Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro, com intenções de atingir a população feminina apta a votar, camada demográfica brasileira que mais o rejeita, tentou trazer luz para “direitos das mulheres” obtidos durante o governo Bolsonaro. Mas, na realidade, durante o governo Bolsonaro a sociedade brasileira observou um aumento de notícias falsas e distorções do próprio presidente sobre os direitos femininos, além de reduções no orçamento para políticas públicas cruciais, como para o combate da Violência Contra a Mulher (VCM).
Muito se falou da rejeição do eleitorado feminino a Bolsonaro, mas, durante o período de campanha e até mesmo pré-campanha, é notável a ausência de comparações por parte da imprensa tradicional entre as políticas centrais voltadas para a mitigação das desigualdades de gênero adotadas durante os dois mandatos do ex-presidente Lula, durante os anos de 2002 e 2010, e os quatro anos de governo Jair Bolsonaro.
Esse debate considera o engajamento de ambos os candidatos; que embora pela essência pós-política muitos afirmem que são iguais, Lula e Bolsonaro partem de premissas e comprometimentos distintos, muitas vezes isto toma formas complexas como uma consequência da propagação do antipetismo enquanto ideologia polarizadora. Falando-se dos direitos das mulheres e comprometimento com as instituições democráticas, é possível afirmar que sob o governo Lula ocorreram mudanças transformadoras em termos de comprometimento com a agenda de políticas de gênero.
Desmantelando o orçamento
Muitas das fake news que circularam nos últimos meses de campanha de Jair Bolsonaro envolveram a proteção das mulheres, redução da violência de gênero e a preocupação do governo com o bem-estar das ‘mulheres brasileiras’. Durante os últimos quatro anos, observa-se um retrocesso na agenda internacional para o desenvolvimento sustentável, especialmente abrangendo o Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 5, constituído por metas para atingir a emancipação de gênero.
Esse retrocesso aconteceu por uma série de fatores ideológicos, que incluíam a construção de políticas retrógradas, e a aproximação de atores globais condizentes com os valores e princípios autoritários do governo. Enquanto, nas campanhas, principalmente pelo WhatsApp, o líder do Executivo demonstra uma preocupação com a segurança das mulheres, incoerentemente o Governo Federal propôs uma redução de 94% dos recursos envolvendo os direito das mulheres para o ano de 2023.
Convém salientar que, após a pandemia, com o aumento constante das violências físicas, sexuais e psicológicas sofridas por mulheres (de 43% para 49% de vítimas), o governo Bolsonaro submeteu um dos orçamentos mais baixos já vistos na pasta: R$1,2 milhão.
Houve uma redução abrasiva do orçamento destinado para à proteção das mulheres. Antes de outro corte de recursos orçamentários para o ano seguinte, em 2020, Damares Alves, ex-ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e hoje senadora eleita pelo Distrito Federal, não havia utilizado toda a verba disponível para o cumprimento de ações e políticas voltadas para a proteção de mulheres, mesmo diante de um número crescente de feminicídios durante a pandemia. Ao longo da gestão de Bolsonaro, as preocupações do Ministério da Mulher envolviam questões normativas que confrontavam às “ideologias de gênero” e teorias conspiratórias criadas pelos assessores do Gabinete do Ódio. A maquina totalitária de propaganda e fake news, encabeçada pelo presidente em conjunto com o seu filho, Carlos Bolsonaro, através de notícias como o”kit gay”, moldou algumas das preocupações fantasiosas do Ministério.
Com o início do Auxílio Brasil – substituto do Programa Bolsa Família (PBF), criado pelo governo Lula – a narrativa do presidente passou a afirmar, de forma torpe, o combate da pobreza e das desigualdades de gênero pelo programa, apesar de apontamentos contraditórios por especialistas, posto que o número de pessoas que recebem o auxílio ultrapassa o número da indivíduos com carteira assinada ou exercendo atividades remuneradas. O auxílio também não contempla as mães solo, da forma como deveria.
