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O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, faz um discurso como parte da celebração do Dia Internacional dos Trabalhadores de 2024 em 1 o de maio de 2024, em Bogotá, Colômbia. (Diego Cuevas/Getty Images)

A esquerda colombiana está certa em condenar Israel

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Tradução
Sofia Schurig

Na semana passada, Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, cortou relações diplomáticas com Israel devido ao morticínio em Gaza. Este movimento é significativo, considerando que mercenários israelenses estiveram envolvidos no massacre em massa do partido insurgente, a União Patriótica, na década de 80.

No Dia Internacional dos Trabalhadores, Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, anunciou que o país romperia os laços diplomáticos com Israel devido ao seu contínuo assalto genocida a Gaza. “Amanhã vamos romper as relações diplomáticas com o estado de Israel por ter um governo, por ter um presidente genocida… Se a Palestina morre, a humanidade morre”, disse Petro.

Petro tem sido um dos principais críticos de Israel na esquerda da América Latina. Em 16 de outubro, Israel suspendeu o envio de armas para a Colômbia após uma disputa diplomática entre Petro e o porta-voz do ministério das Relações Exteriores de Israel, Lior Haiat. Na disputa, Petro condenou o cerco de Israel e o sanguinário bombardeio de Gaza, assim como o envolvimento de mercenários israelenses no assassinato em massa de membros do partido União Patriótica (UP) na Colômbia. “Nem Yair Klein nem Rafael Eitan serão capazes de descrever a história da paz na Colômbia. Eles desencadearam massacre e genocídio na Colômbia”, twittou Petro.

O envolvimento do operativo de inteligência do Mossad, Rafael Eitan, e do tenente-coronel israelense Yair Klein no extermínio em massa da UP é um capítulo enterrado da história colombiana. Na esteira da suspensão sem precedentes das relações diplomáticas com Israel pelo governo, é uma história que vale a pena revisitar.

A União Patriótica

A UP nasceu do Acordo de La Uribe, um acordo de paz de 1984 entre as guerrilhas das FARC e o então presidente Belisario Betancur. Sua emergência foi uma séria ruptura na política colombiana, uma alternativa de esquerda a um duopólio eleitoral arcaico entre duas seitas da elite governante do país.

A plataforma eleitoral do partido promovia reforma agrária, cancelamento da dívida externa e dos programas de ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional, e a nacionalização do petróleo, gás e recursos minerais colombianos. A UP reuniu uma coalizão de estudantes universitários, sindicatos, membros do Partido Comunista Colombiano e camponeses. Para muitos, a UP representava um fim potencial para o conflito interno então com um quarto de século de duração na Colômbia.

Desde o início da UP, seus membros, autoridades eleitas e simpatizantes foram marcados para morrer.

Desde o início da UP, seus membros, eleitos e simpatizantes foram marcados para morrer. Por quase duas décadas, “não passava um mês sem um assassinato ou desaparecimento de um membro da UP”, deixando 5.733 ou mais mortos até 2002. Em fevereiro de 2023, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou que o estado colombiano era responsável pela eliminação do partido. O tribunal de Justiça e Paz da Colômbia considerou o extermínio um genocídio político. No entanto, o papel desempenhado pelos operativos israelenses no extermínio da UP muitas vezes é suprimido ou negado pela imprensa mainstream da Colômbia.

“Eles cortam nossas asas”

Em agosto de 1986, pouco depois de sua eleição, o presidente Virgilio Barco Vargas contratou secretamente o agente do Mossad, que se tornara mercenário, Rafael Eitan, como conselheiro de segurança nacional não oficial. Eitan foi encarregado de traçar um plano para erradicar as FARC, apesar do acordo de paz existente negociado por Betancur. Como argumentado pelo jornalista Dan Cohen, a experiência de Eitan em “fazer guerra contra a população camponesa palestina o tornou o homem perfeito para o trabalho”.

