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Trabalhadores caminham em cena do filme "Eles Não Usam black-Tie", de Leon Hirszman, 1981.

O cinema e as aspirações do povo brasileiro

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É preciso reinventar uma cinematografia que reflita na tela, a vida, as histórias, as lutas e as aspirações do povo brasileiro. O resgate da relação da arte com a cultura popular que transcende a tela, como possibilidade de análise profunda da realidade e que aponte para a necessidade de sua radical transformação, é uma das nossas tarefas a serem colocadas na ordem do dia. 

A cultura brasileira corre o risco de apagamento e não é de hoje. Com o governo Bolsonaro, os interesses de subserviência à agenda imperialista ianque e as claras tentativas de revisionismo e negacionismo ideológicos provenientes de membros e simpatizantes deste governo, a cultura popular foi um dos seus alvos para reduzi-la aos interesses da classe dominante. A visão reacionária bolsonarista buscou delimitar que o cinema brasileiro  possui uma “narração comunista da história”, então a única maneira que o bolsonarismo encontrou de construir o seu “projeto de memória nacional” foi a de destruir qualquer resquício da produção cultural que não tenha partido deles. Os movimentos de negação do nosso passado se mostraram incapazes de produzir sem destruir e descredibilizar a produção cultural e intelectual deste país. 

Para quem a história nada vale, ou para quem é declaradamente um inimigo dela, como no caso de Jair Bolsonaro, tirá-la do horizonte faz parte de um processo de tentativa de mudar os fatos. Sabemos há muito tempo, da predileção pela ditadura empresarial-militar que tomou de assalto o Brasil por 21 anos. Em parceria com ideólogos de extrema-direita, as versões mentirosas desses fatos têm sido enaltecidas. Os seus apoiadores, que agora protagonizam protestos anti democráticos e golpistas pelas estradas do Brasil, clamam pelo retorno de uma ditadura que nos deu o cenário de profunda desumanização, da imensa miséria, exclusão, tortura, censura e violência. Os anos de chumbo cumpriram uma agenda de horror, reprimindo os trabalhadores do cinema que se propunha apresentar uma imagem atemporal das ditaduras latino-americanas, das perseguições políticas e dos problemas crônicos da República brasileira, que construíam um retrato social do Brasil.

Se parte significativa do cinema nacional tem sido, ao longo do último século, um local de produção e de resistência contra as ingerências burguesas, o interesse em suprimir tais produções e dar cabo a elas, a fim de que a versão oficial dos fatos seja mudada, foi uma meta prioritária para o governo Bolsonaro. Os fascistas estão cientes que o cinema é uma das mais valiosas formas de comunicação de massa, um dos meios mais eficazes para a difusão de mensagens e por isso, também utilizam de suas armas para estar desmontado e carregado com a ideologia capitalista. Como exemplo, no caso do ex-secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, que fez um discurso semelhante ao do ministro de Adolf Hitler da Propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels. Alvim chegou a mencionar em criar uma “máquina de guerra cultural” com reinterpretações da história brasileira segundo os princípios conservadores e reacionários. E muito antes do governo genocida chegar ao poder, já se movimentava para a criação de produtoras brasileiras de cinema, inspiradas nas ideias de Olavo de Carvalho, que atuavam incansavelmente em prol da “guerra contra o marxismo cultural”. Produtoras como a Lavra Filmes, Ivin Films e Brasil Paralelo, são algumas que ganharam espaço no audiovisual com financiamentos exorbitantes.

Nos últimos 4 anos do governo neoliberal e fascista, onde os cortes do orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) foi de 43% em 2020, extinção da Condecine, sucateamento e incêndio na Cinemateca, assim como o desmonte da Ancine que impediu o lançamento de centenas de filmes. 

Por impossibilidade de uma análise mais detalhada, limito-me aqui a apontar algumas das consequências que estão aí para todos verem, que salta aos olhos de todos como, devido aos incessantes desmontes, o cinema nacional está sofrendo por todo lado reveses capazes de destruí-lo. E não é preciso sermos marxistas para nos vermos forçados a tomar nota do grave estado de crise em que se encontra a cultura brasileira.

Hoje, cineastas celebram a vitória de Lula, pela possibilidade de lufada de ar fresco que virá após o sufoco do audiovisual, afinal, foi na gestão petista em que tivemos financiamentos de 306 longas-metragens e 433 séries ou telefilmes, a criação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), Programa Brasil de todas as telas, 1.212 filmes nacionais lançados e crescimento de 372% na média anual. O presidente eleito nos fez o compromisso de colocar a cultura como direito de primeira necessidade, e para isso é preciso colocar em prática a desbolsonarização do Brasil, um processo que deverá ser semelhante à desnazificação na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, na República Democrática Alemã (RDA). E mantermos o olhar no futuro, e ousar em propostas que caibam nas aspirações atuais da classe trabalhadora brasileira, muito para além de olharmos os bons frutos do passado. Pois é possível apontar novos caminhos entre o passado e o presente. 

Trecho do filme ABC da greve, onde Lula discursa para milhares de trabalhadores.

O cinema nacional, por ora, respira aliviado com a vitória de Lula e tem um potencial de transformação quando dialeticamente relaciona-se com a realidade, compartilhando emoções, impressões, desejos, expectativas e esperanças. Nesse sentido, o cinema une e socializa, possibilitando reflexão para apreender a realidade e mudá-la. Para preservação da nossa memória como povo, e a construção do poder popular, é preciso mais que uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, mas, de punhos erguidos e câmeras rodando.

Sobre os autores

é tradutora, redatora e repórter na Jacobin Brasil. Também é jornalista no Opera Mundi, membro do Fórum Latino Palestino.

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Published in Análise, Cinema and Cultura

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