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Policiais de Detroit posam com armas e insígnias apreendidas de terroristas da Legião Negra, 25 de maio de 1936. (Arquivo Bettmann / Getty Images)

Você conhece a KKK, mas e a Black Legion?

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Tradução
Pedro Silva

A Black Legion era um grupo fascista, supremacista branco, sediado em Lima, Ohio. O grupo alcançou centenas de milhares de membros na década de 1930 e se envolveu em atos violentos de terrorismo racial. Seus piores feitos estão perdidos na história e deveriam ser resgatado na atual luta contra a extrema direita.

As passagens abaixo foram extraídas de What Can We Learn from the Great Depression? Stories of Ordinary People and Collective Action in Hard Times [O que podemos aprender com a Grande Depressão? Histórias de pessoas comuns e ações coletivas em tempos difíceis], recém-lançado pela Beacon Press. O livro aborda quatro histórias amplamente desconhecidas de como os trabalhadores, enfrentando a crise dos anos 1930, responderam com ações coletivas de base populares, e como eles enfrentaram o racismo, o patriarcado e o capitalismo de maneiras muitas vezes surpreendentes.

Dois capítulos focam em inspirar a militância e o ativismo popular. O primeiro analisa de perto a ajuda mútua e cooperativas nos anos anteriores ao New Deal, contrastando isso com reivindicações mais militantes sobre o Estado por meio de protestos inter-raciais contra despejos e o movimento de mobilização de desempregados. Um segundo foca em uma greve ocorrida surpreendente em 1937, na qual sete jovens mulheres afro-americanas que trabalhavam como amas de leite vendendo seu leite materno para a cidade de Chicago ocuparam a prefeitura. Dois outros capítulos confrontam realidades mais sérias: um foca na expulsão forçada de até um milhão de mexicanos e mexicano-estadunidenses, e analisa suas estratégias coletivas de sobrevivência, justapondo o apagamento de sua história com a consagração dos amplamente mitificados migrantes brancos do “Dust Bowl”.

Enquanto Donald Trump, JD Vance e seus aliados racistas propagam racismo hediondo contra haitianos em Springfield, Ohio, proponho um olhar atento, finalmente, à Legião Negra, um grupo fascista, supremacista branco, pouco conhecido e com sede em Lima, Ohio, a oito milhas de distância, que alcançou centenas de milhares de membros na década de 1930. Abaixo está a introdução do capítulo, seguida por uma seção posterior que documenta como a Black Legion estava cheia de armas e tomada por uma cultura armamentista fanática.

— Dana Frank


Normalmente, um amigo ou parente — às vezes era apenas um mero conhecido — convidava um potencial “recruta” para uma reunião privada de uma organização sigilosa. Seu propósito, dizia o amigo, era “proteção”; poderia ajudar a conseguir empregos também. Ao anoitecer na data marcada, o amigo o pegava em casa de carro, com talvez três ou quatro outros homens acompanhando, e eles dirigiram até a fazenda de Henry Tapscott, três milhas a leste de Lima, Ohio. Uma vez lá, o recruta era subitamente cercado por trinta, quarenta, cinquenta, duzentos homens armados — era difícil enxergar na escuridão total, mas alguns tinham lanternas — vestidos com longas túnicas pretas com capuz e orifícios para os olhos, e por cima um chapéu preto de pirata com uma caveira branca e ossos cruzados. As túnicas tinham acabamento branco, uma capa com forro de cetim vermelho e outra caveira branca e ossos cruzados recortados em feltro e presos com alfinetes de segurança no peito. O recruta era instruído a se ajoelhar. Enquanto um revólver era pressionado em suas costas, dois homens vestidos com túnicas ficavam de cada lado dele apontando armas. O “capitão da guarda” lançava três perguntas:

1. Você é um cidadão nativo, branco, não-judeu e protestante?
2. Você entende que esta organização à qual está prestes a se juntar é estritamente secreta e de caráter militar? 3. Esta organização é classificada por nossos inimigos como um grupo fora da lei; você está disposto a se juntar a tal organização?

