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Um estudante atira uma granada contra a polícia na rua principal de Sasebo, Japão, em 30 de janeiro de 1968. (Keystone-France / Gamma-Rapho via Getty Images)

Movimento estudantil japonês e as políticas revolucionárias de 1968

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Tradução
Olivia Kari

Historiadores frequentemente negligenciam o movimento de protesto da Nova Esquerda do Japão no final dos anos 60, apesar de ter sido um dos maiores no mundo. Ativistas estudantis radicais fizeram parar o sistema universitário - e mudaram o futuro da política japonesa para sempre.

As abordagens que analisam os movimentos de protesto de 1968 omitem frequentemente a experiência do Japão. A Nova Esquerda japonesa e os protestos estudantis deste ano estavam entre os maiores e mais influentes entre qualquer país. Um olhar mais atento ao 1968 japonês põe em xeque qualquer noção superficial do Japão como um país basicamente conservador e abre uma porta para a história mais ampla do marxismo e da política de esquerda no país desde 1945.

Hiroshi Nagasaki foi uma liderança teórica, participante no movimento de 1968 e permanece até hoje como um grande pensador político de esquerda no Japão. Ele escreve aqui sobre as origens e desenvolvimento desse movimento e o seu legado para a política e cultura no país. Este é um trecho do ensaio “On the Japanese ‘68” [No 68 japonês] de Nagasaki, do livro The Red Years: Theory, Politics, and Aesthetics in the Japanese ’68 [Os anos vermelhos: teoria, política e estética no 68 japonês], editado por Gavin Walker e agora disponível pela Verso Books.


O momento de 1968 no Japão é representado sobretudo pelo movimento estudantil Zenkyōtō, a “All-Campus Joint Struggle League” [Liga de luta unificada dos campus]. O movimento começou na Universidade de Tóquio e na Universidade do Nihon, e se expandiu rapidamente para as outras grandes universidades durante os três anos seguintes.

Em todo o país, 127 universidades – 24% do sistema universitário nacional de quatro anos – sofreram greves ou ocupações em 1968. Em 1969, este número subiu para 153 universidades, ou 41%. Houve também o movimento Zenkyōtō nas escolas secundárias japonesas.

Devemos entender claramente que houve uma história anterior ao movimento de 1968 Zenkyōtō. Houveram, por exemplo, movimentos de estudantes em 1965 na Universidade de Keio e em 1966 na Universidade de Waseda contra o aumento das tarifas escolares. Além disso, na segunda metade da década de 1960, houve uma intensificação da guerra americana contra o Vietnã e consequentemente os movimentos de resistência à guerra acabaram sendo também precursores do desenvolvimento do Zenkyōtō.

A partir de 1968, além do movimento nas universidades, existiram as lutas paralelas anti-guerra nas ruas, organizadas pelos partidos políticos (ou segmentos) da Nova Esquerda. As lutas nas ruas assistiram à participação não só dos estudantes, mas também dos trabalhadores. No entanto, os sindicatos e os principais partidos não organizaram esta participação dos trabalhadores, pelo contrário, ela foi canalizada através do Comitê Juvenil Anti-Guerra, uma organização de jovens trabalhadores que partilhavam de características fundamentais com o Zenkyōtō.

Construindo o movimento

Ativistas estudantis formaram o Comitê Conjunto de Luta Unificada dos Estudantes da Universidade de Tóquio – o Tōdai Zenkyōtō – em 5 de julho de 1968. A união de luta de todos os estudantes de graduação (Zentōren) e o comitê conjunto de assistentes universitários também foram incluídos no Tōdai Zenkyōtō de forma generalizada.

Os conselhos estudantis oficialmente reconhecidos existiram em todos os dez departamentos da universidade, mas estes cargos foram em grande parte ocupados pela ala juvenil do Partido Comunista Japonês (JCP), a Liga da Juventude Democrática do Japão, conhecida coloquialmente como Minsei. Independentemente destes conselhos, o Zenkyōtō se formou como um mecanismo de escala universitária composto pelos comitês de luta de cada departamento.

Até este ponto, a mobilização no movimento estudantil significava se conformar com as regras do conselho estudantil e constituir uma clara maioria dentro dele. O Zenkyōtō, entretanto, foi formado de forma voluntária – ou através da democracia direta, por assim dizer – como uma organização extralegal que operava fora das regras e sem reconhecimento pela administração universitária, se opondo conscientemente ao tipo existente de conformismo.

