Em uma ação evidentemente bem coordenada, em 11 de julho de 2021, grupos de opositores ao governo fizeram manifestações em várias cidades cubanas, notadamente em Havana. Segundos depois da manifestação, a grande mídia mundial estava a todo vapor divulgando os acontecimentos.
Essa explosão social é um acontecimento incomum em Cuba e ainda mais surpreendente foi a intensidade e a violência desdobrada pelos manifestantes (vandalismo, agressão a funcionários, saques e ataques a prédios públicos), que lembra os protestos na Venezuela em 2014 e 2017 e na Nicarágua na última tentativa de golpe em julho de 2018.
Ficou claro que esses grupos de oposição estavam executando a conhecida tática venezuelana de guarimba (distúrbios de rua violentos e orientados pela mídia). Os protestos foram imediatamente respondidos por mobilizações de massa em apoio à revolução em Cuba, imagens das quais foram apresentadas como antigoverno por meios de comunicação como o The Guardian (embora tenha, posteriormente, retificado o erro).
As razões para os protestos de rua foram a escassez de alimentos, medicamentos, fornecimento de eletricidade e combustível que sobrecarrega a vida diária dos 11 milhões de cubanos da ilha com graves dificuldades. Isso inclui filas de comida e combustível, apagões de eletricidade, queda na receita e dificuldades econômicas em geral.
Os cubanos têm preocupações genuínas com a deterioração da realidade socioeconômica em seu país, causada principalmente pela intensificação drástica do bloqueio dos EUA sob o governo do ex-presidente Donald Trump. Joe Biden, apesar das promessas eleitorais de restaurar as boas relações como fez Obama, não agiu para aliviar essa situação – e seus impactos aumentaram dramaticamente com a eclosão da pandemia Covid-19.
A pandemia dizimou o turismo em Cuba, a principal fonte de receita da ilha. Também interferiu no comércio e desacelerou a economia. Mas, além desses impactos na renda e nos alimentos, os cubanos também tiveram que enfrentar a escassez de medicamentos – gravemente afetada pelos efeitos do embargo – o que contribuiu para uma crise de saúde, notadamente em Matanzas.
A eleição de Donald Trump levou os EUA a reverter totalmente as decisões tímidas, mas positivas, de aliviar aspectos do bloqueio a Cuba sob o governo Obama. Sob Trump, os EUA impuseram 243 medidas coercitivas unilaterais adicionais (também conhecidas como sanções), incluindo o acréscimo de Cuba à lista dos Estados que patrocinam o terrorismo, o que representou uma intensificação brutal e totalmente injustificada da agressão dos EUA contra o povo cubano.
As sanções visam todos os aspectos da economia cubana. Elas proíbem o comércio com empresas controladas ou operadas por e ou em nome dos militares; proíbe os cidadãos dos EUA de viajarem a Cuba individualmente e em grupos para intercâmbios educacionais e culturais; retira a maior parte de seu pessoal da embaixada dos EUA em Havana, levando, entre outras coisas, a suspensão do processamento do visto; permite que cidadãos norte-americanos entrem com litígios contra entidades cubanas que “trafegam” ou se beneficiam de propriedades confiscadas pela revolução cubana desde 1959; proíbe navios de cruzeiro e outras embarcações de navegar entre os EUA e a ilha; proíbe voos dos EUA para cidades cubanas que não sejam Havana; suspende voos fretados privados para Havana e impede que cidadãos norte-americanos permaneçam em estabelecimentos ligados ao governo cubano ou ao Partido Comunista; coíbe o envio de remessas dos EUA para Cuba (a Western Union teve que encerrar suas operações na ilha); procura bloquear o fluxo de petróleo venezuelano para Cuba aplicando sanções a companhias de navegação e companhias petrolíferas estatais de Cuba e Venezuela; proíbe as autoridades cubanas de entrar nos EUA por suposta cumplicidade em abusos dos direitos humanos na Venezuela e muito mais.
Tudo isso se soma às condições existentes que tornam muito difícil para as empresas internacionais que operam nos EUA de fazer negócios também com Cuba, o que significa que o bloqueio na realidade não é apenas uma questão de mão dupla. As sanções visam causar o máximo de sofrimento, exatamente como o bloqueio foi projetado para fazer no infame Memorando Estadual 499 dos EUA de 1960:
O único meio previsível de alienar o apoio interno é o desencanto e o descontentamento com base na insatisfação econômica e nas adversidades […] todos os meios possíveis devem ser empreendidos prontamente para enfraquecer a vida econômica de Cuba […] uma linha de ação que, embora tão ágil e discreta quanto possível, faz as maiores incursões na negação de dinheiro e suprimentos a Cuba, para diminuir os salários monetários e reais, para provocar a fome, o desespero e a derrubada do governo.
Em 2018, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL) informou que o embargo financeiro e comercial dos EUA a Cuba custou à economia do país US$ 130 bilhões.
A pandemia da Covid-19, além disso, teve um impacto extra na economia cubana. As chegadas de turistas estrangeiros diminuíram em mais de 90% no período 2020-2021, causando estragos na economia. As receitas de divisas vitais foram cortadas, e o vibrante setor de serviços que surgiu com a expansão do turismo foi quase totalmente encerrado. O número total de chegadas de turistas estrangeiros em 2019 foi de 4.275.558, enquanto em 2020 foi de apenas 1.085.920; mas a queda em maio de 2021 foi em média de 96%.