Uma vez que o recruta respondia “sim”, era ordenado a jurar que nunca revelaria nada sobre a organização ou suas atividades, que ele “aceitaria uma ordem e rumaria à morte, se necessário, para executá-la”, e que ele “esqueceria seu partido e votaria no melhor homem se ordenado a fazê-lo por seu oficial superior”. Um “capelão” proclamava: “Classificamos como nossos inimigos todos os negros, judeus, católicos e qualquer um que deva qualquer lealdade a qualquer potentado estrangeiro. Lutamos como gorilas [sic] usando qualquer arma que possa chegar às nossas mãos, de preferência o voto, e se necessário, pegando em armas”. Ele tornava explícitos os objetivos do grupo: “Nosso propósito é derrubar, devastar, destruir e matar nossos inimigos sem piedade enquanto um deles permanecer vivo ou respirar”. Depois que o recruta fazia o juramento, ele aprendia a senha — “eleger somente membros para o posto” — e recebia um cartucho de arma calibre 38 para guardar como um lembrete de seu juramento e do que aconteceria se ele o traísse.

Em 1935, cerca de cinco mil homens brancos na cidade de Lima, Ohio, de uma população total de 42.267, haviam feito esses juramentos. A organização à qual eles se juntaram era conhecida como Legião Negra. Era um desdobramento da Ku Klux Klan, que havia crescido e depois entrado em colapso durante a década de 1920. Em meados da década de 1930, a Legião Negra cresceu para entre cem mil e um milhão de membros em todos os Estados Unidos — ninguém sabe realmente quantos — e era especialmente forte em Ohio, Michigan, Kentucky e Illinois, bem como em West Virginia e Indiana. Em Detroit, seus membros supostamente incluíam o comissário de polícia, dezenas de policiais, um promotor e o prefeito de uma cidade vizinha. Mataram pelo menos cinquenta pessoas: algumas delas brancas, algumas afro-americanas, algumas delas organizadoras sindicais e esquerdistas. Malcolm X e sua família sempre suspeitaram que a Legião Negra havia matado seu pai em East Lansing, Michigan, em 1931, e o deixado na rua para ser atropelado por um bonde.

Somente quando investigadores policiais corajosos em Detroit conseguiram que um perpetrador a denunciasse em maio de 1936, as notícias sobre a Legião Negra e suas atividades no âmbito nacional surgiram, e alguns processos finalmente começaram. O alarme nacional irrompeu, impulsionado pelas manchetes diárias, quando doze membros da Legião Negra foram julgados em Detroit por matar um trabalhador branco da Works Progress Administration chamado Charles Poole. Hollywood até fez dois filmes sobre a Legião.

À medida que a extensão, o poder e a natureza fascista da Legião Negra se tornavam cada vez mais claros (mas nunca totalmente claros), à medida que Benito Mussolini e Adolf Hitler continuavam a crescer na Europa, e à medida que o senador Huey Long e o “pai do rádio” Charles Coughlin acumulavam milhões de seguidores devotados nos Estados Unidos, a possibilidade real de uma revolta fascista organizada no país surgiu. Ecoando o famoso romance de 1935 e a peça de 1936 de Sinclair Lewis, It Can’t Happen Here [Isso não pode acontecer aqui], sobre um ditador fictício que assume o poder nos Estados Unidos, AB Magil e Henry Stevens, em um panfleto de 1938 intitulado The Peril of Fascism [O perigo do fascismo], observaram: “A Legião Negra, lançando sua sombra sobre o cenário americano, sacudiu os incautos e incrédulos para uma percepção de que isso poderia acontecer aqui.”

Os repórteres logo se concentraram em Lima, uma pequena cidade uma hora ao sul de Toledo, no noroeste de Ohio, onde a sede da Legião Negra ficava na casa de Virgil “Bert” Effinger, o agitador secreto e “major-general” no topo da organização. Podemos segui-los até Lima — não apenas para o líder da Legião, mas, mais importante, para seus membros, seu apelo a homens e mulheres brancos comuns e a pura normalidade da supremacia branca, nativismo, antissemitismo, anticatolicismo e militarismo durante a década de 1930 no chamado interior da região. “Esta organização monstruosa não é apenas uma excrescência sombria na vida americana”, escreveu a Nation na época, “mas algo que foi construído na estrutura dos negócios e da política americana”.

A Legião Negra se desfez no final de 1936 diante de processos, indignação nacional e diminuição da disposição dos indivíduos de se associarem publicamente a ela. Para cada oponente heroico que eventualmente se apresentou e ajudou a pará-la, no entanto, espreitava um funcionário do governo local totalmente cúmplice que se juntou à legião ou que ativamente frustrou aqueles que buscavam fechá-la. Eles incluíam Robert F. Jones, que em 1934 se juntou à Legião Negra em Lima em troca de ser eleito promotor do condado e serviu quatro mandatos no Congresso dos EUA. A história da Legião Negra, de Lima até o FBI, o Departamento de Justiça e o Senado dos EUA, levanta questões muito familiares sobre a aplicação da lei e o poder político, quem os controlava e para quais fins.