Após uma viagem secreta pelo país financiada por Barco, Eitan informou o presidente sobre como erradicar os guerrilheiros. Sua recomendação foi simples: “Eliminar membros da União Patriótica”. O veterano agente do Mossad ofereceu-se para realizar o extermínio do partido em troca de um segundo contrato, o primeiro dos quais foi avaliado em quase US$ 1 milhão (quase US$ 3 milhões ajustados para inflação). O alto comando militar colombiano rejeitou a oferta de Eitan por um segundo acordo.

Seria o próprio exército, não um mercenário transitório, a realizar o extermínio da UP. Mesmo assim, como descrito pelo jornalista investigativo Alberto Donadio, que divulgou a história do envolvimento de Eitan em 2021, “em poucos minutos, o destino dos militantes de esquerda que haviam assinado o acordo de paz foi decidido”.

Mais de quatrocentos militantes da UP foram mortos por forças estatais e paramilitares nos primeiros 14 meses do mandato de Barco, constituindo 60 por cento de todas as vítimas de violência política na Colômbia de 1986 a 1987. Em 2 de março de 1987, o embaixador dos EUA na Colômbia, Charles A. Gillespie Jr, enviou um cabo a Washington com uma projeção encorajadora: “Se líderes suficientes da UP forem assassinados (quantos seriam suficientes, só se pode especular), a UP será forçada a sair do Congresso e as FARC do que resta do processo de paz”.

Yaneth Corredor, que me contou que ela e milhares de sindicalistas como ela no setor público da Colômbia “mergulharam de cabeça na União Patriótica”, descreveu este período na história do partido de forma vívida e macabra. “O presidente Barco e seu amigo do Mossad tiveram uma estratégia dramática, não tiveram? Pergunta-se por que isso [exterminação] aconteceu. Porque tínhamos uma vocação para o poder. Tínhamos catorze congressistas e vereadores; ou seja, começamos a governar. Mas é claro, eles cortaram nossas asas, não?”

Aluno talentoso de Yair Klein

De dezembro de 1987 a maio de 1988, Klein, um tenente-coronel aposentado das Forças de Defesa de Israel (IDF), treinou cinquenta homens em uma “escola de assassinos” no Magdalena Medio, a apenas três horas de distância de Medellín. Operando com uma licença oficial do governo israelense, Klein treinou seus alunos para realizar ataques em carros, assassinatos com bombas e tiros de sniper, e ataques porta a porta em cidades inteiras.

Klein desde então alegou que a CIA o recrutou para treinar os colombianos e que se encontrou com a agora dissolvida agência de inteligência colombiana, o Departamento Administrativo de Segurança (DAS), ao chegar ao país. “Os americanos têm o problema da opinião pública, da imagem internacional. Nós não temos esse problema”, disse um israelense que trabalhava para a corporação de mercenários Spearhead de Klein sobre a operação.

Cinco meses depois, os alunos de Klein, Fidel e Carlos Castaño, Alonso de Jesús Baquero e trinta outros homens realizaram um massacre na cidade mineradora de Segovia. Lá, Rita Ivon Tobón Areiza, uma jovem da UP, havia vencido a corrida eleitoral para prefeito de 1988 por uma grande margem. Trabalhando com as Forças Armadas colombianas apoiadas pelos EUA, Jesús Baquero, um dos chefes paramilitares de Castaño, liderou o massacre. Seus alvos eram suspeitos de apoiar a UP.

Em 11 de novembro, dia do massacre, o exército removeu seus postos de controle, normalmente posicionados na entrada da cidade. Segundo um relatório da Anistia Internacional, “guarnições regulares da polícia e do exército ficaram de prontidão enquanto os assassinos se moviam livremente pela cidade por mais de uma hora.” As forças de Jesús Baquero, armadas com uma lista de alvos, realizaram assassinatos porta a porta de suspeitos de apoiar a UP e um ataque à praça da cidade, matando quarenta e três pessoas e ferindo mais de cinquenta outras. “Yair Klein sempre me considerou um aluno talentoso”, lembraria Jesús Baquero mais tarde.