O Zenkyōtō não tinha regras que governassem nem os seus membros nem as suas lideranças. Partidos políticos participaram do movimento, juntamente com uma multidão de pequenos grupos apartidários, que juntos no Zenkyōtō lutavam sob a bandeira específica de cada universidade.

Desde o momento da sua formação, o Zenkyōtō espalhou-se por todo o Japão, algo que nunca tinha sido visto antes no movimento estudantil japonês do pós-guerra, marcando o caráter específico de 1968. No entanto, ao mesmo tempo, o Zenkyōtō como organização se sobrecarregou desde o início com dificuldades políticas específicas à prática da democracia direta, dificuldades que surgiriam mais tarde à medida que o movimento se desenvolvia.

Desde o momento da sua formação, o Zenkyōtō espalhou-se por todo o Japão, algo que nunca tinha sido visto antes no movimento estudantil japonês do pós-guerra.

A Tōdai Zenkyōtō colocou sete exigências à administração universitária, começando com a exigência de “retração total das punições injustas no Departamento de Medicina”, terminando com um apelo para que as seis exigências anteriores fossem “comprometidas por escrito numa negociação pública” e para que os “responsáveis” se demitisse.

O termo “negociação pública” indica aqui uma forma de negociação derivada originalmente da oposição entre os sindicatos e a direção. O Zenkyōtō, não reconhecido como entidade oficial, apenas aceitaria exigências apresentadas através de trocas diretas – de negociação pública ou em massa – com a administração.

Rumo à insurreição

Dada a história dos movimentos estudantis japoneses, essa luta veio a ser referida posteriormente como uma “luta específica estudantil”, em contraste com uma luta política a nível nacional. Como tal, deveria ser resolvida de forma independente pela própria universidade. O movimento exigia o pagamento de tarifas escolares, o currículo e a autogestão estudantil – que o Minsei do JCP se referia como “democratização das escolas”. A última forma de luta estudantil, no entanto, veio a ser o boicote às aulas – a greve.

Embora o movimento Zenkyōtō tivesse começado fora do quadro institucional da democracia, a tomada de decisões pela maioria em assembleia estudantil, oficialmente reconhecida, apoiou ou rejeitou suas tarefas e táticas. O movimento Zenkyōtō passou rapidamente de exigir direitos por meio das formas jurídicas democráticas para uma fase que eu chamo de insurreição estudantil ou “rebelião”, que rompeu com os limites das lutas individuais.

Em junho de 1968, o comitê Zenkyōtō ocupou a torre do relógio, símbolo central do campus de Hongo de Tōdai, e manteve a ocupação até janeiro do ano seguinte, após a incursão da polícia antimotim. Em 11 de junho, o Zenkyōtō da Universidade do Nihon iniciou o seu bloqueio dos edifícios universitários utilizando barricadas.

Esta era uma forma de luta nunca antes vista no movimento estudantil japonês. Os bloqueios e as ocupações foram ações independentes, levadas a cabo sem a aprovação dos conselhos ou assembleias oficiais de estudantes. Tipicamente, os radicais que bloqueavam edifícios administrativos com barricadas acabavam por ser derrotados e isolados, não só devido à intervenção da polícia de choque, mas também porque eram cercados pelos estudantes “corretos”.

Minsei, a liga juvenil da JCP, contou com esse sendo o caso. Contudo, ao contrário de tais expectativas, as resoluções oficiais das assembleias de estudantes para uma greve indefinida se espalharam por todas as universidades. Além do mais, a abertura da greve indefinida no dia 3 de julho pelo Colégio de Educação Geral no campus de Komaba, que representava mais da metade do total do corpo estudantil, deu um tremendo impulso a todo o movimento.

Em junho de 1968, o comitê Zenkyōtō ocupou a torre do relógio, símbolo central do campus de Hongo da Tōdai, e manteve a ocupação até janeiro do ano seguinte, após a incursão da polícia de choque.

Em Komaba, com o seu grande número de estudantes, a assembleia dos estudantes era composta por representantes, mas a resolução de greve foi tomada através de uma votação em toda a universidade, com a participação de quase 70 por cento do corpo estudantil. A greve persistiu por tempo indeterminado até o ano seguinte. Com a participação do Departamento de Direito a partir de 12 de outubro, todos os dez departamentos principais tinham aderido à greve. Foi o comitê Tōdai Zenkyōtō que a assumiu indeterminadamente em cada departamento com as ocupações escolares mais amplas.

A Luta Anpō

Não podemos compreender o 68 japonês sem uma compreensão adequada do movimento contra a renovação do Tratado de Segurança Conjunta EUA-Japão em 1960, conhecido por Luta Anpō. Em 1956, um livro branco do governo declarou que o período pós-guerra do Japão tinha terminado. A indústria japonesa começou a se recuperar dos danos causados pela guerra, e iniciou uma longa fase de elevado crescimento econômico. Até 1973, a taxa média de crescimento ultrapassou os 10%.

Entretanto, antes disso, a situação política estava longe de ser estável. Durante a ocupação Aliada e a desordem geral dos anos do pós-guerra, houve frequentes disputas laborais, os partidos políticos formaram e quebraram repetidamente alianças uns com os outros. Este ciclo caótico chegou ao fim em 1955, com a consolidação de um sistema de dois grandes partidos, o Partido Liberal Democrático Conservador (LDP) e o Partido Socialista Progressista do Japão.

Conhecido como “o sistema de 55”, este quadro continuou basicamente até o fim da Guerra Fria. O LDP, o partido do governo durante todo este período, foi liderado por políticos da era pré-guerra. A figura chave deste partido foi o Primeiro-Ministro Kishi Nobusuke (1956-60), um antigo réu do Tribunal de Tóquio acusado de crimes de guerra de Classe A.

Não podemos compreender o 68 japonês sem uma compreensão adequada do movimento contra a renovação do Tratado de Segurança Conjunta EUA-Japão em 1960, conhecido por Luta Anpō.

O artigo 9º da Constituição japonesa, escrito sob a ocupação americana, proibiu a manutenção de uma força armada nacional e renunciou à guerra. O governo Kishi esperava rever este artigo, rearmar o Estado japonês e transformar os tratados de segurança e garantia, que permitiam o controle unilateral americano, num novo acordo bilateral, chamado de Tratado de Segurança Conjunta. Embora à primeira vista possa parecer contraditório, foram os conservadores que visavam a autonomia em relação aos Estados Unidos e o estabelecimento de uma nova força militar autossuficiente, enquanto os reformadores lhes opuseram, procurando proteger a manutenção da paz e assim defender a “democracia do pós-guerra”.

O Centro Nacional dos Sindicatos (Sōhyō), que estava sob a influência do Partido Socialista, ajudou a organizar uma mobilização de massas contra o Tratado de Segurança Conjunta. Um “movimento de cidadãos” se desenvolveu a favor da paz, da democracia e da Constituição japonesa do pós-guerra, formando a linha de pensamento e o estilo da mobilização de reforma do pós-guerra, que mais tarde foi ferozmente criticado pelo Zenkyōtō. O movimento de cidadãos empreendeu “ações conjuntas” de acordo com um calendário rigoroso, organizando sempre manifestações de protesto e entregando petições à Dieta Nacional em Tóquio.

A luta de 1960 Anpō consistiu em dezanove “ações conjuntas” e viu a participação de 5,8 milhões de pessoas no seu auge. O caráter e os objetivos da organização tornaram-se significativamente mais radicais, produzindo uma situação geral de rebelião na área em torno da Dieta Nacional em Tóquio. “Isto é uma revolução”, gritou uma frente de políticos do LDP. No final, o gabinete Kishi foi forçado a se demitir.

O presidente norte-americano Dwight Eisenhower, cujo apoio prolongou a vida do gabinete Kishi, suspendeu sua visita ao Japão, e a notícia da “Rebelião de Tóquio” foi amplamente divulgada nos Estados Unidos. Em sequência, os políticos da pré-guerra simbolizados por Kishi Nobusuke abandonaram o palco para serem substituídos por uma nova administração baseada na elaboração e implementação de planos de crescimento econômico.

O governo e a LDP agora com cautela evitaram qualquer conversa sobre reforma constitucional. O sucesso do crescimento econômico estabiliza a LDP como um governo permanente. Por outro lado, os reformistas seriam colocados em perpetua oposição. Os “cidadãos” que atingiram a vitória do “movimento dos cidadãos” escolheram qual caminho seguir após a experiência da guerra. O crescimento econômico os assegura de forma permanente emprego e consumo.

