O Brasil chegará nos próximos dias à trágica marca de 500 mil vidas perdidas na pandemia. E isso sem considerar os casos não notificados, além das vítimas da fome e do desemprego. Impossível não lembrar de entrevistas do presidente da República afirmando que a pandemia causaria menos de 800 mortes, e suas inúmeras declarações irresponsáveis sobre o que chamava de “griprezinha”.
Hoje somos o país onde mais se morre por Covid-19 no mundo. Essa realidade catastrófica não era inevitável: é o resultado macabro de uma explosiva mistura de negacionismo, incompetência e crueldade. Ao rejeitar dezenas de ofertas de vacina; ao combater as políticas de distanciamento social; ao fazer de Manaus uma criminosa experiência para a tal “imunização de rebanho”; ao promover um ajuste fiscal em meio à pandemia, privando os mais pobres de condições mínimas de sobrevivência com o corte do Auxílio Emergencial; em suma, ao ser um aliado objetivo do vírus e da morte, Bolsonaro fez do Brasil uma vitrine mundial de como um governo não deve agir.
Frente a um país sufocado e empobrecido, a família Bolsonaro prioriza sua própria sobrevivência política. Vendo sua aprovação despencar, o presidente recorre às armas de sempre: ameaças golpistas, teorias conspiratórias, fake news e ataques à oposição.
Depois do dia 29 de maio, quando os movimentos sociais voltaram às ruas com força em todo o país, Bolsonaro convocou seus seguidores para manifestações sobre duas rodas no Rio de Janeiro e São Paulo, mobilizou sua base para questionar a confiança do sistema eleitoral e voltou à narrativa negacionista – atacando o uso de máscaras e difundido mentiras em torno de um suposto relatório do TCU sobre mortes por Covid-19.
Como interpretar esse cenário? Há quem acredite que, contrariando todos os sinais, Bolsonaro não está enfraquecido. Na verdade, ele só estaria preparando o terreno para um golpe, em caso de derrota nas eleições de 2022, ou para um fechamento do regime político, em caso de vitória. A saída seria focar na construção, desde já, de uma frente “amplíssima” para as eleições de 2022. De acordo com essa perspectiva, todos os sinais de isolamento de Bolsonaro serviriam apenas para nos iludir. A tônica aqui é a cautela: nada deveria ser feito para despertar a ira do tirano agora, cabe a nós esperar pacientemente para dar uma saída eleitoral à crise.
Acelerando o fim do pesadelo bolsonarista
Por outro lado, há quem leve a sério os diversos sinais de enfraquecimento do presidente. Não bastasse a demissão conjunta dos comandantes das Forças Armadas – um evidente sinal de perda de autoridade junto aos militares –, as pesquisas de opinião mostram um governo, se não nas cordas, no mínimo se encaminhando para um relativo isolamento. A CPI da COVID acendeu os alertas no governo e a retomada dos direitos políticos de Lula parece ter deixado o clã Bolsonaro em surto. Seu enfraquecimento não é mera ilusão de ótica, e nos oferece uma oportunidade real. É hora de pisar no acelerador – não no freio.
A mobilização de motociclistas convocada por Bolsonaro em São Paulo foi um vexame nacional. Enquanto os organizadores esperavam centenas de milhares de apoiadores, o evento – com a presença do próprio Bolsonaro – reuniu entre 7 e 12 mil pessoas. Que presidente está fortalecido, como analisam alguns, se não consegue demonstrar força publicamente?
As mobilizações do último dia 29 de maio introduziram finalmente um elemento que estava até então ausente na guerra que travamos contra a extrema direita: o povo na rua. O que bloqueia o impeachment de Bolsonaro é sua aliança com os partidos do chamado “Centrão”. Essa aliança só pode ser rompida pelo crescente isolamento político do governo. O papel dos movimentos de rua é fundamental para essa pressão. Esperar até as eleições de 2022 é não ter empatia com os milhões que sofrem hoje sob o governo da morte.
Os protestos convocados para o próximo dia 19 de junho são decisivos. Caso sejam menos representativos do que aqueles realizados no mês passado, a tendência é persistir uma situação de “empate catastrófico” até as eleições de 2022 – ao custo de sabe-se lá quantas vidas a mais sacrificadas, e muito sofrimento para o povo trabalhador. No entanto, se as manifestações apontarem para um crescente na mobilização popular, podemos ter esperança de derrubar Bolsonaro nos próximos meses, e impor uma derrota desmoralizante à extrema direita. Abre-se assim o caminho para um processo de redemocratização radical do país.
A responsabilidade dos setores populares e democráticos é de organizar a digna raiva difusa na classe trabalhadora e aumentar a confiança do povo de que é possível pôr fim ao pesadelo bolsonarista, a fim de abrir um novo capítulo na história do país. Nesse sentido, o dia 19 de junho é crucial. Precisamos mostrar que não estamos dispostos a esperar um ano e meio para depositar toda nossa indignação nas urnas. O Brasil precisa de nós hoje. A hora é agora.
Sobre os autores
é doutor em Ciência Política e presidente nacional do PSOL.