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Vidraças do planalta quebradas pelos bolsonaristas. (Reprodução)

Para fortalecer a democracia, não podemos anistiar os golpistas

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A tentativa de golpe em 8 de janeiro, articulada pela extrema direita global com grupos conservadores e neofascistas locais, não teve êxito por causa da reação das instituições, que se recusaram a ceder à cooptação, à conjuntura internacional desfavorável e à incompetência das lideranças bolsonaristas. Agora, os responsáveis civis, políticos e militares precisam pagar para que o golpismo não prospere nas próximas eleições.

A Câmara Legislativa do Distrito Federal instituiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de identificar as razões que levaram às trágicas e criminosas cenas do dia 8 de janeiro de 2023, além de seus responsáveis. Naquele dia, centenas de militantes bolsonaristas conseguiram, pela primeira vez em 62 anos, romper linhas de contenção da Polícia Militar do Distrito Federal e invadir e vandalizar as sedes dos três poderes da república em Brasília.

A última vez que um palácio presidencial foi invadido no Brasil havia sido em 1938, pelo movimento integralista, de inspiração fascista, durante o Governo Vargas. Os fatos que antecederam o dia 8 de janeiro mostram que foi parte de uma trama muito mais ampla e perigosa, que colocou a estabilidade democrática do nosso país sob altíssimo risco. 

A volta da extrema direita na crise do neoliberalismo

Antes de mais nada, é crucial entender que o que aconteceu no Brasil faz parte de um contexto global de retrocesso democrático. Após um longo e consistente período de expansão democrática de modelo liberal no período pós-segunda guerra mundial, as políticas neoliberais do final do século passado exacerbaram as contradições entre a democracia e os direitos humanos e sociais. A crise de 2008 foi a gota d’água que fez explodir revoltas em diversas partes do mundo. A partir de então, movimentos antagônicos disputam espaço: por um lado, movimentos lutam para manter, recuperar e ampliar direitos contra o sistema que foi percebido como razão para sua insatisfação; por outro, movimentos utilizam uma retórica antissistema para eliminar mais direitos e manter privilégios da elite política e econômica.

No Brasil, esse fenômeno foi representado por Jair Bolsonaro, uma figura de longa trajetória no baixo-clero da política nacional, mas que conseguiu galvanizar amplo apoio para sua agenda contra minorias, estrangeiros, populações periféricas, negros, mulheres e trabalhadores. Seguindo a tendência global de retrocesso democrático, sua estratégia não seguiu apenas a cartilha clássica dos golpes que mancharam a história da América Latina, com canhões na rua e o fechamento de parlamentos. Envolveu uma combinação de ataques com aparelhamento das instituições democráticas e estatais.

“Seu objetivo era submeter às instituições do Estado, que possui o monopólio do uso legítimo da força, ao uso ilegítimo de um projeto político contra a Constituição e, em última instância, contra a população.”

No período de pelo menos dois anos que antecedeu as eleições de 2022, Bolsonaro investiu contra as instituições colocando em dúvida a segurança das urnas eletrônicas. As mesmas urnas que o elegeram para a Presidência da República e para seus sucessivos mandatos como Deputado Federal. Mobilizou sua base política em manifestações, passeatas e motociatas, se contrapondo às urnas, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente. Como foi relatado diversas vezes em depoimentos a CPI por partícipes do crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, se não fosse a tentativa reiterada de Bolsonaro de mobilizar sua base contra as eleições, os ataques do dia 8 não teriam ocorrido.

Mas não foi só no antagonismo às instituições que Bolsonaro colaborou para os atentados de 8 de janeiro. Através de diversas políticas direcionadas às Forças Armadas (FAs) e às Polícias Militares (PM), o presidente buscou usurpar a institucionalidade dos militares brasileiros para cooptá-los para seus próprios fins políticos. Seu objetivo era submeter às instituições do Estado, que possui o monopólio do uso legítimo da força, ao uso ilegítimo de um projeto político contra a Constituição e, em última instância, contra a população brasileira. 

“Bolsonaro se manteve em silêncio durante todo esse período, sem reconhecer o resultado das urnas, mas permitindo que teorias conspiratórias sobre uma eventual intervenção militar pudesse mantê-lo no poder.”

Foi assim que, passada a eleição, com a derrota de Bolsonaro nas urnas, uma parte de sua base política se convulsionou e interrompeu de forma violenta rodovias e posteriormente se instalou em acampamentos em frente aos quartéis do Exército pedindo intervenção militar para impedir a posse legítima do governo eleito. Bolsonaro se manteve em silêncio durante todo esse período, sem reconhecer o resultado das urnas, mas permitindo que teorias conspiratórias sobre uma eventual intervenção militar pudesse mantê-lo no poder. Mensagens de assessores diretos do presidente mostram que houve tentativas de conseguir apoio para esse golpe militar à moda antiga, mas que não obtiveram sucesso.

