Will Smith é muito comovente interpretando Richard Williams, cujo plano aparentemente impossível de alcançar o estrelato no tênis com as suas talentosas filhas Venus (Saniyya Sidney) e Serena (Demi Singleton), teve sucesso. Por ser comovente, é muito fácil ser tolerante com os aspectos do gênero “biografia de esportistas” mais estereotipados de King Richard, atualmente em exibição nos cinemas e na HBO Max – as partidas tensas que devem ser jogadas contra todas as probabilidades e vencidas, os rostos impressionados enquanto os treinadores percebem o grandeza potencial das jovens jogadoras, e assim por diante. Essas cenas típicas recebem um impulso adicional pela extremidade do caso: como sabemos ao entrar no filme, Richard Williams não está apenas se gabando ou se iludindo – ele realmente tem a versão tenista do “próximo Michael Jordan”, ou como Williams coloca, “os próximos dois” Michael Jordans.
O problema que o filme tem que superar é como investir o suspense em uma narrativa que o público sabe como vai terminar. Mesmo as pessoas que não gostam de esportes conhecem as carreiras deslumbrantes das famosas Venus e Serena Williams. Talvez isso explique a falta de brilho nas bilheterias do filme nos cinemas dos EUA.
Ou pode ser que a solução para esse problema narrativo seja o que está mantendo as pessoas afastadas, em um momento em que elas preferem assistir a filmes mais leve, como Ghostbusters: Afterlife e Encanto, o novo musical de animação da Disney. É uma pena, porque a solução parece inteligente. O roteirista Zach Baylin e o diretor Reinaldo Marcus Green focam sabiamente na figura mais obscura e preocupante – mas ainda incrível – de Richard Williams, que é levado a superar uma vida inteira de racismo angustiante para garantir que suas filhas tenham sucesso.
Smith transmite tantos detalhes pungentes do terrível dano já causado a família Williams por uma sociedade cruelmente racista que às vezes é doloroso vê-lo. Composto por cabelos prematuramente grisalhos, seus olhos estão vidrados de exaustão e uma espécie de inexpressividade deliberada pela longa prática de se tornar ilegível para não demonstrar medo em um mundo predatório. Smith captura os ombros ligeiramente curvados em uma postura atlética, sobrecarregada pelas dificuldades da classe trabalhadora.
Ele foi tantas vezes espancado em sua vida, por policiais, membros da Klan e turbas aleatórias de supremacista brancos em sua juventude em Louisiana, que quando jovens membros de gangues negros o atacam nas quadras de tênis em ruínas em Compton, Califórnia, ele sabe como simplesmente cair no chão enrolado para deixar os chutes e os golpes choverem sobre ele. Ele tem sua cabeça empurrada para frente enquanto Williams teimosamente anda e dirige pelas ruas acidentadas em sua velha kombi vermelha e branca surrada, obcecado com seu “plano”, pensando em novas maneiras de treinar as garotas com técnicas de tênis vencedoras e maneiras de lapidar uma estrela – além de procurar um treinador profissional sem poder pagar, e formas de promover os talentos extraordinários de suas filhas que ninguém estabelecido no jogo parece se importar porque são meninas negras e o tênis ainda é visto como um esporte branco na década de 1990, apesar das carreiras campeãs de Althea Gibson na década de 1950 e Arthur Ashe na década de 1960-70.
“Se você falha em planejar, você planeja falhar” é um dos vários lemas de Williams que suas filhas sabem recitar.
Richard Williams é uma pessoa enlouquecedora, como a maioria dos monomaníacos, especialmente aqueles que foram brutalizados pela vida, e parece que ele vai ficando mais impossível de lidar quanto mais ele tem sucesso em nome de suas filhas. Esse é o drama principal do filme, acompanhando a história mais convencional da ascensão das irmãs Williams como campeãs de tênis, enquanto ele enlouquece os principais treinadores com sua interferência e corteja a mídia com entrevistas auto-bajuladoras.
Parece em alguns pontos que o filme está indo para um território consideravelmente mais sombrio, especialmente com um confronto entre Richard e sua esposa Oracene, também conhecida como “Brandy” (Aunjanue Ellis), que está farta de seu comportamento controlador, monopolizando todo o crédito sucesso das garotas. Ela mesma é uma atleta forte, ela lembra a ele, pois ela treinou as meninas também, e apoiou em grande parte a família como enfermeira enquanto Richard perseguia vários planos de negócios que nunca deram certo – sem mencionar seus filhos com outras mulheres aparecendo na porta.
Em suas vidas reais, a saga dos três casamentos e divórcios de Richard e muitos filhos incluem os cinco filhos que ele abandonou – junto com sua primeira esposa amargurada – para se estabelecer com a segunda esposa Oracene para criar suas três filhas mais as duas que tiveram juntos, Vênus e Serena.
Mas essa história de fundo é deixada de fora do filme, além das pistas contidas nesse confronto. Oracene Price se envolveu no projeto cedo, na fase de roteiro, com a filha Isha Price atuando como produtora executiva, e eles insistiram em várias mudanças antes de aprová-lo. Aqui está um exemplo de uma reescrita que eles exigiram, de acordo com Price, que estava lendo o roteiro em voz alta para sua mãe e começou a rir:
Em uma das versões originais do roteiro, quando papai foi espancado uma vez, minha mãe o encontrou no hospital e estava correndo ao lado da maca dizendo: “O que eles fizeram com meu marido?”… Eu li essa parte para ela e ela disse: “Ah, não!” A cena foi alterada para retratar Oracene, uma enfermeira treinada, remendando o marido na mesa da cozinha.
O filme encerra em um ponto inicial de inspiração, quando a jovem adolescente Vênus ascende à fama no tênis, com Serena logo atrás dela, onde o triunfo representa um esforço familiar unido. Há um documentário da família Williams no final, para que possamos ver quantos detalhes o filme acertou – a kombi surrada que Williams levou suas filhas, os primeiros vídeos promocionais grosseiros que ele gravou da dupla e etc.
É uma pena que esses esforços para dar ao filme um final feliz e descomplicado não fizeram o público aparecer. Porque não é um filme ruim, e sério, Will Smith está fabuloso nele. Se ele não for indicado para muitos prêmios, algo está realmente errado aqui.
Sobre os autores
é crítica de cinema na Jacobin e autora de Filmsuck, EUA. Ela também hospeda um podcast chamado Filmsuck.