Passado o primeiro turno das eleições colombianas, no último domingo, 29 de maio, os mais exclusivos clubes de Bogotá, Cali, Medellín e Bucaramanga estavam enfeitados para uma comemoração. Lá se celebrava, a um ritmo triunfalista, o que os analistas e especialistas cravam como inevitável para o próximo dia 19 de junho: a iminente derrota da esquerda colombiana, encabeçada por Gustavo Petro e Francia Marquez.
Muitos vão estranhar, e não sem razão, os festejos pós-eleitorais das elites colombianas. Com 40% dos votos, Gustavo Petro praticamente superou seu resultado eleitoral de quatro anos atrás. Hoje, o representante do Pacto Histórico, que lidera a corrida eleitoral com pelo menos 12 pontos de vantagem, se prepara para disputar o segundo turno – e nunca a esquerda havia chegado tão longe na Colômbia.
Por outro lado, o candidato da direita oficial, e do uribismo, Frederico Gutiérrez ficou em um vergonhoso terceiro lugar, com pouco menos de 24% – nunca o uribismo foi tão castigado pelo povo colombiano numa eleição.
Apesar dessa vitória história, por meio da qual a esquerda colombiana se vê próxima do governo, o ambiente é fúnebre para os nossos e festiva para os poucos de sempre. Mais parece que quem assumiu a liderança da corrida eleitoral foi quem se distanciou da vitória.
O fator Rodolfo Hernández
As elites e a mídia colombiana não perderam o faro. Semanas antes das eleições, alguns setores perceberam a fragilidade do candidato uribista, cedente espaço para o auto-intitulado “engenheiro” Rodolfo Hernández: um violento ancião empresário, oriundo de Santander, na geograficamente central região Andina do país. Hernández, em seus discursos raivosos destila um machismo incontrolável, ameaça de morte seus adversários, chegando a reconhecer publicamente simpatias por Adolf Hitler.
Desconhecido até pouco antes da campanha, esse “Trump colombiano”, deu um salto eleitoral sem precedentes na Colômbia, confiando sua parca comunicação a fugazes vídeos de Tik Tok. Hernández conseguiu articular o significante da anticorrupção à sua imagem de homem de fora do sistema, muito embora seja o único candidato acusado de corrupção nestas eleições.
A virada eleitoral, apenas perceptível nas melhores pesquisas de opinião de dias antes da votação, posicionou Hernández num segundo turno com 28% dos votos. No entanto, se a linguagem fraca e coloquial com que Hernández desafiava o establishment político despertou simpatias entre amplos setores da sociedade, é agora o centro gravitacional no qual orbita o uribismo: os setores conservadores e os dirigentes liberais que querem derrotar o petrismo.
Apelando às leis da aritmética simples, analistas e comentaristas embarcam no cálculo de um conjunto eleitoral híbrido. Neste, o eleitorado indignado de Hernández, somado ao antipetrismo, aos votos dos clãs políticos regionais e dos altos dirigentes dos partidos tradicionais – como os ex-presidentes César Gavíria, Andrés Pastrana e Álvaro Uribe – impõem um teto ao petrismo e compõem uma força eleitoral de 52%, que presumem ser infalível.
É certo que neste cenário Petro encontra maiores dificuldades em crescer. Por um lado, porque a disponibilidade de votos de outros candidatos, como os de Sergio Fajardo, ofereceram ao petrismo pouco mais de 2%. Pelo outro lado, a transferência de 24% de Gutiérrez para Hernández é, possivelmente, direta, marcando um aparente impasse. Também é certo, sem dúvida, por mais infalível que isso pareça, que nenhum inimigo é impossível de vencer.
Um movimento popular e progressista contra a extrema direita
O quadro eleitoral denota um cenário no qual profundas ânsias populares de mudanças serão disputadas. Isso é uma consequência do incontornável desprestígio no qual a figura de Álvaro Uribe parece naufragar – e com ele, um projeto político de morte, imperante na Colômbio durante os últimos 20 anos.
Enquanto o voto em Hernández carece de identificação eleitoral estável, composto por camadas sociais heterogêneas sem compromissos partidários e com uma vocação de recusa abstrata ao establishment, o perfil eleitoral de Petro e Francia tem um profundo apelo emocional e programático. O eleitor de Petro é robusto e o de Hernández é volúvel.
Um Hernández agressivo, compulsivamente contraditório e ausente nos debates, sem agenda de governo ou projeção presidencial, não é diretamente compreensível, eleitoralmente falando, na disputa de segundo turno. Embora as forças eleitorais que cheguem ao segundo turno tendam a se acomodar, a Colômbia enfrenta – depois de ter eleito outro incorrigível aventureiro, o atual presidente Iván Duque – um panorama socioeconômico alarmante, atravessado por uma aguda crise alimentar e uma dura perda de direitos sociais.
A maturidade programática do movimento de Petro, em seu exercício criterioso de determinar os sintomas centrais da crise social, aliada a uma comunicação simples e audaciosa, pode competir com o oportunismo de Hernández.
Agora, o vetor eleitoral determinante no primeiro turno foi o anti-uribismo. As alianças dos partidos tradicionais por um segundo turno vão atrasar ainda mais a modesta reconfiguração das bases eleitorais. Quanto maior o apoio do uribismo, do liberalismo de direita de Gaviria ou do conservadorismo de Pastrana a Hernández, maior é o alcance de ação do Petrismo para disputar eleitores com Hernández.
Nesse cenário há variáveis importantes: o anti-uribismo e o antipetrismo. O primeiro é, sem dúvida, o campo de batalha que definirá o resultado eleitoral – e aqui, mulher e jovens são os atores que o petrismo pode e deve disputar.
Hoje, Petro conta com alguns dias, até 19 de junho, para mostrar a 8% do eleitorado, principalmente jovem e feminino que votaram em Hernández, que ele e Francia lideram um projeto político nacional com maturidade suficiente para desenhar um horizonte alternativo, viável e necessário. Isso será uma batalha entre cavalos e tanques – e nós colombianos sabemos muito sobre isso: temos tudo a ganhar.
Sobre os autores
é professor de filosofia e teoria política na Fundação Getúlio Vargas. Ele também é membro pesquisador da rede DeSiRe (Democracia, Significação e Representação) e do Centre of Ideology and Discourse Analysis (cIDA) da Escola de Essex.