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Foto: Edgar Kanaykõ

Só uma bancada indígena pode salvar nossas florestas

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Neste dia, em 1995, foi decretado o Dia Internacional do Indígena pela ONU. Conversamos com o militante indígena LGBTQIA+, Paulo Anacé, pré-candidato ao Senado do Ceará pelo PSOL, sobre as mobilizações dos povos originários na América Latina e as estratégias para combater a crise climática.

UMA ENTREVISTA DE

Felipe Martins

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco promoveram o 1º Seminário de Pré-Candidaturas Indígenas do PSOL, que reuniu militantes indígenas do partido de todo o Brasil na cidade de São Paulo no final de julho.

O evento contou com intensos debates sobre a participação dos povos indígenas na política, a importância do partido como espaço para a construção das lutas indígenas e sua representação institucional, além de discussões sobre o cenário de mobilização dos povos originários na América Latina e as estratégias para combater a crise climática.

A Jacobin Brasil marcou presença no Seminário, ocasião em que Felipe Martins conversou com Paulo Anacé, pré-candidato na disputa pela única vaga ao Senado pelo Ceará. 

Foto realizada na convenção do partido.

Paulo é LGBTQIA+, indígena Anacé do município de Caucaia – segundo maior colégio eleitoral do Estado do Ceará. Ele se tornou ativista aos 18 anos, quando viu a necessidade de se politizar contra um conjunto de políticas higienistas impetradas pelo Governo Estadual na periferia de Fortaleza. Hoje aos 48 anos, Paulo Anacé tornou-se uma líder local que assumiu a luta pelos direitos ambientais e ancestrais à terra, combatendo e reprimindo projetos que ameaçam a vida dos povos indígenas no Ceará, tendo ganhado notoriedade por barrar incursões predatórias de empresas siderúrgicas e petroquímicas em áreas de preservação ambiental nos municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante. 

Como um dos porta-vozes do povo Anacé, Paulo vem participando regularmente de diversas conferências regionais pelo clima, acompanhando de perto as discussões sobre o papel das comunidades originárias na luta contra a devastação ambiental. Dentro do PSOL é signatário de um movimento que promete participação estratégica dos indígenas nas eleições deste ano. Para ele, eleger parlamentares indígenas é um caminho fundamental para defender os povos originários e as florestas.

Paulo tem advogado ativamente pelo fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a liderança ainda defende o investimento na auto-organização dos povos indígenas, o que, em sua análise, depende do acesso direto a recursos financeiros pelas comunidades e também reivindica protagonismo indígena nos espaços de tomada de decisão do Estado.


FM

Você participou recentemente, em São Paulo, do Primeiro Seminário de Pré-candidaturas indígenas do PSOL. Hoje você é candidato ao Senado no Estado do Ceará pelo partido. Como foi a construção da sua candidatura e como está se dando essa articulação por candidaturas indígenas em todo país, com o objetivo de constituir uma “bancada do cocar”?

PA

Primeiro quero agradecer o convite da revista Jacobin sobre o interesse em nossa pré-candidatura. Ela surgiu de vários coletivos que viram que seria mais que necessário uma pré candidatura que tivesse base na luta pela mãe Terra, pela proteção ao meio ambiente em geral e os direitos e respeito a todos. No início acreditei que seria uma pré candidatura pra um cargo como deputado, mas todos os coletivos do PSOL viram que a luta indígena deveria estar presente pra mudar de vez a política brasileira, acabar com os mesmos grupos e organizações que mandam e desmandam não construção da política seja estadual, municipal ou federal.

Pensamos então por que não começar mudando por uma casa tão patriarcal, oligárquica, construída sobre a imagem de ex-governadores, ex-prefeitos, ex-presidentes e que fossem na sua maioria brancos, homens heterossexuais e ricos. Aí surgiu a ideia de uma pré candidatura indígena LGBTQIAP+ com pé no chão da aldeia, sem riquezas construídas no capitalismo. Para isso construímos essa pré candidatura que vem pra dar um basta. Queremos mudar e os povos indígenas não precisam de voz para serem representados, podemos falar por nós mesmos em qualquer lugar, inclusive na política.