Entretanto, as principais questões da Luta Anpō – a paz e a democracia – não sumiram após o fim das reivindicações. “Democracia do pós-guerra” ficou enraizado no subconsciente da sociedade.  Qualquer tentativa de usurpar o sistema constituinte do pós-guerra imediatamente provocava uma retaliação dos intelectuais e da mídia. Dessa forma, qualquer investida em mudar a constituição tornou-se um grande tabu, mesmo entre os políticos da LDP.

Logo, a Luta Anpō de 1960 acabou ocupando a histórica posição de revolução democrática para o Japão. Através da vitória dos cidadãos e intelectuais na revolução nacional, o Japão finalizou o século de modernização iniciado com a restauração na Era Meiji. Foi como se a Luta Anpō abrisse os portões para a sociedade de consumo de massas e grande crescimento econômico. A geração baby boomer do pós-guerra cresceu nessa sociedade de expansão das multidões e do consumo: o confronto em 1968 foi o absurdo da sociedade formada pelos seus pais.

A Nova Esquerda japonesa

O 1968 japonês deve suas origens na parcela revolucionária da Luta Anpō dos anos anteriores. O Zengakuren– a Federação Japonesa Estudantil Unificada, associações auto-gestionadas, fundada em 1948 – formava uma organização conjunta. Em 1960, ela abrangia a maioria das universidades japonesas.

Durante a Luta Anpō, o Zengakuren estava no limite da sua liderança diante do uso das ações conjuntas como tática. O JCP e outros grupos participantes criticaram seu radicalismo. Contudo, foi amplamente reconhecido que o movimento estudantil estava levando a luta a uma verdadeira “revolução” da cidadania.

Desde o início, o Zengakuren teve o JCP como liderança. No entanto, à medida que o movimento estudantil se tornou cada vez mais radical, as divergências entre os estudantes membros de partidos e a liderança JCP começaram a se aprofundar. Em 1958, estes estudantes membros formaram a Frente Comunista (The Bund) em um rompimento com o JCP, com o slogan “O novo partido de vanguarda”.

Várias organizações trotskistas estavam se formando fora no JCP, sobretudo a Kakukyōdō e a Frente Comunista Revolucionária. Tanto a Bund quanto a Kakukyōdō passaram por múltiplas divisões, dando origem a vários outros segmentos, que em conjunto são chamados de a Nova Esquerda dos anos 1960.

O Bund constituiu a oposição interna da Zengakuren à Minsei. Seu programa era baseado no resgate do pensamento ortodoxo marxista revolucionário e no modelo partidário da vanguarda leninista. Eles viam os partidos comunistas no mundo, começando pela União Soviética, como infiéis ao pensamento ortodoxo, se colocando como legítima oposição de esquerda diante destes.

Quando a Luta Anpō acabou, o Bund se dividiu em dois fragmentos: os que defendiam a ideologia do partido da vanguarda, e os que advogavam por ações diretas. Os vanguardistas escolheram se unificar com o Kakukyōdō, enquanto o outro lado formava o que chamaram de “Segunda Bund” durante os anos 1960. O último continha vários veteranos da Luta Anpō, mas de forma geral era composto por mais jovens que o primeiro Bund, e notavelmente, a maioria dos membros nunca antes haviam passado por um partido comunista.

Além do Kakukyōdō e do Bund, existiu também junto ao movimento Zenkyōtō a Organização Jovem do Partido Socialista, muitas organizações que foram expulsas do JCP, e outros segmentos. Durante o período de 1968, esses vários segmentos não conseguiram formar um conselho de coordenação nacional para adotar uma estratégia unificada de ação, apesar de o Zenkyōtō estar em luta em praticamente todas as universidades. Durante a luta na Universidade de Tokyo, haviam encontros regulares entre representantes do comitê Zenkyōtō e os diferentes segmentos. O movimento era formado para além do departamento individual do comitê, que mesmo este era composto por múltiplos grupos.

Protesto do movimento estudantil Zenkyōtō no Japão, em junho de 1968.

Esses grupos políticos passaram a chamar-se em conjunto de “Nova Esquerda”, mas, ao contrário da luta Anpō de 1960, já não constituíam uma oposição de esquerda à velha esquerda, não desempenhando o papel de uma facção de oposição que criticava o JCP da esquerda. Pelo contrário, na maioria das universidades, as eventuais disputas violentas entre os grupos e a Minsei há muito já se tinham tornado rotina. Para os grupos, o Partido Comunista era simplesmente mais uma parte do sistema.

