As derrotas recentes do governo Lula no Congresso Nacional evidenciaram algo perceptível desde 2013: não há mais espaço para a “política de conciliação”. Agora, para piorar, acostumados às “vacas gordas” do Orçamento Secreto criado no governo Bolsonaro (PL), a maior parte do Parlamento quer receber tudo sem entregar nada ou entregar muito pouco.
Entre as recentes investidas da oposição na Câmara está a aprovação, em regime de urgência e estimulado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP), do marco temporal, que determina que novas terras só podem ser demarcadas se ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988.
Após uma pseudovitória na aprovação do novo arcabouço fiscal, muito mais austero do que o projeto elaborado pelo Ministério da Fazenda, o governo teve de encarar várias derrotas na Câmara dos Deputados. A retirada do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a Agência Nacional de Águas (ANA) e de uma série de sistemas do Ministério do Meio Ambiente — além da transferência do processo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, hoje no Ministério dos Povos Indígenas, para o Ministério da Justiça — são alguns exemplos.
Para tentar reverter essa situação, o Executivo, em uma espécie de “suborno” pago à Câmara dos Deputados, que se acostumou a dominar a arena política e a dispor de verbas como a do orçamento secreto, liberou quase R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares. O resultado foi que, na iminência de vencer o prazo de votação, a Medida Provisória que reestrutura os ministérios do governo Lula foi aprovada na Câmara e no Senado.
Aposta no erro
Em 2018, durante um ato da campanha presidencial de Fernando Haddad (PT), o rapper Mano Brown criticou o “clima de festa” do evento e lembrou que era preciso dialogar com as pessoas que não estavam ali, as quais não poderiam ter simplesmente “virado monstros” por votarem em Jair Bolsonaro. “Deixou de entender o povão, já era. Se nós somos o Partido dos Trabalhadores, o partido do povo, nós temos que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e vai procurar saber”, alertou.
De lá para cá passaram-se cinco anos e pode-se perceber que o PT aprendeu muito pouco, pois o abandono do “trabalho de base” pelo partido continua. O principal argumento dos defensores do governo é que ele faz o que é possível diante da conjuntura. No entanto, quase nenhum esforço tem sido feito pelo Executivo ou pela esquerda fora dele para discutir na sociedade os impactos de, por exemplo, o arcabouço fiscal que foi aprovado.
Todo o jogo político foi feito apenas nos gabinetes e bastidores do Congresso, deixando o povo totalmente de fora, o que resulta em fatos como o revelado pela pelo estudo da Paraná Pesquisas que mostra que quase 77% dos brasileiros sequer ouviu falar do arcabouço fiscal. Ou seja, é justamente por não ter maioria no Legislativo que o governo deveria ter feito um trabalho intenso de comunicação com a sociedade para que ela seja empoderada e chamada para discutir o rumo do país.
A aposta contínua na “política de gabinete” e na conciliação entre classes já mostrou seus resultados em governos anteriores do PT e vem gerando problemas ainda maiores agora, já que a conjuntura política e econômica é totalmente hostil à administração federal.
Governos da própria América Latina dão exemplos de como realizar transformações profundas por meio de reformas estruturais buscando o apoio da população. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro, eleito por uma ampla coalização como no Brasil, apresentou uma série de reformas de base (tributária, política, educacional, entre outras) e, diante da recusa dos partidos liberais e conservadores de sua coligação em apoiar os projetos, encerrou-se a coligação governista e agora Petro busca implementar suas propostas através da mobilização permanente e apoio popular.
“A tentativa de restringir as reformas pode levar à revolução. O que é preciso é que o povo esteja mobilizado”, disse Petro ao discursar durante o Dia do Trabalhador.
Conclui-se que, se o governo petista não quiser repetir o passado, precisa reaproximar-se da população e chamá-la para a participação política, empoderando-a. Não se pode usar o medo do fracasso e a falta de acúmulo de forças como justificativa para não enfrentar os problemas históricos da sociedade brasileira. Correlação de força se constrói, não é um milagre, e é justamente pela mobilização e trabalho de base junto aos diversos setores da sociedade que ela é criada.
Sobre os autores
é jornalista e mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM.