Em seu artigo de 1901, Por onde começar, Lênin comparou o jornal diário aos andaimes em torno de um prédio em construção. “[O jornal] marca”, escreveu ele, “os contornos da estrutura e facilita a comunicação entre os trabalhadores, permitindo-lhes distribuir tarefas e ver os resultados comuns do trabalho organizado.”
Durante grande parte da pandemia, passei meu tempo no décimo primeiro andar de um plattenbau (edifício pré-fabricado de concreto) no leste de Berlim que flanqueia a rua Karl-Liebknecht e a rua Rosa-Luxemburgo, olhando a praça Alexanderplatz e a torre de TV. Ao lado do bloco de apartamentos fica o antigo Press Café da Alemanha Oriental, atualmente cercado de andaimes e toldos que obscurecem a vista do edifício.
Na ocasião em que um vento particularmente forte sopra numa das muitas avenidas largas ao redor da área, parte do toldo desliza para baixo, revelando um flash vermelho sob a proteção. Esta cor em uma paisagem incansavelmente cinza vem de um mural de Willi Neubert intitulado “A Imprensa como Organizadora” [Die Presse als Organisator], que cobre três lados do antigo café, retratando uma imprensa que não podemos mais ver.
O Press Café foi inaugurado em 1973 junto com o berlinense Verlag, ou edifício “Press House”, que fez parte da revitalização de Alexanderplatz. Na época, o edifício abrigava algumas das mais proeminentes publicações impressas da Alemanha Oriental, como o Berliner Zeitung, o tabloide BZ am Abend (que em 1990 se tornou o Berliner Kurier), a revista feminina Fur Dich e o semanário ilustrado Freie Welt. Ao pé deste edifício de 17 andares, com sua dramática torre de escadas e placas giratórias, fica o café que era um ponto de encontro popular para jornalistas que vinham ver publicações do mundo inteiro, em uma época na qual o acesso a elas era restrito.
A Imprensa como Organizadora de Neubert pode ser colocada ao lado de murais como Nossa Vida [Our Life] de Walter Womacka na Casa dos Professores [House of the Teachers] do outro lado da praça, ou Da Vida dos Povos da União Soviética [From the Life of the Peoples of the Soviet Union], de Bert Heller, em frente ao Café Moscou, nas proximidades de Karl-Marx Allee. Todos desempenham uma função ilustrativa e utópica, descrevendo o propósito do edifício (publicação, ensino, viagens) e construindo uma visão socialista desses aspectos da sociedade.
Em 1991, o mural do Press Café foi coberto por uma placa de uma churrascaria argentina chamada Escados. Refletindo a ambivalência da cidade de Berlim para lidar com o patrimônio cultural do período da Alemanha Oriental. O mural não foi destruído, como foi o caso do Palácio da República do outro lado da Karl-Liebknecht Strasse; em vez disso, foi escondido por um revestimento plástico.
Quando o prédio foi tombado em 2015, o relatório do Escritório de Monumentos comentou sobre a “apresentação dinâmica” da obra, que dá ao pavilhão funcional um tom expressivo e emocionante, criando um ponto focal para a nova Alexanderplatz. O relatório prossegue, porém, condenando-o por ilustrar o conceito de unidade entre a imprensa e o Estado. Mas, nos últimos dois anos, a imobiliária estadunidense Tishman Speyer tem restaurado o prédio, trazendo de volta muitas de suas características originais, desde as letras na lateral até o próprio mural – que será revelado pela primeira vez em 30 anos na primavera de 2021.
Além de relatórios oficiais e noções de patrimônio público, o mural mostra algo muito mais complexo e urgente. Esta é uma imagem de uma imprensa socialista, não apenas como propaganda coletiva ou agitadora, mas, como o título sugere, uma força organizadora. Grandes mãos seguram uma variedade de papéis nos quais nomes e títulos podem ser vistos: die Rote (Fahne, o Bandeira Vermelha, jornal comunista pré-Hitler), Rosa (Luxemburgo) e takus (Spartakusbund, a revolucionária Liga Spartakus formada durante a Primeira Guerra Mundial), para citar alguns. Também mostra repórteres, vendedores ambulantes e o aspecto técnico da impressão, atrás do qual um Marx com o rosto vermelho observa (sua representação foi criticada na época pelo tom rosado).
Há uma urgência no mural – nele, as pessoas são impulsionadas por linhas de cores ousadas, da produção para a ação. As mãos lembram a famosa imagem de John Heartfield que apareceu na capa do Die Rote Fahne no dia das eleições de 1928, na qual a mão dos trabalhadores se agarra ao leitor, conduzindo-os à resistência antifascista. As legendas dizem: “Sua mão tem cinco dedos, com cinco (dedos) você agarra seu inimigo! Vote no Partido Comunista!”