As alegações constantes, por parte de Bolsonaro em campanha, apontam o Bolsa Família como “esmola”, afirmando que, atualmente, o Auxílio Brasil faz muito mais pelas mulheres e pela classe trabalhadora do que políticas públicas petistas já fizeram. Em 2004, na época de criação do Bolsa Família, a política de transferência de renda pagava cerca de 30% de um salário mínimo por beneficiário, demonstrando muitas das controvérsias e a má-fé no discurso de Bolsonaro, especialmente em termos de valores do programa e reajustes.
As políticas de desigualdade de gênero durante o governo Lula
Apesar de ser, em alguns aspectos, alvo de crítica por especialistas em políticas públicas voltadas para as áreas de economia, raça ou gênero, o progresso na agenda de políticas públicas para mitigação da desigualdade de gênero durante o governo Lula é inegável, assim como seus resultados. Durante o primeiro mandato do Governo Lula foi inaugurada a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, que no futuro adquiriu um status ministerial, e buscava tratar de questões que envolviam desde a desigualdades no mercado de trabalho ao combate à violência doméstica.
A legenda da sobredita secretaria era de combater múltiplas formas de preconceito excludente, em termos de classe social e patriarcal, de desigualdade de gênero. A política externa de Lula foi marcada pelo avanço do multilateralismo, com o Brasil em posições de destaque na política internacional e assumindo pactos e compromissos para a construção de agendas de políticas públicas transversais. O destaque não é dado apenas às questões que envolvem gênero, mas também as pautas raciais, com a criação da Secretaria da Desigualdade Racial. O Brasil teve êxito nas agendas para o Desenvolvimento do Milênio, através do fortalecimento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, buscando, também, ampliar os espaços nas esferas de tomada de decisão.
Além disso, o Programa Bolsa Família exerceu um papel fundamental para a diminuição da feminização da pobreza, especificamente em zonas rurais e periféricas. Uma das ideias, discutida pelos seus inspiradores, não consistia apenas na redução da desigualdade, mas, também, na formação de capital humano, por meio da interrupção do ciclo geracional de pobreza. Cristovam Buarque, a princípio criador do Bolsa-Escola, notou que muitas mulheres não se inseriam no mercado de trabalho formal, uma vez que teriam que cuidar das crianças. A ideia era fornecer um auxílio que também melhorasse de alguma forma as questões de inserção de mulheres no mercado de trabalho, através da manutenção das crianças nas escolas.
O PBF consistiu em uma combinação de políticas sociais que impactou na redução da extrema pobreza entre mulheres, auxiliou na saída de relações abusivas e na diminuição da violência intrafamiliar e doméstica, trouxe reflexos positivos para a saúde reprodutiva — em razão do acesso à itens de cuidado pessoal e pílulas contraceptivas — e gerou efeitos diretos no aumento da força de trabalho das mulheres, no que tange também escolhas por empregos bem remunerados menos degradantes. Em 2021, cerca de 90% dos beneficiários do PBF eram mulheres, sendo 40% mães solo ou solteiras.
Muitas das políticas educacionais de ampliação de universidades, programas educacionais e de financiamento, como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), trouxeram um aumento significante, no que condiz entrada de mulheres no ensino superior, que também correspondiam a maioria dos alunos que ingressavam nas universidades.
O respectivo artigo buscou averiguar a agenda de políticas voltadas para a diminuição da desigualdade de gênero; comparando as implementações, comprometimentos perante as agendas internacionais e efeitos. Bolsonaro, diferente dos discursos compartilhados entre seus apoiadores, contribuiu para o maior desmonte das políticas de promoção da igualdade de gênero, jamais visto até então nas duas últimas décadas. O governo utilizou o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para perseguir objetivos políticos e ideológicos, enquanto alegava fatos inexistentes, como o grande plano de combate ao feminicídio, quando a verba é mal alocada e o orçamento proposto pelo GF caiu brutalmente em 94% face aos demais anos.
O governo Lula não é isento de críticas por especialistas em desenvolvimento e gênero, principalmente, em termos de reconhecimento do trabalho doméstico, mas a importância dos seus programas sociais permanece até hoje como um dos legados em termos de políticas de promoção da cidadania.
Sobre os autores
é estudante de Relações Internacionais com menor (especialização) em economia pela Universidade de Coimbra. Ativista pela igualdade de gênero e pesquisadora. Colunista na revista o sabiá.