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(Foto: Joédson Alves / Agência Câmara)

O Arcabouço Fiscal não é o fim, mas um chamado à luta

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O Arcabouço Fiscal foi aprovado com modificações essa semana na Câmara dos Deputados, gerando críticas e dúvidas sobre o futuro da economia. De um lado, uma política de austeridade foi mantida pelo governo Lula, por outro, dois marcos do governo golpista de Michel Temer foram enterrados: o Teto de Gastos e a PPI.

No final de 2016, o chamado de Teto de Gastos, junto  da nova política de preços da Petrobras, o Preço de Paridade Internacional (PPI), consistiam nos dois grandes marcos do golpe parlamentar aplicado na presidenta Dilma Rousseff. Passados pouco mais de seis anos, o Teto de Gastos, que limitava a zero o crescimento de investimentos públicos, foi furado várias vezes pela direita, se tornando letra morta. 

O PPI, enfim, caiu nos últimos dias, enquanto o Teto foi substituído pelo Arcabouço Fiscal — um projeto idealizado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad e que sofreu algumas emendas ao longo do processo, mas terminou aprovado na quarta-feira, dia 24 de maio. Não é fácil entender o projeto, que recebeu críticas variadas à esquerda e à direita, sendo rejeitado, ao mesmo tempo e por diferentes motivos, pelas bancadas do Partido Liberal (PL) de Jair Bolsonaro e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 

Um passo para trás, algum para frente?

A complexa regra do Arcabouço prevê possibilidades de aumento no investimento público, mas em uma taxa inferior ao eventual crescimento da arrecadação numa ordem de 70%. Por outro lado, isso cria uma dúvida razoável se os pisos constitucionais para saúde e educação serão respeitados.

Uma certeza é que, na medida da arrecadação, sobrará mais dinheiro. Mas se os juros, arbitrados pelo Banco Central “independente” — do povo, mas não do mercado financeiro — permanecerem altos, fatalmente esses excedentes servirão para arcar com isso: quanto mais altos os juros, mais o custo do serviço da dívida pública aumenta. Esse “custo”, naturalmente, está fora de qualquer teto ou arcabouço.

A verdade é que o Arcabouço, ao contrário do Teto, permite que formalmente alguns investimentos aumentem. Mas é possível dizer que o Teto, até por ser uma impossibilidade lógica, nem possa ser levado em conta.

Uma certeza é que o Arcabouço não corresponde ao modelo de acumulação capitalista selvagem que a extrema direita gostaria, mas também não está à altura do que a Constituição exige ou mesmo que a gestão pragmática do lulismo. Sem qualquer Arcabouço, e contrariando a lógica dele, Lula herdou de FHC o Brasil com uma dívida pública de 76% do PIB, mas entregou o país com uma dívida de apenas 62%

Mas o histórico de Lula não parece ser o suficiente para convencer os cardeais do mercado, os quais acham que a dívida crescerá mais. No fim, a aversão burguesa ao risco, e a oportunidade de ganhar em cima disso, falaram mais alto.

O futuro, um enigma

Se o fim do PPI, por um lado, tende a desconcentrar renda e acabar com um mecanismo que, ao mesmo tempo, gerava inflação e reduzia o crescimento econômico, foi uma grande vitória do governo Lula, por outro lado, o Arcabouço conserva um elemento que reduz o crescimento — ao restringir investimentos público, esperando que investimentos privados resolvam esse problema.

Depois das inúmeras promessas liberais fracassadas que, desde 2015, diziam que o PIB explodiria em um crescimento virtuoso, é difícil acreditar na lógica do Arcabouço — lembrando que os governos que vieram nessa esteira, os de Temer e Bolsonaro, são particularmente fracassados nesse assunto, além de terem concentrado renda.

O Arcabouço, portanto, é produto das contradições do nosso tempo, o duro equilíbrio de forças em um Congresso conservador e, também, na sociedade, onde os poderosos, a despeito do desastre de Bolsonaro, continuam na ofensiva. E ainda que, com razão, se esperasse outra posição do governo eleito, ele cai numa lógica de conciliação e de não produzir fricções necessárias.

A própria política de valorização do salário mínimo, hoje, é muito mais fruto de um choque de setores do governo, ligados ao movimento sindical como o ministro do Trabalho Luiz Marinho, do que uma posição própria da cúpula econômica do governo — e se a política de revalorização do salário mínimo junto do Bolsa Família turbinado forçam o salário médio para cima, a burguesia cerra fileiras para garantir uma taxa de retorno de capital mais garantido com juros altos sobre os títulos do Tesouro.

Tudo isso é parte do grande conflito distributivo, ou como se dizia antigamente, da luta de classes, no qual o governo poderia ter mais imaginação e se colocar como uma força antagônica à tendência de acumulação do capital em vez de um mero fiador dos antagonismos existentes — reforçando, mais ainda, a postura conciliatória dos governos anteriores do Partido dos Trabalhadores (PT), ou talvez tornando as críticas dos adversários realidade nesse sentido.

A luta: um exercício de resiliência, obstinação e paciência

Se a velha passagem bíblica dá conta de que a “fé move montanhas”, o movimento socialista conhece seu equivalente com os sempre heréticos chineses, quando o presidente Mao Zedong relembrou a alegoria milenar de Yukong, o “tolo” que moveu as montanhas — e como a China nos idos de 1945 tinha duas montanhas para remover, o imperialismo e a exploração interna.

O trabalho de remover as montanhas, ironizado por um parvo, terminou com a resposta de Yukong de que 

Quando eu morrer, ficarão os meus filhos; quando por sua vez eles morrerem, ficarão os meus netos, e assim se sucederão, infinitamente, as gerações. Quanto a estas duas montanhas, são muito altas mas já não podem crescer e, a cada golpe de picareta, tornam-se cada vez mais pequenas. Por que razão pois não acabaremos por arrasá-las?”

O exercício revolucionário exige uma combinação de resiliência, obstinação e paciência, sem se confundir nesse jogo com a capitulação ou o conformismo. Se anos atrás, o PPI e o Teto pareciam verdades invencíveis, as muitas manifestações e resistências contra eles levaram às suas derrotas, demandando uma recomposição do bloco político da burguesia.

Do mesmo modo, o Arcabouço será atacado pela mesma burguesia nos próximos anos, a qual buscará adequá-lo às suas necessidades de acumulação. Caberá aos socialistas realizar o mesmo, só que ao inverso, assim que as contradições do Arcabouço com os direitos sociais começarem a aparecer concretamente.

Sobre os autores

é publisher da Jacobin Brasil, editor da Autonomia Literária, mestre em direito pela PUC-SP, advogado e diretor do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (IHUDD).

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Published in América do Sul, Análise, Austeridade and Economia

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