus, deixando mais de cem feridos. A invasão só resultou em uma multa de R$ 65 reais para um dos policiais.

O Conselho Universitário emitiu uma nota em protesto, e a PM baiana foi criticada até pelo então ministro da educação do governo FHC, Paulo Renato de Souza. Desde então, a data é um símbolo para estudantes da UFBA sobre sua própria história de luta na universidade. No dia 30 de maio de 2001, ACM renunciou ao mandato de senador e ameaçou que voltaria, algo que realmente aconteceu nas eleições do ano seguinte.

Sobre os autores

Artur Soares
Lucas Santos
Marina Assumpção
Sofia Schurig

cobre tecnologia, redes sociais e extremismo online. É graduanda em Comunicação Social na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisa semiótica e humanidades digitais. Trabalha na Sabiá e no Núcleo Jornalismo, onde é repórter. Na Jacobin, cuida das seções de Tecnologia e Ciências.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Educação and Política

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