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Com mais de 320 manifestações em 308 cidades e 18 países, a manifestação do dia 2 deu um passo fundamental para a construção das condições que possibilitem o fim do governo genocida. Foto de Vitor Vogel / Mídia NINJA

Derrotar Bolsonaro por todos os meios necessários

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A direita que se deslocou do bolsonarismo mostrou não ter peso social para dirigir a luta contra o governo e frear seu desastroso projeto autoritário. É a esquerda quem deve cumprir esse papel, explorando estrategicamente as divisões da classe dominante, sem abrir mão de seu programa.

Bolsonaro deu uma importante demonstração de força no 7 de Setembro. Contando com amplo apoio dos setores do empresariado que sustentam o governo, em especial do agronegócio, a extrema direita colocou seus apoiadores nas ruas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, na escala das centenas de milhares. Suas pautas foram aberta e explicitamente golpistas: pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, além dos habituais clamores por uma intervenção militar.

Bolsonaro deu o tom antes e durante o dia 7, afirmando que só sairá do governo preso ou morto. Nas semanas que antecederam as manifestações golpistas, um clima de apreensão atravessou o país com as evidências de que militares e policiais – setor em que Bolsonaro tem amplo apoio – participariam das manifestações. Na noite do dia 6, seus apoiadores em Brasília tentaram, de início sem muita resistência das forças de segurança, retirar os grades que os separavam da sede do Supremo. Nos dias seguintes, caminhoneiros bloquearam estradas em apoio ao governo – chegando a afetar o abastecimento em diversas cidades do país – e parte dos bolsonaristas tentou, sem sucesso, ocupar dois ministérios em Brasília.

No dia 7 não houve um golpe. Mas isso não significa que a mobilização tenha sido uma derrota para o governo: Bolsonaro queria uma demonstração de força, no que certamente foi bem sucedido. Provou manter significativo apoio de uma base minoritária, porém massiva, parcial e potencialmente armada e firmemente mobilizada, e isso apesar da catastrófica situação econômica, pandêmica, política, social, ambiental e energética em que colocou o Brasil. O dia 7, portanto, impõe sobre todo o país a necessidade de uma mudança de qualidade na luta contra Bolsonaro e o bolsonarismo.

As reações da direita e seus limites

Nos últimos meses, já se podia observar entre frações das classes dominantes o desenvolvimento de diferenças em relação ao governo. Embora haja consenso entre elas sobre o projeto econômico do bolsonarismo, há setores da direita brasileira que já buscavam, ainda que superficialmente, se distanciar do projeto autoritário de Bolsonaro. Mais recentemente, vem se tornando evidente que a instabilidade e conflito permanentes promovidos pelo governo atrapalham a aplicação do ultraliberalismo encabeçado por Paulo Guedes.

Se os setores que seguem fiéis a Bolsonaro se radicalizam, os que agora se afastam optam pela vacilação. A mobilização bolsonarista impactou este setor da direita, que buscou responder à sua maneira: partidos da direita histórica (hoje chamados na imprensa de “centro”) e mesmo o PSD, que participa do governo federal com o ministro das Comunicações, passaram a discutir a possibilidade de adesão ao impeachment. O presidente do STF, Luiz Fux, fez intervenção semelhante, afirmando que se Bolsonaro descumprir decisões da corte – como no dia 7 disse que faria –  estaria cometendo crime de responsabilidade, o que justificaria um impeachment. O PSDB, tradicional partido do neoliberalismo, passou para a oposição ao governo, mas não se decidiu pelo impedimento do presidente.

Em resumo, a direita aposta na fraseologia, e o faz porque mantém a ilusão de que o bolsonarismo pode ser contido pela via institucional. O resultado não podia ser outro, senão o já habitual recuo tático de Bolsonaro: no dia 9 o presidente se encontrou com Michel Temer, orientou que os caminhoneiros abandonassem o bloqueio de estradas e assinou uma “Declaração à Nação”, escrita pelo ex-presidente, autor do golpe de 2016, em que afirma respeitar as instituições, a Constituição de 88 e que, se foi “contundente”, o fez “no calor do momento”. A Bolsa, que havia demonstrado apreensão a partir do dia 7, voltou a registrar alta.

Em que pese esse recuo ter gerado confusão nas parcelas mais radicalizadas da base do bolsonarismo, que demonstraram frustração com a declaração, esse não é um gesto inédito: ao contrário, é parte da política de Bolsonaro recuar um passo a cada vez que avança cinco. Dessa forma, como desde o início do governo, a direita posterga a possibilidade de ruptura com Bolsonaro, este ganha fôlego para sua próxima ofensiva e o país segue refém do golpismo.

A luta de Bolsonaro é pelo poder

Bolsonaro, no entanto, demonstra cotidianamente que não será contido pelo embate institucional. Trata-se da liderança de um movimento neofascista, que governa apoiado na mobilização permanente de parcelas da pequena-burguesia – e dos setores populares por ela arrastados – e de organizações proto ou paramilitares – seu ativismo armado e as milícias –, com apoio de setores significativos da burguesia, do oficialato e das bases das tropas, em defesa dos interesses do capital e de combate aberto às forças de esquerda.

A mobilização bolsonarista ter tido como alvo prioritário o Judiciário reafirma que a política de Bolsonaro não tem centro na institucionalidade, e que seu objetivo imediato – tantas vezes declarado e quase tantas outras subestimado – não é necessariamente a reeleição: é a subversão reacionária da Nova República, em crise desde pelo menos o golpe de 2016, e sua substituição por um regime autoritário. E demonstrou no 7 de Setembro possuir ao menos boa parte das ferramentas sociais, econômicas, políticas e militares de que necessita para isso.