Os Castaños eventualmente formariam as Forças Armadas Autodefesa Unidas da Colômbia (AUC). Em 2001, a Human Rights Watch determinou que as AUC eram efetivamente uma divisão do exército colombiano e, segundo o autor John Lindsay-Poland, “o pior violador” em um conflito que tirou 262.197 vidas em seis décadas. Em 2002, a GIRSA, uma empresa israelense na Guatemala ligada às IDF, enviou três mil rifles de assalto e 2,5 milhões de cartuchos de munição para as AUC — armas que elas usaram para massacrar esquerdistas e deslocar milhares.

Colômbia: Não mais o “Israel da América Latina”

No relatório da Anistia Internacional sobre a carnificina em Segovia mencionada acima está um desenho de uma criança — um preságio cassandrino de um massacre. Francisco William Gómez Monsalve, de dez anos, fez o desenho oito dias antes do derramamento de sangue, depois que a imagem veio a ele em um pesadelo. Francisco foi uma das três crianças mortas pelo esquadrão de morte treinado por Israel no massacre de Segovia.

Desenho de Francisco William Gómez Monsalve (Cortesia Pietro Paolini)

A presença de Klein e Eitan na Colômbia e seu envolvimento na violência anti-comunista contra a UP não foi por acaso. A Colômbia começou a comprar armas de Israel na década de 1980, incluindo vinte jatos de combate israelenses em março de 1989, um acordo facilitado por Eitan. Desde então, Israel treinou Forças Especiais colombianas em contraterrorismo e, até agora, forneceu ao país grandes remessas de armas. Israel também foi o “maior distribuidor de armas” para o Chile sob a ditadura de Augusto Pinochet, treinou os Contras na Nicarágua, facilitou o genocídio guatemalteco e apoiou forças reacionárias em toda a América Latina durante a Guerra Fria.

A Colômbia tem sido há muito tempo o principal aliado do governo dos Estados Unidos na região, o “Israel da América Latina”, como o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, uma vez a descreveu. O envolvimento de operativos israelenses no extermínio sistemático da UP é uma parte crucial dessa história e segue um padrão global de violência anti-comunista apoiada pelos EUA durante a Guerra Fria.

Embora diferente em escala, historicamente, tanto a esquerda colombiana quanto os palestinos têm suportado a brutalidade calculada dos Estados Unidos e de um estado israelense apoiado pelos EUA.

Mais amplamente, a Colômbia tem a segunda maior população de pessoas deslocadas internamente do mundo, com mais de 6,8 milhões de indivíduos deslocados devido ao conflito interno. A violência do deslocamento é uma experiência compartilhada pelos 5,9 milhões de refugiados palestinos em todo o mundo e pelos 2 milhões de palestinos em Gaza deslocados pelas IDF nos últimos seis meses.

Um argumento feito pelo historiador Greg Grandin em Empire’s Workshop captura a situação atual na Colômbia:

E se poderia pensar que os latino-americanos, depois de tudo o que sofreram, todas as torturas e terrores da Guerra Fria, teriam desistido da ideia de que a história é resgatável. Acontece que a repressão teve o efeito oposto, gravando na cultura política da região . . . uma habilidade tanto para reconhecer a dialética que se esconde por trás da brutalidade quanto para responder a cada corpo sangrento com afirmações cada vez mais enfáticas da humanidade.

Agora uma esquerda insurgente, antes alvo de assassinato em massa sistemático pelo exército colombiano e por paramilitares treinados por Israel, ocupa o cargo mais alto do país — e, em um ato inédito de solidariedade, rompeu os laços diplomáticos com Israel por seu genocídio contínuo em Gaza.

Sobre os autores

Luca DeCola

é um pesquisador independente em Bogotá, Colômbia.

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Published in América do Sul, DESTAQUE, Guerra e imperialismo, Notícia, Política and Relações Internacionais

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