Hoje, a Legião Negra projeta uma extensa sombra em Lima. É o país profundo de Trump. Enquanto o debate se acirra sobre os corações e mentes dos homens brancos da classe trabalhadora no Centro-Oeste, a história da Black Legion em Lima, Ohio, é assustadoramente instrutiva.

Armado e ardiloso

Internamente, a Legião funcionava com uma estrutura militar rigorosa, com esquadrões, companhias, batalhões e regimentos e seus correspondentes soldados, cabos, sargentos, tenentes, capitães, majores e coronéis, com generais graduados acima deles. Cada general, por sua vez, comandava um setor constituindo um décimo terceiro dos Estados Unidos, escolhidos para refletir as treze colônias originais da nação. Acima de todos eles, governava Virgil Effinger, o major-general. A Legião Negra também tinha subgrupos locais conhecidos como “divisões”, responsáveis ​​por atividades específicas, chamadas de “Legião de Infantaria”, “Cavaleiros Noturnos”, “Cavaleiros Negros”, “Guarda Armada” e, no topo, o seleto “Clube da Bala”.

Grande parte dessa estrutura hipermilitarizada deve ter surgido da cabeça de Effinger, um veterano da Guerra Hispano-Americana. Os membros da Legião também teriam incluído muitos outros veteranos, especialmente da Primeira Guerra Mundial. Um membro, Albert Erfer, era um veterano das guerras dos EUA nas Filipinas e no México, bem como da Primeira Guerra Mundial. Esses veteranos conheciam e se sentiam confortáveis ​​com os títulos militares e as saudações que a Legião empregava, e aspiravam subir na hierarquia e alcançar a auto importância, deferência e afirmação que vinham com o fato de ser um oficial. Os informantes identificaram repetidamente os membros individuais por suas patentes, sugerindo que os títulos militares da Legião eram bem conhecidos e regularmente utilizados.

Na cultura militar da Legião Negra, podemos ver o legado, a essa altura bem estabelecido, das incursões e ambições imperiais dos EUA nas Filipinas, em Cuba e na Primeira Guerra Mundial — e como elas ajudaram a estabelecer as bases para o enraizamento do fascismo doméstico. Quando tentamos apontar o que a Legião Negra realmente fez, a imagem é menos precisa. Três informantes diferentes de Lima que falaram com um agente do FBI de Cleveland na primavera de 1935 disseram que “eles ouviram falar de esquadrões de chicoteamento, esquadrões de enforcamento e esquadrões de extermínio em atuação e declararam que no momento havia oito nomes na lista de execução, cujos mandados de morte foram assinados pelo General Sloan de Sidney, Ohio, que é um funcionário do Departamento Estadual de Rodovias” — onde, podemos notar, Effinger estava trabalhando na época. Mas nenhuma morte na área de Lima foi publicamente atribuída à Legião, em contraste com Michigan, onde supostamente mataram dezenas.

Evidências mais concretas, ainda que parciais, apontam para crimes contra a propriedade. Um desertor disse que Effinger havia “ordenado que ele pegasse vinte homens [e] fosse ao Teatro Sigma em Lima, Ohio, e lá destruísse os rolos de um filme que estava sendo exibido”. Ele disse que Effinger se opôs ao filme, White Angel, “com base no fato de que ele defendia a fé católica”. Ele também disse que “ouviu uma discussão no porão da casa de Effinger sobre a conveniência de a Legião tomar os Prédios Federais”.

Effinger se gabou de que a Legião havia queimado dois bares de estrada nos arredores da cidade, o Twin Oaks e o Imperial. Às 3 da manhã de 29 de janeiro de 1934, o bar de estrada Twin Oaks — um salão de dança, clube e churrascaria a duas ou três milhas ao sul de Lima — foi de fato destruído, no que o Lima News descreveu como um “incêndio espetacular”. Uma hora depois, outro incêndio queimou a casa do Sr. e da Sra. Charles Reese, a oeste da cidade. “Outros incêndios na cidade mantiveram os bombeiros ocupados durante o fim de semana”, relatou o News. O mesmo desertor relatou que Effinger havia ordenado que queimasse o Peacock Roadhouse, mas ele se recusou. Várias fontes relataram que a Legião estava planejando incendiar a agência dos correios. Em maio de 1935, um comitê da legislatura do estado de Ohio recebeu relatos de que a Legião era responsável por repetidas ameaças contra a filha do governador.

