No primeiro dia de 2024, o movimento zapatista celebrou 30 anos do levante armado de 1 de janeiro de 1994, em Chiapas, no México. Os festejos se deram em meio a um duro contexto: o aumento do narcotráfico na região; a ameaça de projetos desenvolvimentistas nas comunidades por parte do governo mexicano, como o Trem Maya; a acentuação do colapso ecológico pela hidra capitalista que afeta as suas plantações e a vida comum.
Diante das distintas adversidades, o movimento não teve medo de se reinventar. Recentemente, anunciaram uma mudança nas suas estruturas: as centenas de municípios autônomos estão sendo substituídos por Governos Autônomos Locais, que poderão controlar seus espaços autônomos administrativos (como escolas e clínicas).
Essas mudanças vieram acompanhadas de quatro dias de festejos, no Caracol Dolores Hidalgo, um dos centros administrativos zapatistas.
Solidariedade internacional
No primeiro dia, fomos recebidos por centenas de zapatistas que organizaram transporte, alojamento, alimentação e fizeram o registro das caravanas de apoiadores. Ainda que o movimento tenha alertado aos convidados sobre o aumento da violência na região, estiveram presentes movimentos e apoiadores de diferentes partes do México e do mundo, evidenciando que a rede de muitos mundos em torno do zapatismo segue se propagando.
As celebrações foram marcadas pela participação ativa da juventude zapatista. Jovens dos doze caracóis apresentaram peças de teatro sobre os efeitos da crise climática e da hidra capitalista na região, cantaram músicas sobre a história do movimento, dançaram e praticaram diferentes esportes.
Na virada do ano, houve o esperado desfile militar, tendo à frente um batalhão de mulheres insurgentes. Em meio à marcha, uma surpresa: ao som de cumbia, os guerrilheiros zapatistas dançaram.
Coletivismo e auto-defesa
A irreverência e a seriedade, a organização e o mistério são marcas dos festejos zapatistas.
Após o fim do desfile, chega a comandância, ou melhor, a subcomandância, pois quem comanda, em território zapatista, é o povo. O Subcomandante Moisés faz seu pronunciamento em tzetal, uma das línguas mayas da região, mostrando que a festa é, primeiramente, dos indígenas do movimento, ainda que sejamos convidados muito bem tratados.
Em seguida, traduz seu pronunciamento em castelhano. Ele faz um alerta à juventude: diante do contexto mais duro que vivem, não há modelo ou fórmula, é preciso muita prática coletiva. A defesa da vida comum foi recorrente em sua fala, assim como nos cartazes das peças de teatro apresentadas. É preciso defender a vida comum, a terra, o que não é apenas uma luta local: “não é possível humanizar o capitalismo, é preciso que os que vêm de fora se organizem a partir das diferentes geografias.”
Moisés afirma ainda a legitimidade da auto-defesa do movimento que não pretende se entregar: “não queremos matar o exército e os maus governos, mas se formos atacados, iremos nos defender.” Afinal, são mais de 5 séculos de resistência.
Após o fim do pronunciamento, o baile seguiu noite a dentro.
A antropóloga e educadora Ana Paula More, que escreveu essa reportagem, é autora do livro recém lançando Um mundo onde caibam muitos mundos: educação descolonizadora e revolução zapatista, e está em Chiapas acompanhando a celebração de 30 anos do levante armado liderada pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional. O levante aconteceu no dia que o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) entrava em vigor, aprofundando ainda mais a desigualdade no país. Após o levante, os insurgentes assumiram o controle de suas comunidades, redistribuindo o poder e organizando novas formas diretamente democráticas de administrar a sociedade.
Para comemorar os 30 anos do levante zapatista, a editora Autonomia Literária vai publicar o jogo de tabuleiro colaborativo AUTONOMIA ZAPATISTA. Nele, o jogador deverá colaborar para construir a autonomia em um território zapatista, conseguindo as 13 demandas e seguindo os 7 princípios do mandar obedecendo. Para saber mais, fiquem atentos nas redes da editora para acompanhar a pré-venda com desconto e mais detalhes.
Sobre os autores
é antropóloga, educadora popular e mãe da Rosa. Trabalhou com Educação Popular em Saúde na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). É doutora em Antropologia pelo Museu Nacional/UFRJ, sob orientação do Prof. Eduardo Viveiros de Castro, o que a levou a viver um ano em Chiapas junto ao movimento zapatista. Neste período, foi pesquisadora visitante do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), no México. Foi vencedora do VII Prêmio Victor Vicent Valla, da Rede Unida. Atualmente, é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde coordena projetos de extensão popular e atua na Pós-Graduação em Educação. Tem publicações sobre Autonomias e Cosmopolíticas, Educação Popular em Saúde, Educação Libertária, Questões Indígenas e Educação.