Na sexta-feira, 1º de março, o partido de esquerda do México, o Morena, marcou o início da temporada oficial de campanha presidencial do país com um evento de lançamento na praça central da Cidade do México, o Zócalo. Diante de uma multidão com capacidade máxima e após uma introdução da candidata à prefeitura da cidade pelo partido, Clara Brugada, a candidata presidencial Claudia Sheinbaum delineou um plano de cem pontos para construir o “segundo piso da transformação”.
Enquanto muitas das propostas lidavam com a consolidação de projetos já em andamento ou em consideração — incluindo um pacote de reformas constitucionais enviado ao Congresso da União pelo presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) em fevereiro — Sheinbaum ofereceu vislumbres de como este segundo piso seria diferente do primeiro. Ele inclui um maior ênfase nas questões das mulheres, construindo sobre programas instituídos durante seu mandato como prefeita da Cidade do México; a proposta mais chamativa foi uma para reduzir a idade em que as mulheres poderiam se qualificar para a pensão universal para adultos, com um pagamento parcial a partir dos sessenta anos.
A plataforma de Sheinbaum também envolve uma maior atenção à educação, cultura, esportes e artes, incluindo benefícios de saúde e previdência social para artistas normalmente excluídos desses sistemas. Ela oferece um foco aumentado na saúde preventiva e mental, incluindo um programa nacional de saúde mental que abrange vítimas de violência. Promete enfrentar os problemas crônicos de água do México, incluindo reformas na Lei Nacional de Águas da era do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) que entregou os recursos hídricos a licenciados e corporações ricos (Sheinbaum disse que a água será uma questão definidora de seu governo). E, construindo sobre os pontos fortes de Sheinbaum como engenheira climática, promete impulsionar a transição energética — não nos moldes do modelo de greenwashing promovido pelas multinacionais de energia, mas dentro de um quadro de controle público fortalecido sobre o setor, que tem sido uma das batalhas mais significativas do mandato de AMLO.
Ainda é uma necessidade de justiça
Para certas audiências acostumadas à apatia induzida da política dos grandes partidos, pode ser difícil imaginar como é quando o Morena entra em cena. Horas antes do horário do evento, o centro histórico da Cidade do México começa a se transformar em uma festa de rua, com manifestantes descendo ao Zócalo de todos os lados; nas esquinas, bandas tocam e as pessoas dançam. Para a multidão excedente que tem receio de se juntar à multidão que tenta entrar na praça, monitores são montados para lhes dar a chance de acompanhar os acontecimentos. Nesta ocasião, cerca de 350.000 pessoas — próximo à população de Cleveland ou Nova Orleans — compareceram em um dia útil.
Ao contrário dos comícios da oposição, que são mais velhos, mais raivosos e muito brancos, as reuniões do Morena refletem melhor a diversidade étnica e geográfica da nação mestiça e indígena em 80%. Perto da estação de metrô Allende, fui abordado por Honorato da região Sierra Otomí Tepehua de Hidalgo, que viajou seis horas para ver Sheinbaum pessoalmente. “Eles dizem que a nossa é uma região marginalizada”, ele disse. “Mas foram eles que a marginalizaram, todos os ex-presidentes!” Outros atravessaram a própria cidade a pé, como José Luis, um aposentado que, com o transporte público sendo interrompido pela chegada dos participantes, decidiu caminhar do bairro La Raza ao norte de Tlatelolco.
Susana, outra apoiadora do Morena com quem a Jacobin conversou, disse que um governo de Sheinbaum representa uma oportunidade de continuar no caminho do crescimento, “ao contrário da oposição, que está firmemente comprometida em manter a porta aberta para nacionais e estrangeiros continuarem a saquear o país.” Uma mulher chamada Margarita expressou uma esperança mais íntima, mas não menos política: para ela, Sheinbaum pode ser capaz de entender melhor a situação de outras mulheres lidando com filhos desaparecidos ou tendo que cuidar de membros da família com doenças. Idealmente, sua eleição levará a uma “conscientização entre as mulheres” sobre essas e outras questões semelhantes. “Ainda há tanta necessidade de justiça”, observa ela.
Contrariando a tendência internacional
A participação no lançamento de Sheinbaum sugere entusiasmo popular pelo que o Morena conseguiu realizar até agora. Além da guerra de zombaria e difamação vinda da mídia anglófona, o partido em pouco mais de uma década criou uma estrutura que lhe rendeu a presidência, o Congresso e a maioria dos governos estaduais e legislativos estaduais — e se as pesquisas indicarem algo, está caminhando para uma vitória avassaladora que poderia igualar ou até superar seu desempenho em 2018.
O Morena fez esses avanços em um momento em que a extrema direita está avançando em todo o mundo, com a esquerda parlamentar no Norte Global atolada em uma crise aparentemente perene e líderes progressistas na América Latina – como Gustavo Petro na Colômbia ou Gabriel Boric no Chile – enfrentando ventos políticos significativos diante dos constantes ataques da Direita. O sucesso do partido, é claro, o coloca como alvo de ataques mais ferozes.
Nos próximos meses, podemos esperar um ritmo constante da mídia internacional denunciando uma “eleição de narcos”, um “regime autoritário” e uma “democracia em perigo“. Se Claudia Sheinbaum de fato vencer a presidência em 2 de junho, é provável que a vitória seja usada contra ela com gritos de uma “eleição de estado”. Também podemos esperar chamadas perigosas para a intervenção dos EUA aumentar.
Felizmente, o movimento em torno do Morena desenvolveu uma resiliência que o imunizou a grande parte deste previsível pablum. Isso é apenas uma das coisas que a esquerda global pode aprender com a experiência bastante singular do Morena.
Sobre os autores
é escritor, dramaturgo, jornalista freelance e cofundador do projeto de mídia independente “MexElects”. Atualmente, ele é co-autor de um livro sobre as eleições mexicanas de 2018.