Grande parte da ira mais bem documentada da Legião Negra, no entanto, foi direcionada a homens que recusaram o recrutamento, não conseguiram permanecer ativos, desertaram ou a denunciaram. Em 26 de maio de 1935, um fazendeiro branco de 55 anos, de aparência amável, que vestia macacão, chamado William H. Smith, disse aos repórteres que no dia 29 de setembro do ano anterior, depois de um dia cortando milho juntos, um “parente jovem” ofereceu uma carona de carro. Eles pararam para pegar outros dois homens e então dirigiram por 24 quilômetros até outra fazenda. “Estava chovendo forte enquanto abríamos caminho em uma longa vereda” a 800 metros da estrada, Smith contou. “Dois sujeitos vestidos como o próprio diabo caminharam até o carro. Cada um deles tinha uma lanterna em uma mão e uma arma na outra.” Smith queria fugir, ele disse aos repórteres, mas estava chovendo muito forte. “O sujeito com quem eu estava disse a um dos indivíduos: ‘dois recrutas’ . . . Eu disse que preferia sentar no carro e esperar.”

Smith viu seu parente correr para um “pequeno galpão”, mas quando ele mesmo entrou, o parente não estava em lugar nenhum. “Sentei-me em uma caixa. Eles tinham 12 recrutas enfileirados e um homem que eu conhecia estava preenchendo cartões para eles.” Quando os membros da Legião descobriram que Smith não havia preenchido um cartão, eles exigiram seu nome. “Vocês sabem qual é meu nome”, retrucou Smith. “Isso é muita tolice.” Os outros recrutas estavam claramente aterrorizados demais para resistir, ele disse aos repórteres. “Seus dentes estavam estalando como um porco comendo carvão.” Em seguida, cerca de duzentos membros da Legião, “todos enfeitados com aquela parafernália”, Smith lembrou, marcharam com os recrutas para um celeiro, onde “o chefão [sic], um sujeito grande e com uma voz pesada” — que deve ter sido Effinger — “gritava sobre os democratas e os republicanos. ‘Vamos assumir o governo e administrá-lo nós mesmos.’” Effinger disse aos recrutas que se algum deles fosse católico, “é melhor saírem daqui bem rápido”. Smith respondeu que “não era católico, mas estava pronto para ir embora”.

Quando Smith desafiou Effinger diretamente e protestou contra a iniciação, Effinger gritou de volta: “Por que seu amarelo…, vou esmagar seus miolos com esta arma.” Naquele momento, segundo Smith, “comecei a empurrar para sair”, ele contou, e “corri noite adentro. Alguém me agarrou e comecei a lutar, mas fui atingido e levei um na cabeça, acho que com as coronhas das armas.” Ele foi amarrado, levado para um celeiro de milho e jogado no chão. Uma hora e meia depois, por volta das 0h30, “um sujeito veio até o celeiro e me perguntou se eu queria reconsiderar. Eu disse ‘de jeito nenhum’.” Finalmente, por volta das 4h30, eles o levaram para fora, enquanto “enfiavam armas nas minhas costelas”, e disseram que ele morreria se revelasse o que tinha acabado de acontecer. No dia seguinte, Smith contou sua história ao xerife. Dois dias depois, ele foi ameaçado por homens que lhe informaram: “Você contou e vai morrer”.

A Legião também ameaçava rotineiramente homens que saíam depois de terem se filiado. “Aqueles indivíduos que abandonaram a ordem foram abordados em inúmeras ocasiões e avisados ​​de que não deveriam falar”, relatou uma investigação do FBI de 1935. Um informante relatou que havia sido “ordenado por Effinger a ‘golpear a cabeça’ de um homem que se recusou a comparecer às reuniões da sociedade”. O juramento de iniciação da Legião incluía esta promessa feroz — embora talvez difícil de executar:

Antes de divulgar uma única palavra ou promessa implícita deste meu juramento solene e obrigação, rezarei a um Deus vingador e a um Diabo implacável para que meus membros sejam quebrados com pedras e cortados em centímetros; que eles possam servir de alimento para pássaros necrófagos; que meu corpo seja rasgado e minhas entranhas arrancadas e dadas de comer aos pássaros mais imundos do ar; e que minha cabeça seja aberta e meu cérebro espalhado pela terra, meu coração seja arrancado e assado em chamas de enxofre.