Golpismo militar

Apesar disso, parte do Exército foi evidentemente complacente com os acampamentos golpistas em frente aos quartéis. Aqui em Brasília, mesmo após determinação da PGR para que fossem impedidas as práticas de crimes, como as manifestações em defesa da intervenção militar, o Comando Militar do Planalto ignorou essas manifestações, abrigou e, na prática, ajudou a organizar o acampamento golpista, solicitando, inclusive, autorização ao Governo do Distrito Federal, para a entrada de carro de som para uso dos golpistas.

Mesmo após o dia 12 de dezembro, quando aqueles habitantes do acampamento golpista em frente ao quartel, incendiaram a região central da Capital Federal, e do dia 24, quando outros acampados planejaram e preparam um atentado terrorista às vésperas do natal no aeroporto de Brasília, o acampamento se manteve intocado. Pelo menos duas vezes a PM-DF organizou um operativo para desmobilizar o acampamento e nas duas vezes foi impedida em cima da hora pelo Comando Militar do Planalto. 

No decorrer desse período, o Governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, tomou a decisão de nomear o então Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Anderson Torres, para assumir a posição de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, cargo que já havia ocupado anteriormente. Apesar das manifestações públicas de preocupação por parte de autoridades federais, que levantaram questionamentos sobre a escolha de alguém tão diretamente associado a um figura política com claras inclinações antidemocráticas, como é o caso de Bolsonaro, para desempenhar tal papel na capital do país durante o mandato de seu adversário político, o vencedor nas eleições gerais, Luis Inácio Lula da Silva, Ibaneis Rocha optou por manter sua decisão de indicá-lo para a Secretaria de Segurança Pública.

Apesar da tranquilidade da posse presidencial em primeiro de janeiro, o acampamento se mantinha inerte em frente ao quartel general, a poucos quilômetros da esplanada dos ministérios, onde já funcionava o novo governo democraticamente eleito. Pois não surpreendeu ninguém quando o acampamento foi apontado como ponto de encontro para manifestações que indicavam a intenção da “tomada do poder pelo povo”, em clara intenção de depor o governo eleito.

Não houve apagão de inteligência

Autoridades da PM-DF relataram em reunião na Secretaria de Segurança Pública (SSP) a preocupação com os riscos da manifestação. A própria SSP elaborou relatório em que previa o risco de invasão de prédios públicos e a presença de pessoas armadas. Um dia antes da manifestação, no dia 7 de setembro, o Diretor Geral da Polícia Federal se reuniu com a cúpula da Secretária de Segurança Pública do DF – Anderson Torres estava de férias no exterior – para expressar preocupação com a manifestação e solicitar que a esplanada fosse interditada, considerando que aquela era uma manifestação explicitamente ilegal, pois demandava um golpe de Estado. 

Não só a SSP não readequou o Plano de Operações Integradas para as informações que mostravam o agravamento do cenário, como sequer publicou o Protocolo Tático Integrado de Manifestações. Por sua vez, o Departamento de Operações da PM-DF não elaborou um Plano de Operações, como era previsto nos protocolos do Governo do Distrito Federal para manifestações. Posteriormente, integrantes da alta cúpula da PM-DF foram identificados compartilhando notícias falsas sobre as urnas, sobre o processo eleitoral e aderindo a teses golpistas de Bolsonaro.

“Foi uma articulação entre um grupo antidemocrático que se apoderou de instituições democráticas, aparelhou e cooptou forças militares, mobilizou uma base radicalizada e sabotou operações de segurança para forçar uma intervenção e se apossar do poder.”

No dia 8 de janeiro, manifestantes desceram escoltados pela PM-DF e se depararam com um efetivo muito menor do que o seria disponibilizado para uma manifestação daquele porte. Com facilidade romperam a primeira linha de revista, na entrada da Esplanada dos Ministérios, depois romperam a primeira linha de contenção em frente ao Ministério da Justiça. Depois disso parte do efetivo do Batalhão de Choque que impedia a passagem dos manifestantes para o STF ainda foi retirado, o que facilitou a ação dos criminosos. 

O que vimos no dia 8 foi uma articulação entre um grupo antidemocrático que se apoderou de instituições democráticas, aparelhou e cooptou Forças Militares, mobilizou uma base radicalizada e sabotou operações de segurança para causar o caos e tentar forçar uma intervenção militar que os ajudasse a se apossar do poder no Brasil. O que impediu que tivessem sucesso foi a atuação firme de parte das instituições democráticas que se recusaram a ceder à cooptação e à pressão, a conjuntura internacional desfavorável a um golpe de força e a incompetência das lideranças golpistas, que tiveram força suficiente para causar danos aos edifícios sede das instituições, mas não para abolir seu significado e importância junto à sociedade brasileira.

Por essa tentativa frustrada devem pagar para que não se esqueça e para que não mais aconteça algo do tipo na capital do nosso país. Na tarde de primeiro de janeiro de 2023, sete dias antes dos fatos aqui investigados, uma multidão tomava conta da praça dos três poderes e da esplanada dos ministérios e entoava de forma uníssona: “Sem anistia!”. Que se faça ouvir.

Sobre os autores

é assistente social, professor e político filiado ao PSOL. Nas eleições de 2022 foi reeleito para o segundo mandato na Câmara Legislativa do Distrito Federal, se tornando o deputado distrital mais votado da história do DF.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, DESTAQUE, História and Militarismo

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