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Kwame Nkrumah em uma seção eleitoral em 1956, um ano antes de Gana conquistar a independência. (Central Press / Getty Images).

A África pós-independência tinha sonhos de liberdade, mas o neoliberalismo só ofereceu mais subordinação

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Tradução
Isabela Gesser

Os governos africanos dos primeiros anos pós-coloniais projetaram uma visão para irem além do neocolonialismo e da subordinação ao Norte Global. Mas os conselhos liberais do Banco Mundial e do FMI aprofundaram a subjugação do continente – e disfarçou a receita econômica como não ideológica.

Em 1965, o líder político africano, um dos fundadores do Pan-Africanismo, Kwame Nkrumah, descreveu o paradoxo do neocolonialismo na África, em que “o enriquecimento do solo era, predominantemente, não para o povo africano, mas para grupos e indivíduos que concretizavam o empobrecimento do continente”. Ele capta características essenciais que seguem sendo parte das políticas econômicas da África.  

Reforçado por meio do neoliberalismo no período contemporâneo, muitos Estados da África permanecem dependentes da exportação de mercadorias primárias que enriquecem os países do hemisfério norte, cuja política doméstica se contrasta pela desigualdade de seus regimes de auxílio, comércio e investimento, e o que agora é, após quase quatro décadas de ajuste estrutural, um Estado de austeridade quase permanente. Apesar dessas falhas evidentes, o neoliberalismo continua dominando o continente, impulsionado por violentos ataques ideológicos e imposições do regime político do hemisfério norte que vem suprimindo quaisquer espaços para se pensar ou construir alternativas.   

Imediatamente no período pós-independência, os governos africanos desafiaram a exploração neocolonial sobre o continente. Independente de seus posicionamentos ideológicos, eles viram qual a tarefa central de seu tempo, como garantir o rompimento de suas agências político-econômicas com seus subordinados da ordem econômica global e imaginando um novo modelo.

Em contraste com a exteriorização contemporânea de elaboração de políticas, eles corresponderam de forma criativa aos interesses materiais da maioria das pessoas. O Estado patrocinou e estabeleceu industrias; providenciou a educação universal para fomentar habilidades necessárias para a transformação da economia; construiu infraestruturas sociais para facilitar o trabalho reprodutivo; desvinculou das moedas coloniais; disponibilizou recursos tanto para fins domésticos, quanto para mulheres por meio das políticas do Banco Central desenvolvimentista; trabalharam para diversificar os recursos de receita; e construíram uma solidariedade regional.  

O projeto de pós-independência foi podado e sabotado através dos esforços ativos dos governos do Norte, incluindo seus ex-colonizadores. Eles desmantelaram os governos africanos através de golpes e assassinatos, além de oportunisticamente se apropriaram da quebra das commodities em 1980, que devastou as economias africanas. Essas condições levaram a aceitar os projetos de liberalização, austeridade e privatização impostas pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Após quatro décadas, a dominação ideológica do neoliberalismo se aprofunda. Espaços em que o pensamento progressista tem se fragmentado e a produção do conhecimento vem sendo monopolizada pela lógica do livre-mercado. As más-leituras tendenciosas definem o período pós-independências colocando-o como ideológico, estadista e de pouca abundância, construindo um senso que pode ser resumido com o pronunciamento Thatcherista de que “não existe alternativa.”

Resgatando as políticas de pós-independência

Três más-leituras generalizadas sobre o período de pós-independência foram apropriadas para o desmonte dos programas de ajuste estrutural na década de 80, e para a sustentação dos programas hegemônicos neoliberais na África. 

Primeiro, o BM/FMI e os governos do Norte colocaram os líderes da pós-independência como excessivamente ideológicos, de modo a descredibilizar a experiência por completo. Na realidade, enquanto havia motivação ideológica, a quantidade de políticas aderidas pelos governos africanos para consolidar a soberania econômica eram similares perante o espectro. O Kenya, de orientação capitalista; a Zambia, como socialista-humanista; a Gana, com o socialismo científico; o Senegal, reivindicando a negritude, e a Houphouet-Boigny’s Côte d’voire (posteriormente, Costa do Marfim), assumiram o papel central na construção de um Estado socioeconômico transformador no pós-colonialismo, frequentemente conduzido pelo ethos da coletividade, que vão de encontro com as necessidades da sociedade perante a ausência de quaisquer classe capitalista privada local que fosse significante, e os níveis necessários de desenvolvimento para a transformação.

