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(Foto de Liane Hentscher/HBO)

O comunismo é melhor até no apocalipse zumbi

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The Last of Us não deve ser descartada como sendo apenas mais uma história de zumbis. A nova série da HBO traz um clássico eletrizante dos games às telas num cenário distópico, mostrando por que a sociedade mais preparada para se reerguer dos escombros de um apocalipse pandêmico está baseada nos valores comunais - revoltando liberais e conservadores.

A série da HBO The Last of Us é mais do que apenas mais uma série de apocalipse zumbi, até porque os co-criadores, roteiristas e produtores executivos da série Neil Druckmann (criador do jogo The Last of Us) e Craig Mazin (Chernobyl) assim queriam. 

A série é um drama de ação inspirado no jogo homônimo, que acompanha a jornada do contrabandista Joel (Pedro Pascal) e a jovem Ellie de 14 anos (Bella Ramsey) por uma sociedade devastada por uma pandemia. O crescente envolvimento da relação de ambos, que deveria ser apenas um dever (transportar uma carga, no caso Ellie) traz benefícios e riscos à ambos. 

E não, você não precisa ter jogado The Last of Us para compreender e apreciar a série. “O objetivo era apresentar o que estava no jogo para um público que nunca jogou”, disse Craig Mazin em uma entrevista para Vulture.

E eles acertaram em cheio, agradando o público com a história vista do ponto de vista dos protagonistas sobre o colapso da sociedade após um surto pandêmico sair do controle. 

É também uma crítica sutil ao capitalismo decadente que levou nosso mundo ao apocalipse, devido a um experimento militar com o fungo Cordyceps que fugiu ao controle, e um argumento para a viabilidade do comunismo como solução para nossos problemas atuais. 

Durante o decorrer da série podemos observar diversos tipos de sociedades que se formaram após o colapso social. A série examina os pontos fortes e fracos de diferentes formas de comunidades e, finalmente, argumenta que apenas a comuna, com ênfase na cooperação e ajuda mútua, pode fornecer um caminho viável para a humanidade.

As diferente comunidades pós-apocalipse

No início do show, somos apresentados a um mundo devastado por uma pandemia de fungos, o que não seria uma surpresa à sociedade, uma vez que na cena inicial um cientista faz um alerta sobre essa questão em um programa televisivo. E os criadores da série fizeram isso propositadamente, pois segundo Craig Mazin disse à uma entrevista à Kakuchopurei

“Eu também queria ter certeza de que as pessoas sentissem dramaticamente que o que acontece na série não é, de repente há um surto de algo e não sabemos o que é, mas eventualmente descobrimos o que é, mas, finalmente, houve um surto de algo que sempre esteve lá, que sempre iria acontecer.”

Nas ruínas dos EUA, 20 anos após o início do surto do fungo Cordyceps, em 2023, várias facções surgiram, cada uma com sua própria visão de como sobreviver neste novo mundo. 

Nas principais cidades há a Agência Federal de Resposta a Desastres (FEDRA), uma ditadura militar que governa com mão de ferro e educa as crianças não infectadas para seguirem a carreira militar; E os Vagalumes, um grupo de insurgentes que lutam contra a tirania da FEDRA. O grupo anarquista também está em busca de uma vacina para deter a pandemia. 

Em Kansas City há uma ditadura governada por Kathleen (Melanie Lynskey) que após ter seu irmão dedurado por espiões da FEDRA (e eventualmente assassinado), liderou uma rebelião e tomou para si o controle da cidade, aniquilando os integrantes e apoiadores da FEDRA. 

Já em uma cidade do interior há uma sociedade cristã (que acaba se tornando canibalista, sem que a maioria dos seus membros saiba) governada por David (Scott Shepherd) que sequestra Ellie e tenta matá-la. David pensa somente em si mesmo e nunca admitiria estar errado e perder o controle de seus seguidores. 

E, por fim, temos a comuna. A comuna é liderada por um conselho eleito democraticamente, e é a única sociedade próspera que parece estar funcionando de forma sustentável, equitativa e segura. 

Cada uma dessas sociedades têm seus pontos fortes e fracos. A FEDRA fornece segurança e estabilidade, mas à custa de liberdade e individualidade. Os Vagalumes, por outro lado, defendem os direitos individuais, a liberdade, e são incapazes de fornecer a segurança que muitas pessoas desejam na clandestinidade. A ditadura de Kathleen é marcada por uma vingança pessoal que a deixa cega ao senso comum e a torna draconiana, mas que fornece um senso de propósito e comunidade. 

A sociedade de David, por sua vez, é definida por uma fé cristã e crença no seu líder messianico (que na verdade não acredita naquilo que prega, e só o faz para controlar sua comunidade), mas recorrendo ao canibalismo, resultado do seu desespero para não decepcionar seu grupo. A vasta maioria não tem conhecimento que está comendo seus amigos e familiares. 

(Reprodução / HBO)

A comuna, no entanto, se destaca como a única sociedade verdadeiramente bem-sucedida. Com base nos princípios de cooperação, ajuda mútua e igualdade. Ela oferece segurança e estabilidade, ao mesmo tempo em que permite a individualidade e a liberdade. 