Autonegação

Apesar da pressão exercida pelas greves indefinidas, as administrações universitárias não estavam inclinadas a responder às exigências dos estudantes. O movimento estudantil questionou o conselho do corpo docente, e ao mesmo tempo insistiu numa nova reflexão sobre os próprios sujeitos do movimento.

O termo “autonegação” emerge de estudantes de graduação e jovens docentes, influenciados por seus professores que haviam participado em lutas anteriores. Entretanto, o termo acabou se generalizando livremente em uma ampla discussão sobre “questionar como se vive”. Tal questionamento, permeou o movimento, chegando mesmo aos estudantes do ensino secundário nos seus primeiros anos de adolescência.

Durante o período de 1968, esses vários segmentos não conseguiram formar um conselho de coordenação nacional para decretar uma estratégia unificada de ação, apesar de o movimento Zenkyōtō estar em luta em praticamente todas as universidades.

Nas classes e nos fóruns públicos, os professores eram pressionados e questionados, não sobre os prós e contras da gestão de políticas universitárias, mas sobre como eles mesmos deveriam agir. Mesmo entre colegas e amigos, a questão sobre como você continuaria vivendo foi amplamente debatida. O movimento Zenkyōtō pareceu ter entrado na onda em um mesmo patamar que tal insurreição estudantil. Mas foi exatamente nesse momento, assim que os sujeitos do movimento tentavam questionar seus próprios princípios e posicionamentos éticos, que o movimento Zenkyōtō tornou-se – para melhor e pior – algo próprio do 1968 japonês.

A reação da administração da Tōdai rapidamente começou a tomar forma política. Não foi colocada em questão como a universidade – ou os estudantes – deveriam ser, ou como gostariam de viver, compreenderam o problema como uma negociação entre grupos internos da universidade. No dia 1º de novembro, o presidente, Ōuchi Kazuo, um liberal desde o período pré-guerra, renunciou. Todos os administradores e diretores de diferentes faculdades também renunciaram a seus cargos, e a expulsão dos estudantes de medicina foi revogada.

A reação da administração da Tōdai rapidamente começou a tomar forma política. Não foi colocada em questão como a universidade – ou os estudantes – deveriam ser, ou como gostariam de viver, compreenderam o problema como uma negociação entre grupos internos da universidade. No dia 1º de novembro, o presidente, Ōuchi Kazuo, um liberal desde o período pré-guerra, renunciou. Todos os administradores e diretores de diferentes faculdades também renunciaram a seus cargos, e a expulsão dos estudantes de medicina foi revogada.

Basicamente, todas as sete demandas exigidas pelo comitê Zenkyōtō foram atendidas. A nova gestão executiva da universidade, representada por Katō Ichirō, o diretor da faculdade de direito, colocou diante dos estudantes: “Vocês estão arrancando à árvore errada com todas estas coisas de autonegação e agonia da juventude, resolvam-no de uma vez por todas entre vocês”. A forte atitude de Katō, muito diferente dos deslizes da administração de Ōuchi, foi quase estimulante na sua franqueza: “A questão é nós negociarmos”.

Se o comitê Zenkyōtō buscava um sim ou um não para a lista de sete exigências, a resposta de Katō veio direta: “Dentre as demandas feitas por vocês, caros, nós aceitamos aquelas que achamos justas, mas não podemos aceitar as que consideramos injustas.” No auge do outono daquele ano, a pressão do Ministério da Educação e o problema de como implementar o exame de admissão do próximo ano caíram fortemente sobre a administração da Tōdai. Logo, foi necessário o desenvolvimento de uma rápida negociação “para racionalmente resolver a crise na Universidade de Tokyo”.

A universidade apelou para os estudantes argumentando que se as coisas continuassem assim a graduação e o progresso educacional do corpo estudantil seria colocado em questão. Havia uma oposição ao comitê Zenkyōtō dentro da universidade entre os estudantes – por exemplo, figuras como o futuro ministro de estado Machimura Nobutaka, e a organização de frente da Minsei chamada Grupo Representante das Sete Faculdades. Essa oposição, entre o comitê Zenkyōtō e a Minsei já havia passado pelo mero nível do confronto retórico tomando formas violentas de confronto.