Durante as iniciações, os membros da Legião encenavam enforcamentos falsos no escuro, nos quais um membro da Legião, que parecia ter violado instruções ao repetir uma senha falsa, era prontamente enforcado, à vista parcial dos iniciados. Um informante, o Sr. Carter, relatou que havia desempenhado o papel de vítima várias vezes. Um ano após a deserção em 1934, um encanador chamado George Scheid Sr., que estava ativo na Legião por dois ou três anos e ascendeu ao posto de major, deu informações a JF Cordrey, um inspetor postal em Lima. Depois que ele deixou a organização, Scheid relatou, um bilhete apareceu em sua porta “aconselhando-o a cometer suicídio ou deixar o país”. Em um momento, “cerca de 50 carros cheios de homens se reuniram em torno de sua casa”.

Seu filho, George Jr, mais tarde lembrou: “Lembro-me de quando eu era criança, uma noite, que havia dois carros cheios de legionários, todos vestidos para enfrentar meu pai, e eles pararam do lado de fora da casa.” Dois amigos de seu pai, que também haviam desertado, estavam lá para ajudar a protegê-lo, incluindo o veterano do exército Albert Erfer. “Meu pai estava sentado em sua mesa carregando as armas” quando Erfer disse a seu pai que “ele reconheceu os dois carros e saiu pela porta dos fundos.” Os carros pararam, “alguns homens saíram” e, quando Erfer deu um passo à frente, “um deles viu seu revólver, e você nunca veria pessoas voltarem para um automóvel tão rápido na vida.” Depois que Scheid Sr. desertou, ele colocou luzes de segurança ao redor de sua loja de encanamento. “Ele tinha armas em sua cama”, seu filho lembrou. Em uma entrevista de 2000 para o Lima News, Scheid Jr. lembrou que “meu pai não jantava a menos que tivesse uma arma carregada ao lado dele. Ele carregava uma arma onde quer que fosse. Lembro-me dele parando na calçada e pegando sua arma quando um carro diminuía a velocidade ou parava.”

Como esses relatos ilustram, a Legião Negra em Lima era repleta de armamentos e de uma cultura armamentista. Cada homem naqueles duzentos ritos fortes de iniciação estava presumivelmente armado. Os iniciados eram explicitamente questionados se possuíam alguma arma de fogo. “Se eles não possuem um revólver, espingarda ou rifle, são ordenados a obter um revólver e são instruídos a carregá-lo o tempo todo”, relatou JF Cordrey, o inspetor postal, em fevereiro de 1935. Um informante mostrou a um agente do FBI uma pistola automática Colt .45 que ele disse que a Legião havia “tomado… em um ataque contra alguns católicos em outro condado. Em agosto de 1935, um oficial em Lima relatou ao FBI que “por volta de 1º de setembro de 1934”, várias armas de fogo foram roubadas de uma vitrine na Allen County Historical Society em Lima. Elas incluíam duas Lugers alemãs, uma pistola alemã para atiradores de elite, três pistolas e revólveres de fabricação americana e sessenta e cinco cartuchos de munição para uma .45. “É meu entendimento que alguns membros da Legião Negra planejaram obter este equipamento”, relatou o oficial. “Acredito que será descoberto que um tal de Chas. Hartzog roubou este equipamento, pois este homem, que é conhecido por ser um membro da Legião Negra, trabalha no Memorial Hall.”

Aparentemente, havia muitas armas mais poderosas. De acordo com Scheid Jr, “um paiol de munição” estava escondido nas profundezas da floresta na fazenda de Tapscott, onde as iniciações aconteciam, contendo “explosivos, cargas de explosivos de alta potência… cheios de dinamite e TNT”. Ele lembrou que seu pai era “um bom manuseador de armamento… colecionava armas e munições”. Um informante disse ao FBI que “ele tinha ouvido Effinger e outros discutindo sobre o filho do DCW Leech… que supostamente possuía uma submetralhadora Thompson, e eles estavam planejando se passar por agentes federais, intimá-lo e confiscar a arma para a Legião”.