É comunismo, literalmente

O diálogo a seguir foi reproduzido inúmeras vezes após o sexto episódio ir ao ar, tanto por defensores do comunismo como por seus oponentes:

Ellie: Este lugar realmente funciona pra caralho! 
Então é você que está no comando?
Maria: Ninguém está no comando.
Eu estou no conselho, elegido democraticamente, servindo 300 pessoas incluindo crianças.
Todos contribuem…
Tommy: Tudo o que você vê em nossa cidade, estufas, gado, tudo compartilhado. Propriedade coletiva!
Joel: Então, comunismo.
Tommy: Não, não é assim…
Maria: É assim, literalmente. Isso é uma comuna, somos comunistas!

A recusa de Tommy em admitir que vive numa comuna pode ser facilmente explicada pela máquina de propaganda imperialista estadunidense, que mesmo antes da Guerra Fria sempre fizeram do comunismo seu maior inimigo.

O comunismo é frequentemente criticado por sufocar as liberdades individuais em detrimento do Estado, mas Che Guevara em Socialismo e o homem em Cuba já refutava esse argumento em sua obra. Enquanto os sobreviventes da comuna trabalham juntos para o bem maior, eles também têm a liberdade de perseguir seus próprios interesses e paixões. Esse equilíbrio entre a expressão individual e a ação coletiva é uma marca registrada das comunas bem-sucedidas. 

Karl Marx, por exemplo, escreveu no Manifesto comunista que: “O comunismo não priva nenhum homem do poder de se apropriar dos produtos da sociedade: tudo o que ele faz é privá-lo do poder de subjugar o trabalho de outros por meio dessa apropriação.”

Diversidade e suas repercussões 

É difícil de descrever a repercussão e desgosto de ver a comuna como a única sociedade bem sucedida gerou em muitas pessoas que estavam assistindo a série, usando de diversos argumentos para refutar que a comuna não é comunista e que iriam deixar de assistir a série. Mostrar uma comuna como o único tipo de sociedade que deu certo após o capitalismo causar o apocalipse irritou os conservadores mais que o lindo episódio sobre o relacionamento homosexual entre Bill e Frank.

Bill é um tipo rude, armamentista e sobrevivencialista que inicialmente parece hostil e conservador. Mas conforme a história se desenrola, descobrimos que ele só precisava ded um pouco de afeto para descobrir (ou assumir) que é gay e ter um relacionamento romântico com Frank, que é um homem mais sofisticado. Apesar das diferenças os dois se completam e vivem felizes até o fim.

No terceiro episódio esse relacionamento é mostrado com sensibilidade e nuances, retratando-os como seres humanos reais e complexos, em vez de estereótipos. Afinal é uma história de amor, como outras na série, que apresenta dificuldades e momentos de ternura. O final da história deles é ao mesmo tempo excepcionalmente triste e romântica. 

A personagem central da série, Ellie, também é um símbolo de resiliência diante da adversidade. Enquanto muitos a veem como a chave para acabar com a pandemia de fungos, por talvez portar em si a solução para a fabricação de uma vacina, Ellie tem um trágico passado: Nascida durante a pandemia, orfã, criada pela FEDRA, e que teve que matar sua  amiga e amada por ela estar infectada.

Ellie cresce com Joel, que passa a vê-la como uma substituta de sua filha morta. E Joel também cresce com ela, mostrando seu lado inseguro e admitindo erros do passado. 

Ideais conflitantes 

Muitos foram os que rotularam Joel como  um antivax, devido suas atitudes nos episódios finais da série, mas ele não é antivax ou contra a ciência. O fato é que ele não está disposto a sacrificar a vida de uma pessoa para salvar a vida de muitas. Isso destaca uma questão fundamental do capitalismo: o egoísmo. O programa critica sutilmente isso por meio da relutância de Joel em sacrificar Ellie pelo suposto bem maior. 

Craig Mazin disse em entrevista à Vulture: “Você não pode ter tudo o que deseja sem pagar algum tipo de preço, e Joel decide que o preço vale à pena. Vale à pena matar todo mundo para salvar a pessoa que você ama. Podemos debater isso!”

O que Joel fez em nome do amor é um ato egoísta, mas compreensível.

The Last of Us é uma série poderosa que aborda muitas questões importantes, incluindo as falhas do capitalismo e os potenciais benefícios do comunismo. Ao examinar as diferentes sociedades da série, fica claro que a comuna é a única verdadeiramente boa e funcional… E isso é inegável!

A segunda temporada da série já foi confirmada pela HBO devido ao seu estrondoso sucesso, mas ainda não há data confirmada para sua estreia. Espero que siga trazendo debates para a sociedade dentro de uma trama cativante e que siga incomodando conservadores de todos os tipos.

Sobre os autores

é uma colaboradora da Jacobin Brasil e está no Twitter como @LairinhaRed.

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Published in América do Norte, Filme e TV and Resenha

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