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Coronel da reserva Mello Araújo durante encontro com Jair Bolsonaro. Imagem de reprodução / redes sociais.

Como Bolsonaro nomeou um “caveira” para ser vice de Ricardo Nunes

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Liberais e conservadores alegam ser a favor do livre mercado e da iniciativa privada. Mas isso não corresponde com a realidade: suas carreiras políticas são sempre pavimentadas dentro das estruturais do Estado, como é o caso do Coronel Melo Araújo, mais um político policial que usou a farda como palanque.

Já virou rotina na política de São Paulo. Passo 1: um policial militar de alto escalão, ainda na ativa, se manifesta politicamente, desrespeitando a Constituição. Passo 2: a manifestação, obviamente, deixa o nome do policial militar em evidência na mídia. Passo 3: o policial militar vai para a reserva e se candidata a um cargo político.

Quem diz isso não sou eu. No “1º Congresso Político” realizado pela Associação de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Estado de São Paulo, realizado em junho deste ano, Coronel Telhada, ex-ROTA e hoje deputado federal pelo PP, deu a letra: “a mídia, sempre a mídia (…), mídia é uma coisa poderosa.” Na ocasião, citando vários policiais que, através da exposição na imprensa, conseguiram se eleger, ele sugere que os candidatos-policiais busquem a imprensa para divulgar suas ocorrências, como ele mesmo costumava fazer.

A bola da vez nesta estratégia da extrema direita é o Coronel Mello Araújo, candidato a vice-prefeito de São Paulo na chapa de Ricardo Nunes após indicação direta de Jair Bolsonaro. Mas se engana quem pensa que essa trajetória começou só neste ano.

“O Coronel Mello Araújo fez da farda seu palanque. Não muito diferente do próprio Bolsonaro que, através do Exército, se utilizou da mesma tática para se tornar deputado e iniciar a vida política.”

O político camuflado de “não político”

O primeiro passo foi dado já em 2017. Logo que assumiu o comando da ROTA, Mello Araújo deu uma entrevista exclusiva ao UOL, em agosto daquele ano, que o impulsionou para o grande público. Nela, estrategicamente, fez duas declarações para viralizar.

A primeira mostrou a visão de mundo preconceituosa e truculenta do então tenente-coronel. É dele a icônica frase de que a abordagem da polícia nos Jardins deve ser diferente da periferia. “Se eu coloco um (policial) da periferia para lidar (…) aqui nos Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com a pessoa dos Jardins ali que está andando”, disse Mello.

A segunda veio na forma de um afago ao radicalismo crescente no país. O comandante afirmou que, em 2018, votaria em Jair Bolsonaro, logo se explicando: “eu não sou político e não gosto de falar muito de política, mas eu entendo que o país precisa de pessoas honestas no comando”. 7 anos e algumas joias sauditas depois, é fácil perceber que a declaração não envelheceu bem. Bolsonaro não era honesto, e, vejam só, Mello Araújo era sim um político vestindo farda.

Não demoraria para que o PM colhesse seus frutos políticos. Em uma entrevista a um podcast policialesco, dois anos atrás, Mello confessa que, poucos dias após sua declaração, ainda em 2017, Bolsonaro foi até a sede da ROTA agradecer pessoalmente pelo apoio do comandante ainda na ativa.

“Após denúncias de humilhação e coação de funcionários em 2021, circularam na internet vídeos dos assessores de Mello Araújo invadindo espaços sindicais da CEAGESP armados para intimidar trabalhadores.”

Mas o verdadeiro agradecimento viria depois. Aposentado em 2019, Mello Araújo recebeu de Bolsonaro o cargo de presidente da CEAGESP em São Paulo. O PM que “nunca foi político” foi nomeado politicamente para chefiar o maior entreposto de abastecimento da América Latina.

Sua gestão na CEAGESP foi recheada de polêmicas, como a inexplicável abertura de um clube de tiro e uma loja de armas no entreposto. Mas o que marcou mesmo sua gestão foi o “espírito de corpo” policial. Dos 26 cargos comissionados disponíveis, Mello Araújo nomeou 22 camaradas da Polícia Militar para ganhar salários que variavam até R$ 30.530,00 mensais.

Talvez todo este “espírito de corpo” tenha feito com que o Coronel sentisse como se nunca tivesse saído da ROTA. Após denúncias de humilhação e coação de funcionários em 2021, circularam na internet vídeos dos assessores de Mello Araújo invadindo espaços sindicais da CEAGESP armados para intimidar trabalhadores. As imagens são de dar inveja a qualquer milícia carioca.

A disputa pela hegemonia da extrema direita

Com a eleição de Lula em 2022, o domínio do Coronel sobre o entreposto chegaria ao fim. Mas Mello Araújo, pelo visto, já tinha planos políticos maiores.

Até junho deste ano, o bolsonarismo ainda estava indefinido sobre as eleições paulistanas. O PL, partido de Bolsonaro, não havia decidido se apostava em uma candidatura própria ou se embarcava na tentativa de eleger o atual prefeito, Ricardo Nunes, do MDB. Importante dizer que, na época, a campanha de Marçal ainda não ameaçava a hegemonia bolsonarista na extrema direita.

Tudo parece ter se acertado, enfim, no dia 14 de junho, quando Nunes posou efusivo em fotos para a imprensa ao lado de Bolsonaro, Tarcísio e do Coronel. Sem empolgar por conta própria, Nunes estava pronto para abraçar o bolsonarismo. E o bolsonarismo já estava pronto para se esbaldar na máquina pública do atual prefeito. Dias depois, Mello Araújo foi confirmado como candidato a vice na chapa de Nunes.