Em 10 de janeiro de 1969, a administração da Tōdai oficialmente trocou notas de confirmação para a resolução da luta com estes “grupos representativos”.  O resultado direto disso foi o fim da ocupação do relógio da Tōdai nos dias 18 e 19 de janeiro, depois de uma grande intervenção policial. Entretanto, em 20 de janeiro, o governo japonês anunciou a suspensão do exame de admissão do próximo ano. Dessa forma, ao final a administração não pode declarar-se “vitoriosa” na luta da Tōdai.

Para além de 1968

Essa situação criou dificuldades para o movimento Zenkyōtō. À medida que o movimento tentava fortalecer sua fase de insurreição, já havia se tornado impossível de voltar às políticas de negociação com a administração da universidade. O foco não estava mais nos prós e contras da lista de sete exigências.

Uma possível estratégia poderia ter sido obter maioria diante das negociações pelo lado dos estudantes do Minsei e os “grupos representativos”. Mas o comitê Zenkyōtō abandonou essa estratégia junto com a própria negociação. Não havia uma organização nacional. Além disso, junto à Nova Esquerda japonesa, não existia um apoio consistente e sistemático para a Tōdai Zenkyōtō por parte dos diferentes grupos políticos.

De forma mais ampla, em contraste com a situação do Zengakuren durante a Luta Anpō, o movimento Zenkyōtō não exercia influência direta na opinião pública ou no processo político, e não havia nenhuma expectativa de o fazer. Antes de qualquer coisa, a insurreição do movimento Zenkyōtō obsessivamente clamava por políticas de reformulação completa da estrutura política estabelecida. O comitê Tōdai Zenkyōtō foi fisicamente eliminado de qualquer espaço fora das universidades quando a polícia entrou no campus.

Em comparação a luta da Tōdai, o comitê Zenkyōtō da Universidade do Nihon (Nichidai) tentou evitar esse fim, mesmo diante de condições desfavoráveis da autonomia interna universitária. A luta começou com demandas sobre o direito dos estudantes, mas assim que as barricadas tomaram o campus, rapidamente ela se transformou em uma insurreição estudantil.

O movimento Zenkyōtō se espalhou em ondas desde a experiência da Tōdai e Nichidai, partiu de demandas de democratização da educação em greves e ocupações de escolas e laboratórios de pesquisa. Entretanto, tornou-se um padrão do movimento que este terminaria assim que o comitê Zenkyōtō fosse expulso da universidade pela administração e a polícia.

Mesmo com uma frequente comunicação entre o comitê Zenkyōtō e as várias universidades, não havia uma liderança nacional, nem mesmo um conselho nacional. O 1968 japonês se colocou não como algo único, mas como uma série similar de repetidas insurreições.  

Revolução e rebelião

Se considerarmos o movimento Zenkyōtō como o modelo para o 1968 japonês, essa forma de organização (o comitê de luta conjunta) compartilhou importantes características qualitativas com os primeiros grupos revolucionários que surgiram a nível histórico como conselhos (Räte ou Soviet). Precisamos colocar a existência do conselho como um mecanismo de rebelião em massa independente da concepção Leninista de revolução, que a define como “o problema da tomada do poder do Estado”. O 1968 foi um movimento-conselho de insurreição em massa.

Precisamente por essa razão, o movimento de 1968 divergiu e se opôs às formas e aos níveis de organização antigos, em dois sentidos. Os antigos estilos de movimento eram geralmente uma forma de constitucionalismo que priorizava o direito liberal de oposição; e adotavam o ponto de vista marxista-leninista sobre revolução. A principal expressão do primeiro foram os movimentos sociais para democracia do pós-guerra; e a forma arquetípica do último foi a teoria de revolução dos partidos da Nova Esquerda. A notável característica de 1968 foi precisamente a liberação do conceito de “rebelião” a partir desta conjuntura de dupla camada.

Se examinarmos o caso do movimento Tōdai Zenkyōtō, ali o comitê Zenkyōtō confronta o poder ocupando os “pontos de produção” do espaço de produção de conhecimento que chamamos de Universidade. Isso claramente resgata o entendimento sindical sobre ocupação de fábricas por trabalhadores. Enquanto a base geral universitária do comitê Zenkyōtō era composta pelas organizações individuais Zenkyōtō de cada departamento, também eram incluídos membros dos partidos marxista-leninistas, muitos ativistas chamados de “radicais não partidários”, e vários pequenos, de certa forma livres, agrupamentos.

