A ideia de uma reforma agrária arrepiava os ruralistas brasileiros e os Estados Unidos, dos Kennedy, em 1964. No Comício da Central do Brasil, o então presidente João Goulart provocava a ira das elites.
“Os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reivindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra fértil para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família, sua família sofrida, irá (SIC) trabalhar para ele, porque até aqui ele trabalha para o dono da terra que ele aluga, para o dono da terra ele entrega sua produção”.
Com forte apoio dos movimentos sociais, Jango dava andamento às reformas de base, que incluíam a reforma agrária. Naquele dia, o então presidente anunciava a desapropriação de várias terras à beira de estradas num prazo de 60 dias. Mas não deu tempo. Dezoito dias depois, os tanques invadiram as ruas e Jango seguiu para o exílio.
Desde 1955, trabalhadores rurais e posseiros passaram a se organizar nas ligas camponesas. Em 1962, o principal aliado de Jango, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, dava passos para a distribuição de terra, desapropriando 20 mil hectares para 10 mil agricultores da região de Sarandi.
O próprio Jango, um ano depois, em 1963, promulgava o Estatuto do Trabalhador Rural, passando para o camponês direitos antes limitados aos trabalhadores urbanos, como direito à sindicalização, aposentadoria, férias, etc.
SRB com poder até hoje
Entre os principais opositores a Jango e sua política agrária, estava a Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade centenária que nasceu na República Velha, por meio da política do café com leite, quando os fazendeiros de São Paulo e Minas Gerais mandavam no Brasil.
Até hoje, a SRB continua ativa. Com ligações políticas com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seus parentes, ela foi a primeira entidade do agronegócio a apoiar o impeachment de Dilma Rousseff.
O substituto de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, foi conselheiro da SRB por 20 anos. O próprio Salles já foi diretor jurídico da organização. No golpe de 1964, a SRB financiava o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), braço ideológico de tantos projetos encampados pelos militares.
A propaganda político-ideológica do IPES passava nos cinemas antes dos filmes, era exibida nas fábricas e levada para o interior do país de cidade em cidade.
Um dos maiores articuladores do golpe de 1964, o embaixador do Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, não só apoiava as atividades do instituto como conseguiu financiá-la com a ajuda do presidente John F. Kennedy.
Além do IPES, os Estados Unidos injetaram mais de 2 milhões de dólares na Aliança pelo Progresso, uma articulação empresarial que financia grandes obras, e no Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), entidade irmã do IPES, que comprava deputados para o golpe.
Com tanto apoio, o golpe militar foi dado em 31 de março de 1964. Assim, anunciou o Jornal Nacional, da Rede Globo:
“Foi no último instante. Quase no momento derradeiro, quando o país estava à beira de uma guerra civil, quase em pleno caos, alguma coisa aconteceu. É impossível continuar suportando tantos desmandos, tanta incompetência, tamanha anarquia, e o clamor de vozes conscientes encontrou eco em soluções inadiáveis e as Forças Armadas, elas próprias mais do que ameaçadas, foram chamadas, praticamente intimadas a cumprir a missão que o momento lhes impunha, restabelecendo a ordem e livrando o país dos fracos vermelhos que ameaçavam sufocá-lo”.
Em novembro do mesmo ano, foi criado o Estatuto da Terra, que tirava direitos sociais estabelecidos no Estatuto do Trabalhador Rural, mas criava a função social da propriedade. Dispositivo legal que, claro, nasceu já como letra-morta.
O que se viu ao longo dos anos foi a repressão aos movimentos do campo e o exílio de grandes apoiadores das causas do campo.
Paralelamente, o governo militar implantou incentivos financeiros para os grandes proprietários como custeio de entressafras e empréstimos facilitados. Toda a pesquisa com financiamento público para a agricultura foi voltada para viabilizar as produções extensivas, para o latifúndio.
Destruir para não entregar
Com o lema “Integrar para não entregar”, os militares começaram a política desenvolvimentista contra a Amazônia, ou o “inferno verde”, território que na visão deles tinha que ser conquistado. Na verdade, o lema poderia ser “Destruir para não entregar”.
Um rebanho com dois milhões de cabeças de gado entrou na Amazônia na década de 70. A população, que na década de 1950 não passava de 349 mil habitantes, explodiu com 7 milhões de pessoas entrando na floresta.
De Minas, da Bahia, do Ceará, do Paraná, pequenos e médios proprietários se tornavam “colonos”. Entregues à própria sorte, tornando-se mais tarde mão-de-obra barata para as grandes empresas com terras na região como a Volkswagen, Nixdorf, Liquigás, Bradesco, Banco Real e Bamerindus.
A ditadura militar matou ao menos mil e quinhentos trabalhadores rurais e oito mil indígenas no seu projeto expansionista e violento.
A resistência ressurgiu em Pernambuco em 1979 na greve geral de 20 mil trabalhadores de canaviais. O De Olho na História, programa semanal do De Olho nos Ruralistas, irá contar nos próximos episódios sobre as questões do campo durante e logo após a ditadura militar.
Para começar, já está no ar o episódio contando essa relação do campo e a ditadura militar.
Sobre os autores
é repórter do De Olho nos Ruralistas.