A forma como se deu este processo tem algumas curiosidades. Antes do embarque bolsonarista, pelo tempo de propaganda na TV, o PP era o partido que imaginava ter o direito de nomear o vice de Nunes. Mas uma figura do PP resolveu contrariar a própria sigla. Coronel Telhada saiu em defesa do colega de corporação: “o Coronel Mellinho não é uma pessoa do convencimento, é alguém que gosta de impor as coisas, como bom policial. Mas o fato de ser linha-dura pode ajudar o Ricardo Nunes.”

Tanta intimidade não era à toa. “Conheço ele desde menino, trabalhei com o pai dele”, completou Telhada, que também comandou a ROTA anos antes.

Outra curiosidade é que nomes da Polícia Civil de SP, como o do deputado estadual Delegado Olim (PP) e o do delegado Nico, chegaram a se opor à nomeação de Mello. Isso porque ela se deu no meio de uma disputa em que, através do Secretário Estadual de Segurança de São Paulo, o Capitão Derrite (PL), outro ex-integrante da ROTA, a PM paulista vem engolindo parte das funções e dos poderes da Polícia Civil.

Derrite, aliás, é outro que se alavancou à política através da mesma tática de Mello Araújo quando, em 2015, na época em que era Tenente, teve áudio estrategicamente vazado na imprensa no qual reclamava que, pela sua posição, estava sendo obrigado a expulsar da ROTA policiais que estavam matando demais. Para Derrite, ao contrário, “era vergonhoso” que um policial com mais de 5 anos de rua não tivesse pelo menos 3 mortes no currículo.

Um dos policiais expulsos, vejam só, era Rafael Telhada, filho do Coronel Telhada que, mais tarde, também se filiaria ao PP para ser eleito deputado estadual. No áudio, Derrite se refere a Rafael como seu “amigo, irmão e afilhado de braçal”, por ele ser seu calouro na Academia do Barro Branco. De forma bastante artificial, Derrite ainda aproveitou o áudio para exaltar o “Telhada pai” por “tudo o que fez e continua fazendo pela Polícia Militar” e encerrou com uma frase bastante simbólica: “uma vez ROTA, sempre ROTA”.

“PM impôs o sigilo de 100 anos a todos os processos disciplinares abertos contra Mello Araújo. A imprensa (e o povo paulistano) terá de esperar um século para conferir se as histórias contadas nos podcasts batem com a realidade.”

E este parece mesmo ser o espírito desta turma policial que surfa no bolsonarismo para chegar ao poder. Derrite, aliás, parece nutrir uma grande admiração por Mello Araújo. Em seu canal de Youtube, ele entrevistou o Coronel para seu podcast, confessando que ele era um dos profissionais que ele mais havia se espelhado em sua carreira. No episódio, Mello Araújo repete os jargões de que “não era um político” ao também “nunca político” Derrite. Em clima descontraído, conta sobre suas operações na ROTA e no COE que terminaram com algumas mortes.

A descontração de Mello Araújo ao narrar as ocorrências na internet, porém, contradizem sua postura sobre elas na realidade. Em julho deste ano, quando o Coronel já era candidato a vice-prefeito na chapa de Ricardo Nunes, a PM do Estado de São Paulo impôs o sigilo de 100 anos a todos os processos disciplinares abertos contra Mello Araújo. A imprensa (e o povo paulistano) terá de esperar um século para conferir se as histórias contadas nos podcasts batem com a realidade.

E foi desta maneira que o Coronel Mello Araújo pavimentou seu caminho para se tornar candidato a vice-prefeito da maior cidade do país. Desde uma troca de afagos, quando ainda estava na ativa, com o então deputado Jair Bolsonaro em 2017, até a imposição de seu nome pelo mesmo Bolsonaro na chapa de Ricardo Nunes, o Coronel Mello Araújo fez da farda seu palanque. Não muito diferente do próprio Bolsonaro que, através do Exército, se utilizou da mesma tática para se tornar deputado e iniciar a vida política.

Assim, em uma cidade que já cultiva a “tradição” de acabar sendo governada por vices, um “Caveira” (como são chamados os policiais militares que passam pelos batalhões de elite conhecidos pela truculência e alta letalidade) foi o nome escolhido a dedo por Bolsonaro para ocupar esta posição estratégica.

Este é o arriscado cenário colocado para o cidadão paulistano. De um lado, Ricardo Nunes, uma marionete envergonhada do bolsonarismo que promete passar os próximos 4 anos sob o nariz de um Coronel bolsonarista raiz. De outro, Marçal, um bolsonarista convicto, baixo e estridente que nos lembra que nada é tão ruim que não possa piorar.

Nestas eleições, o povo paulistano vai às urnas para derrotar os dois lados desta mesma moeda trágica, como já fez em 2022. Momentos da história como esse não permitem vacilações. Mesmo com todo o cenário adverso, assim como Lula fez dois anos atrás, a candidatura da Guilherme Boulos mostra que tem total capacidade de vencer. Uma vitória crucial para quem ainda cultiva algum princípio de igualdade, justiça e democracia neste país.

Sobre os autores

é mestre em Direito pela Faculdade de Ribeirão Preto (USP). Atualmente é advogado e academicamente atua nos seguintes temas: sociologia do direito, instituições policiais, segurança pública, direitos humanos e militarismo. É autor do livro A história da polícia no Brasil: Estado de exceção permanente? (Autonomia Literária, 2023).

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, DESTAQUE, Extrema-direita and Militarismo

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