A notável característica de 1968 foi precisamente a liberação do conceito de “rebelião” a partir desta conjuntura de dupla camada.

Todos eles se juntaram no movimento como parte do Conselho conhecido como a All Campus Joint Struggle League [Liga de luta unificada dos campus]. Como seus membros não eram fixos nem definidos, a liga enfrentou uma intensa volatilidade e flutuações com o vai e vem. Em cada universidade individualmente, junto aos radicais Zenkyōtō também houve uma oposição, a Minsei (a juventude da JCP), como muitas outras organizações no corpo de estudantes geral, que de forma generalizada se opôs à luta.

Na Tōdai, por exemplo, essas organizações se juntaram com a maioria do corpo estudantil nas assembléias universitárias para determinar políticas individuais dos departamentos. Em muitos sentidos, violência era um tabu, portanto o processo de tomada de decisões supostamente devia ficar no nível da guerra de discursos. As assembleias estudantis de cada departamento de forma incessante e exaustiva repetiam os embates retóricos, que muitas vezes duravam até a manhã do dia seguinte.

Essas assembleias, que de longe excediam o número mínimo de quórum, na prática se tornaram abertas à participação de todo corpo estudantil. Para o movimento Zenkyōtō, a intrigante e complexa guerra de discursos era uma experiência muito parecida com o que Hannah Arendt definiu como “a constituição do espaço político”.

O movimento Zenkyōtō foi uma rebelião estudantil que quebrou com o estabelecido estilo dos movimentos políticos japoneses do pós-guerra, mas ele não foi apenas isso. A liberação do conceito de “rebelião” (hanran) desde a definição teórica de revolução também constituiu uma mudança de paradigma das tradições dos movimentos revolucionários.

Os vários partidos da Nova Esquerda japonesa em ampla maioria viam-se teoricamente como partidos de vanguarda, herdeiros e sucessores da tradição marxista; ou seja, viam a si próprios como o partido marxista-leninista. Essa foi a fonte literária do estilo dos agrupamentos, começando com o programa do partido. Dentro do movimento também, cada luta individual teve que ser entendida como um mero ponto da corrente que levaria a grande revolução – a estrutura do movimento aspirava por toda luta política nacional.

Nessa concepção, o partido vanguardista era o “quartel-general”, a divisão coordenadora do movimento popular, enquanto as massas do próprio movimento tinham que ser uma firme e forte comunidade de revolucionários. Essa é a lógica da vanguarda.

No entanto, naquele momento, os “novos partidos de vanguarda” do Japão eram minúsculos em comparação com a classe trabalhadora do país ou mesmo com o seu Partido Comunista. Assim, eles acabaram recorrendo a outra autodeterminação: viram a si próprios como a “oposição de esquerda” marxista-leninista. Esses característicos “partidos revolucionários” eram uma extensão da Luta Anpō de 1960. Quando se depararam com o movimento Zenkyōtō, eles rapidamente tornaram-se influentes participantes e organizadores.

A composição do Zenkyōtō como um grupo surgiu a partir da fusão entre a população em rebelião e os vários outros partidos e segmentos. Isso produziu um constante fluxo dentro do movimento Zenkyōtō, os partidos, e as massas, do vanguardismo para o movimento popular e vice versa. Os partidos revolucionários tinham agora experiência em rebelião popular, e momentos de insurreição.

O ano de 1968 foi o começo da segunda metade do século desde a Revolução Russa em 1917. Em cinquenta anos desde 1968, a revolução tem sido ativamente esquecida como apenas um evento histórico. Esse período de esquecimento tem agora passado por mais de cinquenta anos desde sua ocorrência.

Hoje, depois de 2018 no bicentenário do nascimento de Marx, não temos outra opção senão pensar, mesmo que subconscientemente, na destruição das rebeliões de 1968, diante das ruínas dessa demolida forma de pensamento. Apenas o pensamento e a prática que nasce e emerge dessas ruínas podem vir a tornar-se o que é preciso para herdar e seguir 1968 atualmente.

Sobre os autores

é um crítico e teórico da política e um dos principais pensadores da geração japonesa de 1968. Ele foi um dos principais participantes do movimento Zenkyōtō.

Cierre

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Published in Análise, Antifascismo, Ásia, Livros and Política

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