Nascido como “Vlado Herzog” em 27 de junho de 1937, na cidade de Osijek, que pertencia à antiga Iugoslávia (atual Croácia), ele veio para o Brasil com sua família e adotou o nome “Vladimir,” que soava melhor.
Vlado cresceu em uma família judia tradicional, filho de Dona Zora e Seu Zigmund, ele ainda pequeno já conheceu uma das faces do horror capitalista, o nazismo, quando sua família teve que entregar forçadamente sua casa em Banja Luka para os soldados alemães que estavam tomando o território europeu durante a Segunda Guerra Mundial. Isso os forçou a fugir para a Itália e, posteriormente, estabelecer-se na Mooca, bairro operário de São Paulo, em 1946.
Durante sua trajetória, Vlado explorou diversas áreas, incluindo jornalismo, fotografia e aspirações no cinema. Ele cursou Filosofia na Universidade de São Paulo e também estudou teatro no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro. Embora haja poucos registros documentais de sua carreira como ator, existem testemunhos que indicam sua participação nesse campo, como o relato de Luiz Weis sobre uma comédia que Vlado teria escrito, chamada O rei Berra.
Seu envolvimento no jornalismo começou como estagiário no jornal Folha de São Paulo, mas se destacou ainda mais no Estadão. Vlado participou das transmissões da BBC para o Brasil, estudou cinema na Inglaterra e colaborou em filmes como “Marimbás” (1963), “Subterrâneos do Futebol” (1965) e “Doramundo” (concluído após sua morte). Ele também trabalhou na revista Visão, que era um ponto de encontro para jornalistas com afinidades políticas, e atuou na direção do jornalismo da TV Cultura. Sua proximidade com o Partido Comunista do Brasil (PCB) cresceu através do envolvimento com movimentos culturais influenciados pelo partido, como o teatro popular de Augusto Boal e o cinema novo de Nelson Pereira dos Santos.
“Vlado Herzog afirmava com humor ter escolhido o PCB como seu partido político por acreditar que apenas a Igreja Católica e o PCB poderiam derrotar a ditadura, uma vez que o partido não havia aderido à luta armada naquela época.”
Entretanto, em 25 de outubro de 1975, na capital de São Paulo, na rua Tomás Carvalhal, bairro do Paraíso, Herzog teve sua voz silenciada pela Operação Radar no setor de destacamento de Operações de Informações (DOI), pertencente ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), um órgão subordinado ao exército de inteligência e repressão da ditadura, seguindo os padrões do Regime Militar da época. O nome de Vladimir Herzog passou a constar nas listas do DOPS, entre jornalistas considerados inimigos do regime, devido à sua assinatura, em 1965, de um manifesto de intelectuais contra as perseguições políticas.
Ele chegou ao DOI-CODI por volta das 8 horas, acompanhado pelo jornalista Paulo Nunes, que foi dispensado na recepção, e Vlado foi encaminhado para interrogatório. Foi então encapuzado e amarrado a uma cadeira, sufocado com amoníaco, submetido a espancamentos e choques elétricos, conforme o manual ali praticado, seguindo a rotina a que centenas de outros presos políticos foram submetidos nos centros de tortura criados pela ditadura e financiados, em boa parte, por empresários que apoiavam ações repressivas e de violação dos Direitos Humanos, como a Operação Bandeirante.
“Naquela cela solitária, com o ouvido na janelinha, eu podia ouvir os gritos: ‘Quem são os jornalistas? Quem são os jornalistas?’. Pelo tipo de grito, pelo tipo de porrada, sabia que estava acontecendo com alguém exatamente o que eu tinha passado”, recordou, em 1992, o jornalista Sérgio Gomes, que estava preso no mesmo DOI-CODI em que Vlado se encontrava naquele dia.
“Lá pela hora do almoço, há uma azáfama, uma correria. Ele foi torturado durante toda a manhã e então veio o silêncio. A pessoa parou de ser torturada, e em seguida houve uma azáfama, uma correria… percebemos que algo estranho estava acontecendo. Tinham acabado de matar Vlado.”
Rodolfo Konder e George Duque Estrada, militantes comunistas, eram o 10º e o 11º jornalistas presos desde o dia 5 daquele mês. Horas depois, também foram testemunhas do assassinato de Herzog.
A covardia não parou por aí; a brutalidade da morte por espancamento foi, então, ocultada por uma falsa alegação de suicídio, com seu cadáver sendo apresentado enforcado com os dois pés no chão, uma tentativa dos militares de evitar a responsabilidade criminal. Assim, iniciou-se a luta da família, amigos e admiradores do jornalista em busca da verdade. A morte de Vladimir Herzog significou um basta para as instâncias midiáticas que vinham sendo sufocadas desde o golpe de 1964, consolidando-se na memória coletiva como símbolo dos horrores da Ditadura e se projetando por todo o Brasil, lembrando as vítimas desse Estado censor.
O assassinato de Vlado foi seguido por um ato inter-religioso e uma grande mobilização de massas, mesmo sob a vigência do Ato Institucional nº. 5, ou AI-5. A missa na Catedral da Sé reuniu dezenas de figuras religiosas cristãs e judaicas, como o rabino Henry Sobel, falecido em 2019, que denunciou o assassinato de Vladimir Herzog mesmo quando isso, naquele momento, poderia significar a prisão ou a morte. Também intelectuais de peso, como Michel Foucault, se juntaram ao movimento. Vlado foi enterrado no cemitério Israelita, que não aceitava judeus que tivessem cometido suicídio.
A cerimônia foi interrompida pelo secretário de segurança estadual, Coronel Erasmo Dias. Cavalos, cachorros e policiais atacaram os manifestantes com gás lacrimogêneo, cassetetes, cascos e mordidas. Inspirando canções como “O Bêbado e a Equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco, o hino da Anistia e o clássico da Música Popular Brasileira, eternizando a resistência no período de exceção no Brasil.
Nos versos “choram Marias e Clarisses”, por exemplo, Aldir Blanc cita as viúvas Maria, mulher do operário Manuel Fiel, e Clarice Herzog, esposa de Herzog. A morte de Vlado Herzog desencadeou uma onda de protestos contra a ditadura, liderados pelo Sindicato dos Jornalistas, contribuindo para o início de um longo processo de desgaste do regime.
Vladimir, em vida, fez muito. Foi um importante jornalista, comunista e militante convicto na luta em defesa da emancipação dos trabalhadores e da humanidade. E na posteridade inspirou a luta de muitos.
Sobre os autores
é jornalista, tradutora e copidesque.