Extraído do livro ABC do Socialismo, escrito pelos colaboradores da Jacobin (Autonomia Literária, 2022)
A maioria das pessoas sabe que os socialistas colocam a classe trabalhadora no centro de sua visão política. Mas por que exatamente? Quando faço essa pergunta a estudantes ou mesmo a ativistas, recebo uma série de respostas, mas a resposta mais comum é moral – os socialistas pensam que os trabalhadores sofrem mais sob o capitalismo, tornando sua situação a questão mais importante a ser focada.
É verdade, obviamente, que os trabalhadores enfrentam todos os tipos de indignidades e privações materiais, e qualquer movimento por justiça social deve ter isso como uma questão central. Mas se isso é tudo, se esta é a única razão pela qual devemos nos concentrar na classe, o argumento desmorona facilmente.
Afinal, há muitos grupos que sofrem indignidades e injustiças – minorias raciais, mulheres, deficientes. Por que destacar os trabalhadores? Por que não dizer apenas que todo grupo marginal e oprimido deveria estar no centro da estratégia socialista?
No entanto, há mais foco na classe do que apenas o argumento moral. A razão pela qual os socialistas acreditam que a organização de classes deve estar no centro de uma estratégia política viável também tem a ver com dois outros fatores práticos: um diagnóstico de quais são as fontes de injustiça na sociedade moderna e um prognóstico de quais são as melhores alavancas para uma mudança radical em uma direção mais progressista.
O capitalismo não vai entregar
Há muitas coisas que as pessoas precisam para levar uma vida decente. Mas dois itens são absolutamente essenciais. A primeira é alguma garantia de segurança material – coisas como ter uma renda, moradia e cuidados básicos de saúde. A segunda é estar livre da dominação social – se você está sob o controle de outra pessoa, se ela toma muitas das decisões-chave por você, então você está constantemente vulnerável a qualquer tipo de abuso.
Então, em uma sociedade em que a maioria das pessoas não tem segurança no emprego, ou tem empregos, mas não pode pagar suas contas, na qual elas têm que se submeter ao controle de outras pessoas, na qual elas não têm voz sobre como as leis e regulamentações são feitas — é impossível alcançar a justiça social.
O capitalismo é um sistema econômico que depende da privação da grande maioria das pessoas de pré-condições essenciais para uma vida decente. Os trabalhadores chegam ao trabalho todos os dias sabendo que têm pouca segurança no emprego; eles recebem o que os empregadores consideram aceitável em sua principal prioridade, que é obter lucros, não o bem-estar dos funcionários; trabalham em ritmo e duração determinados por seus chefes; e se submetem a essas condições, não porque queiram, mas porque, para a maioria, a alternativa de aceitar essas condições é o desemprego. Este não é um aspecto acidental ou marginal do capitalismo. É a característica definidora do sistema.
O poder econômico e político está nas mãos dos capitalistas, cujo único objetivo é maximizar os lucros, o que significa que a condição dos trabalhadores é, na melhor das hipóteses, uma preocupação secundária para eles. E isso significa que o sistema é, em sua essência, injusto.
Segurando a alavanca
O primeiro passo para tornar nossa sociedade mais humana e justa é reduzir a insegurança e a privação material na vida de tantas pessoas e aumentar seu escopo de autodeterminação. Mas imediatamente nos deparamos com um problema – a resistência política das elites.
O poder não é distribuído igualmente no capitalismo. Os capitalistas decidem quem é contratado e demitido e quem trabalha por quanto tempo, não os trabalhadores. Os capitalistas também têm mais poder político, porque podem fazer coisas como fazer lobby, financiar campanhas e partidos.
E já que são eles que se beneficiam do sistema, por que deveriam encorajar mudanças nele, mudanças que inevitavelmente significam uma diminuição de seu poder? A resposta é: já que eles não aceitam muito bem os desafios e fazem o possível para manter o status quo, devemos conquistar as mudanças.
Os movimentos de reforma progressista constataram repetidas vezes que, sempre que tentam pressionar por mudanças na direção da justiça, esbarram no poder do capital.
Quaisquer reformas que exijam uma redistribuição de renda, ou que venham do governo como medida social – sejam cuidados de saúde, regulamentações ambientais, salários mínimos ou programas de emprego – são rotineiramente contestadas pelos ricos, porque tais medidas inevitavelmente significam uma redução na seus rendimentos (como impostos) ou seus lucros.
O que isso significa é que os esforços de reforma progressista precisam encontrar uma fonte de alavancagem, uma fonte de poder que lhes permita superar a resistência da classe capitalista e seus funcionários políticos.
A classe trabalhadora tem esse poder, por uma razão simples – os capitalistas só podem lucrar se os trabalhadores aparecerem para trabalhar todos os dias, e se eles se recusarem a jogar junto no mesmo time – caso contrário, os lucros secam da noite para o dia. E se tem uma coisa que chama a atenção dos empregadores é quando o dinheiro para de fluir.
Ações como greves não têm apenas o potencial de colocar capitalistas de joelhos, elas podem ter um impacto muito além em outras instituições que direta ou indiretamente dependem deles – incluindo o governo.
Essa capacidade de destruir todo o sistema, simplesmente recusando-se a trabalhar, dá aos trabalhadores uma espécie de poder que nenhum outro grupo da sociedade tem, exceto os próprios capitalistas.
É por isso que, se a mudança social progressista requer a superação da oposição capitalista – e aprendemos ao longo de três séculos que isso acontece – então é de central importância organizar os trabalhadores para que eles possam usar deste poder.
Os trabalhadores são, portanto, não apenas um grupo social sistematicamente oprimido e explorado na sociedade moderna, mas também o grupo mais bem posicionado para promover mudanças reais e extrair concessões do maior centro de poder – os banqueiros e industriais que administram o sistema.
Eles são o grupo que entra em contato com os capitalistas todos os dias e estão presos em um conflito perene com eles como parte de sua própria existência. Eles são o único grupo que tem que conquistar capital se quiserem melhorar suas vidas. Não há dependem de mais força para organizar um movimento político.
E isso não é apenas uma teoria. Se olharmos para as condições em que reformas de longo alcance foram aprovadas nos últimos cem anos, reformas que melhoraram as condições materiais dos pobres, ou que lhes deram mais direitos contra o mercado – elas eram invariavelmente baseadas em interesses da classe trabalhadora mobilizada. Isso é verdade não apenas com as medidas “daltônicas” do estado de bem-estar social, mas também com fenômenos como os direitos civis e a luta pelo voto.
Qualquer movimento que estendesse benefícios aos pobres, fossem eles negros ou brancos, homens ou mulheres, tinha que se basear na mobilização dos trabalhadores. Isso é uma verdade histórica na Europa e no Sul Global tanto quanto nos Estados Unidos.
É esse poder de extrair concessões reais do capital que torna a classe trabalhadora tão importante para a estratégia política. Claro que o fato dos trabalhadores também serem a maioria em todas as sociedades capitalistas e que eles são sistematicamente explorados só torna sua situação ainda mais premente. Essa combinação de urgência moral e força estratégica é o que coloca a classe trabalhadora no centro da política socialista.
Sobre os autores
é professor de sociologia na New York University. Seu livro mais recente, ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’ [“Teoria Pós-colonial e o Espectro do Capital”] acaba de ser publicado pela editora Verso.