Entre os muitos murais e peças de arte pública que Neubert criou ao longo de sua carreira está um mural de esmalte em Halle (Saale) chamado A Imprensa como Organizadora Coletiva [The Press as Collective Organizer], de 1964, ao lado dos escritórios do Die Freiheit (A Liberdade), o jornal do Partido Socialista Unificado na Alemanha Oriental. Só consegui encontrar uma imagem desta peça, pois foi destruída pouco depois da reunificação – mas mostra uma visão muito diferente da função da imprensa.
Em sua esclarecedora tese “Artes visuais no ambiente urbano na República Democrática Alemã” [Visual arts in the urban environment in the German Democratic Republic], Jessica Jenkin identifica este mural como sendo a primeira vez em que Neubert usou um efeito “plakativ” ou “tipo pôster” em suas obras públicas; uma abordagem na qual usou a composição de montagem e a suspensão de escala e perspectiva. Neste mural, as composições da sociedade envolvem uma figura central de expressão indecifrável, segurando o Die Freiheit com a assinatura “Paz e Socialismo”, olhando para uma sociedade de harmonia e indústria ativa. Em comparação com o mural do Press Café, uma expressiva cacofonia de linhas e movimento, a obra de Halle revela uma distinção clara e autoritária entre a imprensa oficial e o povo.
No começo de Rua de mão única, de Walter Benjamin (publicado no mesmo ano da capa do Rote Fahne de Heartfield), ele escreve que a eficácia literária só pode ocorrer por meio da estrita alternância entre escrita e ação, e que formas discretas, como folhetos, jornais e cartazes fazem isso melhor do que o “gesto universal pretensioso do livro”. O mural do Press Café de Neubert reflete essa ideia, em vez da unidade burocrática entre a imprensa e o Estado. Mostra coisas efêmeras dissidentes em muitas formas, produzidas de forma rápida e barata, lidas e transmitidas com urgência.
O material impresso no mural refere-se ao período da Revolução Alemã e da República de Weimar, não à imprensa oficial da Alemanha Ocidental que ficava no edifício Berliner Verlag quando o mural foi criado, em 1973. No período entre guerras, a cultura impressa em massa inundou Berlim em uma escala nunca vista por nenhuma outra cidade na Alemanha – havia cerca de 125 jornais na cidade em 1925, apesar da frequente escassez de papel e da desvalorização da moeda.
O mais proeminente no mural é Die Rote Fahne, que foi fundado por Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht e outros da Liga Spartakus, em 1918, e se tornou o jornal central do Partido Comunista da Alemanha. A publicação, inicialmente esporádica, desempenhou um papel fundamental na Revolução Alemã de 1918-1919. Mais tarde, tornou-se notoriamente rígida no tom e cada vez mais dirigida aos funcionários do partido. Em 1924, o KPD fez uma pesquisa com seus leitores, intitulada “O que há de errado com o Die Fahne Rote?”, e uma pessoa respondeu que “o Rote Fahne não está escrevendo para, mas sobre os trabalhadores” e “a escrita é um lixo!”
Mais tarde, em 1922, o partido criou um tabloide, Die Welt am Abend, para fugir do sectarismo e do jargão do jornal do partido; isso foi levantado por Willi Münzenberg alguns anos depois e transformado no mais popular jornal comunista. Em 1929, a publicação teve uma distribuição de 229.000 exemplares, ultrapassando não somente a circulação de 37.000 do Rote Fahne, mas também a da maioria dos jornais do período.
O mural explora esse sentimento de engajamento popular na cultura comunista impressa daqueles anos. No mural, as letras visíveis nas bordas das folhas do jornal remetem às publicações comunistas populares como Arbeiter Illustrierte Zeitung (AIZ) de Münzenberg, que, apesar de sua relação com a União Soviética, não era de maneira alguma um órgão do partido. O jornal tinha uma abordagem que não hesitava em relatar todos os aspectos das vidas dos trabalhadores, mas também trazia a seus leitores trabalhos do avant-garde, como as poderosas fotomontagens do dadaísta e antinazista John Heartfield. O AIZ circulou muito em pouco tempo: em 1933, cerca de 500.000 cópias eram vendidas semanalmente.
Todas estas descrições vêm dos fragmentos de informação e das fotografias antigas do Press Café – o mural restaurado que ainda não foi revelado. A última foto que encontrei foi feita imediatamente antes do mural ser coberto. É dos protestos pela reforma da Alemanha Oriental, em 1989, e mostra um grupo de manifestantes do lado de fora do café com uma bandeira que diz: “Não à nova linguagem, sim a uma nova culinária – livre-se do ensopado sem graça da mídia”. Isso faz um contraste impressionante com a imagem mais recente do café, uma representação arquitetônica branda do novo complexo no qual o mural se torna uma mera textura em uma fachada esbranquiçada.
Com sua reinauguração se aproximando, nos resta esperar que a imagem da imprensa como organizadora atravesse as tentativas de transformar cada vez mais a área de Alexanderplatz em um espaço capitalista, e que esta imagem do passado possa servir como um espaço crítico no presente.
Sobre os autores
trabalha no arquivo do Mayday Rooms em Londres e às vezes mora em Berlim.