A unidade da esquerda e as divisões da classe dominante

Se, por um lado, a direita brasileira vem reiterando sua histórica incapacidade de iniciativa contra o autoritarismo, de outro a esquerda tem no último período dado importantes passos para o enfrentamento ao neofascismo. Organizamos, a partir do espaço unitário da Campanha Nacional Fora Bolsonaro – em que convergem as frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular e a Coalizão Negra Por Direitos –, importantes mobilizações de massas entre os meses de maio e julho em todo o país, que recolocaram em pauta a derrubada do governo após meses de descontrole pandêmico e catástrofe social e econômica. No dia 7 organizamos pequenas mobilizações, em contraponto aos atos neofascistas, mas que cumpriram o importante papel de demonstrar coragem e disposição de luta e resistência de nosso lado.

Setores minoritários da direita, em geral ex-apoiadores de Bolsonaro, convocaram uma manifestação para o dia 12, buscando se apresentar como “terceira via” entre a esquerda e o neofascismo, e em favor do impeachment. Após o dia 7, abriu-se a discussão sobre a participação ou não da esquerda nessas mobilizações, caso mudasse o perfil da convocatória – o que sequer chegou a ocorrer. A posição que prevaleceu na Campanha Fora Bolsonaro, que se provou correta, foi pela não participação no dia 12, e pela construção de uma nova mobilização no dia 2 de outubro. Com base social reduzida e desmoralizada para encabeçar a luta contra Bolsonaro, o ato da “terceira via” foi um fracasso: hoje, quem tem autoridade política para liderar a oposição é a esquerda.

Nesse cenário, se quisermos derrotar definitivamente o governo, é fundamental que a esquerda consiga explorar e incidir sobre as divisões da classe dominante, incentivando o desenvolvimento de suas tensões e atraindo suas frações dissidentes para a construção, nas ruas, da mais ampla unidade de ação possível contra Bolsonaro e o bolsonarismo. Como se diz, contra o perigo de um golpe neofascista, mesmo a unidade com o diabo é correta. Trata-se de uma batalha de consequências históricas de grande envergadura para o futuro dos explorados e oprimidos no país, cujos impactos certamente incidirão também sobre a relação de forças em toda a América Latina. Nossa tarefa é derrotar Bolsonaro, da maneira que for necessária.

Essa ampla unidade de ação, no entanto, não deve se confundir com qualquer unidade programática com os setores que aderirem, e por isso precisa ser construída preservando a unidade das forças de esquerda. A unidade de ação com a direita dissidente não pode significar a desagregação da importante Frente Única conquistada pela esquerda brasileira nos últimos anos: ao contrário, sua preservação é central se se tem como perspectiva a imposição de uma saída política à esquerda para os embates em curso. A unidade de ação pelo Fora Bolsonaro é pontual. A luta política pelo futuro do país, por sua vez, precisa de uma agenda própria da esquerda sem conciliação com a pauta da direita. Nesse sentido, erram os setores e figuras da esquerda que optarem pela divisão de nosso bloco e assumirem posições que enfraqueçam nossa unidade. 

No polo oposto, erram também os setores da esquerda que se negarem a tal unidade de ação. Bolsonaro só poderá ser derrotado nas ruas pela imposição de uma ampla maioria social contra seu projeto autoritário. Escondendo-se atrás da correta, mas politicamente limitada, denúncia do apoio que essas forças da direita deram ao bolsonarismo nos últimos anos, encontra-se em parte da esquerda a perspectiva de postergar a batalha contra o neofascismo para o terreno eleitoral de 2022 – quando poderá ser já muito tarde para evitar sua vitória. Revelando certa obsessão com o calendário institucional, esses setores parecem esquecer que, na luta pelo fim da ditadura militar, a esquerda também precisou estar nas ruas com setores que por muitos anos haviam sustentado o regime autoritário.

A mobilização bolsonarista do dia 7 foi um salto de qualidade em sua ofensiva golpista. Nesse sentido, é fundamental o movimento feito pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro de ampliar a luta como uma convocatória unificada entre o conjunto da esquerda e todos os demais setores dispostos a se mobilizar pela pauta mais prioritária e urgente: a derrubada imediata do governo Bolsonaro. A direita que se desloca do bolsonarismo reafirmou nas últimas semanas não ter iniciativa ou peso social para dirigir a luta contra o governo – é a esquerda quem deve cumprir esse papel, sem abrir mão de nossa unidade, independência e programa. Com mais de 320 manifestações em 308 cidades e 18 países, a manifestação do dia 2 deu um passo fundamental para a construção das condições que possibilitem o fim do governo genocida.

O resultado do governo Bolsonaro e de seu projeto neoliberal são quase 600 mil vítimas da pandemia, 19 milhões de pessoas que passam fome, 14 milhões desempregadas, inflação nos 10%, uma crise energética iminente: a situação piora a cada dia para quem é explorado e oprimido. E quanto mais tempo o neofascismo tiver, maior será seu espaço de manobra e iniciativa contra as liberdades democráticas e os direitos conquistados pelas lutas no país nas últimas décadas – que vêm sendo desmontados desde o golpe de 2016, e em ritmo acelerado desde a eleição de Bolsonaro. É preciso unir nas ruas todos os setores sociais e políticos que se opuserem ao bolsonarismo, e não há tempo a perder.

Sobre os autores

é membro da Coordenação Nacional da Insurgência Juvenil do PSOL.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Antifascismo and Política

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