Isso muitas vezes revelava a criação de empresas estatais e pesados ​​investimentos em capital humano; políticas fiscais e monetárias intervencionistas; e um uniforme (se não, inconsistente) compromisso com a industrialização por substituição de importações (construção de indústrias domésticas em vez de depender de importações). A falsa homogenização do projeto desenvolvimentista pós-independência como uma falha ideológica permite que o neoliberalismo se posicione como um “objetivo” e um recurso racional para esse período ao invés de uma ideologia por si só, passível de constastação.

Segundo, o papel forte do Estado no desenvolvimento político pós-independência tem se tornado o culpado pela falta de progressos da África e usado para justificar a implementação do mercado como solução, estabelecendo as bases para a privatização e desregulação em larga-escala.  Na realidade, todas as economias pós-independência foram amplamente orientadas pelo mercado com a dominância de setores-chave a partir do capital externo que auxilia a continuidade do modelo colonial.

Os governos pós-independência, no entanto, delimitaram a regulação do capital estrangeiro através de, por exemplo, nacionalização estratégica das industrias e o controle de capital. Por fim, o fracasso em reduzir o domínio do capital estrangeiro, a dependência contínua das exportações de mercadorias primárias e as implicações do sistema econômico global trabalharam para minar o projeto de desenvolvimento pós-independência. Essa realidade foi se tornando obscurecida pela intervenção do Estado como bode expiatório, justificando posteriormente o encorajamento de capital estrangeiro e contínua integração perante uma ordem econômica global de desigualdade.   

Thandika Mkandawire e Charles Soludo destacaram a hipocrisia dessa narrativa ao constatar que o projeto de pós-independência não era a orientação política dominante nos outros países mundo afora. Após a depressão, a Europa se reconstrui através de uma intervenção massiva orientada pelo Estado, e pelo Plano Marshall, liderado pelos EUA, passou longe de ser um exercício de orientação de mercado. Conforme observa Ha-Joon Chang, a deslegitimização do Estado como atuante no desenvolvimento da África negou ao continente os próprios instrumentos de política usados ​​pelo Norte para se desenvolver.

E assim, o mito das instituições fracas e ineficientes no período de pós-independência sustentou os esforços para desmantelar o Estado e seu papel na provisão socioeconômica. Isso distorce qual foi o período político unicamente consistente no continente, em que houve políticas de tarifa estável e taxação, além de planos de desenvolvimento público e orçamento. 

Mkandawire e Soludo sugerem que os atores neoliberais como o BM e o FMI simplesmente sabotaram as instituições no período de pós-independência: os correios rurais também eram bancos de poupança e locais de encontro para a comunidade, a Junta do Cacau de Gana também arrecadou dinheiro para financiar a educação. Como tal, quando foram desmanteladas e substituídas por instituições padronizadas e de monotarefas durante o ajuste estrutural e ferindo a sociedade, que era parte integrante da agenda pós-independência.

Por exemplo, após a corrida-estatal a Junta do Cacau de Gana se desmantelou, universidades foram forçadas a recorrer aos fundos privados, e esses doadores com o tempo reformularam e despolitizaram o currículo. A sensação resultante de deslocamento, alienação e mercantilização minou os profundos esforços dos governos pós-independência para promover a inclusão socioeconômica.

O período de pós-independência teve uma série de limitações, criticamente relacionadas à falha de como abordar adequadamente desequilíbrios desse gênero, impedindo trabalhadores independentes e movimentos camponeses, ou na construção sistemas fortes descentralizados do governo local. De toda forma, quando comparado à era neoliberal, havia uma clareza inspiradora ao redor do objetivo de transformação estrutural e uma riqueza de esforços de políticas destinadas a transformar os padrões neocoloniais que ainda dominam o continente. 

As  perguntas feitas pelos governos na pós-independência, em que as políticas eram as respostas formuladas, foram ignoradas pelo neoliberalismo. Portanto, é importante para os africanos irem além das narrativas persistentes que servem para impulsionar o neoliberalismo e reafirmar as experiências da África neste período como uma âncora para alternativas de desenvolvimento.


Republicado de Africa Is a Country.

Esse artigo surgiu do projeto Post-Colonialisms Today, que busca resgatar o pensamento progressista e políticas do início da África pós-independência até os dias de hoje.

Sobre os autores

é diretor para a África e Ásia Ocidental no International IDEA e no comitê consultivo para o Post-Colonialisms Today.

trabalha na Third World Network-Africa e no Post-Colonialisms Today Working Group.

é coordenador da Regions Refocus e parte da secretaria do Post-Colonialisms Today.

é diretora do Regions Refocus e parte da secretaria do Post-Colonialisms Today.

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Published in Análise, Economia, Imperialismo and Sociologia

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