Seria ingênuo, senão hipócrita, acreditar que, como parte da estratégia de sanções de Trump contra Cuba, funcionários e estrategistas da Casa Branca não incluíram um plano de desestabilização. Sem dúvida, estamos testemunhando parte disso hoje com a violenta manifestação de rua coordenada e combinada com uma ofensiva de mídia social liderada pelos EUA. Durante anos, muitos milhões fluíram dos EUA para o bolso dos oponentes da revolução cubana – sob Trump, esse número aumentou, e os impactos disso em um momento de crise mais ampla não podem ser subestimados.
A temida USAID e o National Endowment for Democracy (NED) financiaram, desde a chegada de Donald Trump ao cargo em 2017, pelo menos 54 grupos que se opõem à revolução cubana. O financiamento deles totalizou quase US$ 17 milhões, mas o número é provavelmente muito maior quando você considera que as “estratégias de construção da democracia” estão isentas de divulgação, se blindando na Lei de Liberdade de Informação dos EUA (FOIA).
O financiamento dos EUA para a “promoção da democracia” em Cuba está envolto de sigilo e os destinatários desse financiamento não são conhecidos, nem como eles o usam. A USAID e a NED financiam jornalistas digitais, grupos de promoção de “direitos humanos”, organizações de participação cidadã, cantores e rappers de hip-hop, acadêmicos, artistas e assim por diante. Não estão incluídos nos 54 grupos quem é contratado e subcontratado, nem quantos cubanos recebem dinheiro, mas o Diretório Democrático Cubano, por exemplo, informou ter pago 746 contratos diretos e 1.930 subcontratos em 2018.
Ou seja, uma organização de oposição entre os 54 conhecidos financiados pela USAID em Cuba informa ter pago mais de US$ 150.000 a mais de 2.500 ativistas. Este tipo de financiamento pode ajudar a explicar o alto grau de homogeneidade e coordenação exibida nas redes sociais dos locais onde a manifestação teve uma natureza não pacífica.
Não é surpresa que Cuba, como muitas outras nações latino-americanas antes dela, enfrente um ataque à sua soberania nacional. Afinal, vimos nos últimos anos como o golpe de Estado na Bolívia teve pleno apoio do Ocidente. Na maioria das vezes, esses acontecimentos são executados internamente, mas liderados, organizados e financiados externamente.
Além da USAID e o NED, políticos conservadores de direita, como Marco Rubio, Ted Cruz e as organizações republicanas de Miami nos EUA, assim como Bolsonaro, Alvaro Uribe e Luis Almagro no continente mais amplo, atacaram o regime cubano e defenderam os “manifestantes”. O objetivo é atuar como defensores da “democracia” e estabelecer narrativas na mídia internacional. Marco Rubio fez um apelo ao presidente Biden para intervir contra Cuba e criticou o movimento Black Lives Matter por emitir uma declaração de apoio a Cuba e condenando o bloqueio dos EUA.
Por outro lado, os governos da Argentina, Bolívia, Nicarágua, Venezuela, México, o grupo de países ALBA, mas também Lula, Dilma Rousseff, Pedro Castillo, o Grupo Puebla e o Foro de São Paulo deixaram claro que se opõem à interferência externa nos assuntos interno de Cuba. Exigiram o fim do bloqueio como condição para a necessária melhoria da situação econômica do povo da ilha. As fronteiras internacionais sobre este assunto entre progressistas e conservadores não poderiam ser mais claras.
Nunca uma intervenção dos EUA (sob qualquer pretexto) trouxe algo semelhante à democracia para a América Latina. Repetidamente, seus esforços resultaram em ditaduras, privatizações em massa e violência brutal contra os mais pobres. Em contraste, apesar de seus muitos problemas e imperfeições, em 60 anos a Revolução Cubana se tornou um farol de solidariedade e generosidade em todo o mundo – comprometendo-se a apoiar a causa da justiça mesmo quando suas próprias circunstâncias muitas vezes são difíceis.
Nos últimos anos, o programa médico conjunto de Cuba e da Venezuela, Operação Milagre, levou mais de 4 milhões de operações oftalmológicas gratuitas em pessoas pobres com catarata e doenças oculares relacionadas. Seu internacionalismo médico fez com que, até o momento, “Cuba tenha enviado cerca de 124.000 profissionais de saúde para prestar assistência médica em mais de 154 países” e, desde março de 2020, mais de 3.700 médicos, enfermeiras e técnicos cubanos se ofereceram para ir a 39 países (incluindo a Itália) para ajudar a combater a pandemia Covid-19.
A única solução de longo prazo para os problemas de Cuba é o abolição imediata e incondicional do bloqueio dos EUA. Essa é a demanda do mundo, expressa por todas as Assembléias Gerais da ONU desde os anos 1990, é a demanda do direito internacional e é a demanda mais justiça.
Sobre os autores
é chefe do Grupo de Pesquisa na América Latina na Middlesex University. Ele também é secretário nacional da Campanha de Solidariedade à Venezuela e coautor do livro "Right-Wing Politics in the New Latin America" (Zed, 2011).
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[…] Como os EUA tentam sufocar Cuba – ao invés de ajudar/Jacobin (19.07) […]