É seguro assumir que a coleção de armas do próprio Effinger deve ter sido formidável. Ele defendia de forma vigorosa o direito de portar armas. Em agosto de 1935, ele foi acusado de ter trazido seis granadas de mão para uma reunião da Legião Negra em Detroit. De acordo com um informante do FBI, Effinger possuía “um grande mapa amarelo em sua casa que ele mantinha nas vigas do porão”, onde mostrava, Effinger disse ao informante, “a localização de todas as fortalezas secretas do país”. Effinger afirmou que “sob a Estátua da Liberdade estavam escondidas várias armas pesadas de defesa costeira do tipo que desaparece”. Em 1936, um homem que disse ter sido membro da Legião Negra em Lima testemunhou a um promotor de Detroit que, ao visitar Effinger em sua casa, “ele me mostrou um mecanismo quadrado com um tubo de metal e que alegou ter sido inventado por [trabalhadores] na fábrica de gás venenoso do governo dos Estados Unidos em Firewood, Maryland”. Effinger disse que o dispositivo tinha um temporizador que poderia permitir que ele disparasse em “um certo momento, como em uma celebração nacional judaica”. Seria melhor fazê-lo no inverno, Effinger apontou, “quando as janelas dessas sinagogas judaicas estariam todas fechadas para que o gás não pudesse escapar, e você pode ver facilmente que podemos muito bem exterminar os judeus com um clique. Precisará apenas de algumas centenas de homens membros… e alguns desses mecanismos para fazer isso”. Effinger então mostrou a ele uma lista de sinagogas nos Estados Unidos. Armas de fogo e outros tipos de armamento estavam por toda parte, cada vez mais visíveis, incluindo aquelas dispostas ao lado de crianças nas mesas de jantar, como a dos Scheid.

Doze milhas a leste de Lima ficava o enorme Pântano Scioto, onde mil trabalhadores colhiam cebolas em condições horríveis. No final de junho de 1934, liderados por um colhedor de trinta e oito anos chamado Okey Odell, setecentos deles entraram em greve. Em julho, conforme a greve aumentava, cinquenta e três oficiais subordinados ao xerife, controlados pelos produtores, usaram metralhadoras e gás lacrimogêneo na linha de piquete; os grevistas atiraram pedras, supostamente esfaquearam alguém e espalharam pregos de telhado na rodovia, furando os pneus dos oficiais. Uma noite, no início de julho, “um grande grupo de homens, viajando em automóveis”, apareceu às 2 da manhã na casa de Elijah O’Dell, irmão de Okey, e anunciou que pertenciam à Legião Negra. Eles disseram que tinham gasolina, nitroglicerina e dinamite em seus carros. “Mostre-nos onde eles moram”, os homens disseram, “e nós cuidaremos deles” — referindo-se aos grandes produtores. Sua “caravana misteriosa” então seguiu para a casa de WC Weis, o vice-presidente do sindicato, tirou-o da cama e declarou: “Nós somos o pelotão de fuzilamento e vamos assumir a greve.” Em uma reunião sindical no dia seguinte, Okey O’Dell, o líder sindical, declarou: “Não precisamos dessas pessoas aqui. . . Não queremos nenhuma violência. Não podemos impedi-los de vir aqui, mas não temos funções para eles.”

Armas, no entanto, geraram mais armas. Na cidade vizinha de McGuffey, um incêndio iniciado por nitroglicerina queimou a casa do prefeito, que estava apoiando os cultivadores. Quando a polícia, sem evidências, prendeu Okey O’dell, duzentos justiceiros o retiraram da prisão, o levaram para fora da cidade, o espancaram e o jogaram ao lado de uma estrada, enquanto centenas de outros justiceiros armados tomaram conta da cidade. O’dell pegou carona de volta e marchou com seu irmão pelo centro da cidade, desarmado, desafiando a multidão a matá-lo. Mais tarde, uma enorme multidão armada invadiu sua casa, que “foi transformada em uma mini fortaleza por amigos que pareciam prontos para apoiar O’Dell em sua ameaça de ‘matar o primeiro homem que tentasse me pegar’”. Uma foto no Marion, Ohio, Star mostrou quatro mulheres brancas de diferentes idades usando vestidos transparentes de verão, descritas como parte da equipe de “defesa” de O’Dell, enfileiradas em um sofá, cada uma segurando uma arma apontada severamente para a câmera.

Em Lima, e em seu interior, a Legião Negra prosperou na cultura armamentista e a alimentou ainda mais. Para cada arma que de fato disparou, cada bar de estrada que foi de fato incendiado, a ameaça de mais violência ampliou o poder e a capacidade da Legião de aterrorizar. Em 1935, a Legião Negra estava armada e perigosa e municiada com ideias temerárias, com um fanático instável no comando e milhares de homens sob suas ordens, em uma formação paramilitar.

Sobre os autores

é professora de história na Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Ela é autora de vários livros, mais recentemente "What Can We Learn from the Great Depression? Stories of Ordinary People & Collective Action in Hard Times".

Cierre

Arquivado como

Published in América do Norte, Análise, Extrema-direita and História

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