“Os indígenas sempre foram os maiores protetores do meio ambiente, da mãe Terra, do sangue da Terra que é a água, da fauna e da flora.”

No Ceará queremos acabar de vez com o coronelismo, que nunca deixou de existir e que hoje está na estrutura dos que governam o Estado por décadas. A bancada do cocar vem pra dizer que indígena não precisa de representantes: eles podem e vão mudar esse país e em breve irão ter a bancada não do cocar, mas da Terra com nossos irmãos de outros povos originários e tradicionais.

FM

Como foi o processo de se tornar uma liderança indígena? Como você passou a se engajar de forma militante no movimento pelos direitos dos povos originários?

PA

Minha luta como liderança indígena surge antes mesmo de eu me reconhecer como ANACÉ. Sempre lutei pelo povo indígena no meu território, até chegar ao auge da perseguição em nossa região no Cauipe, Caucaia, Ceará, onde, na luta contra o governo estadual do ex-governador Camilo Santana, fomos para cima para dizer que era contra a retirada da nossa água para o suposto “progresso” que visa apenas o enriquecimento do empresariado em detrimento dos mais humildes, com retirada de suas terras, sua cultura e suas vidas. Com isso, milito com mais força dizendo que não iremos ser invisibilizados mais uma vez como fomos pelos colonizadores agora por um governo capitalista e agressivo contra o povo, a natureza e a mão de obra desvalorizada e desrespeitada.

JB

Você também é um militante do movimento LGBTQIA+. Como é sua experiência de combinar as duas lutas? O que ela te ensina sobre formar alianças e articular pautas emancipatórias?

PA

Falar da causa LGBTQIAP+ é falar da minha vida desde que nasci e tive todas as dificuldades que um LGBTQIA tem. Por isso incluir uma pauta como essa é ter a liberdade de falar de algo que sou conhecedor, participante e, ao mesmo tempo, alguém que pode fazer pelo movimento LGBTQIA e juntos dar qualidade de vida e respeito para todos.

“Acredito que agregar lutas sempre traz benefícios para todos.”

Ser indígena e LGBTQIA ainda é mais complexo pois o preconceito por vezes começa dentro do próprio movimento. Nós, indígenas LGBTQIA, somos por vezes desrespeitados dentro do nosso próprio território e por isso ser a voz pra ajudar a modificar com exemplo essa situação é fortalecer a existência e a luta, mas digo que nossa luta vai além com apoio e presença também de outros povos como os quilombolas, ciganos, comunidades de terreiro, mulheres nossas guerreiras que por vezes são nossa maior representação e exemplo de força. Também nos apoiam os trabalhadores que sofrem o descaso da retirada de seus direitos e a luta por uma vida digna. Acredito que agregar lutas sempre traz benefícios para todos.

FM

Uma pauta que tem estado presente nos debates em torno da causa indígena é a da ecologia. Qual é a relação entre a luta indígena e a luta ambiental? O que o movimento indígena tem pensado a respeito do desafio de uma transição ecológica no Brasil?

PA

Acredito que os ecossocialistas e a ecologia que busca agregar a cultura, a alimentação, a crença e tantos outros pontos é necessária e se faz cada vez mais presente na vida daqueles que querem ajudar nossa luta pela preservação da vida e da mãe Terra. Os indígenas sempre foram os maiores protetores do meio ambiente, da mãe Terra, do sangue da Terra que é a água, da fauna e da flora.

“Hoje, infelizmente, a esquerda em sua maioria perdeu a sua essência e poucos vivem um plano de socialismo, comunismo, de dividir com o outro.”

Ter apoio dos indigenistas, ecologistas, ecossocialista sempre é importante, principalmente quando os mesmos entendem que tem ainda muito a aprender com os povos originários e defensores da Terra e com uso correto de seus recursos. Hoje existem os que dizem nos apoiar mas são mais mídia e pouca ação. Portanto, quando a luta é de verdade, o meio ambiente realmente é preservado de verdade.

JB

Um dos temas da edição deste ano do acampamento foi “aldeiar a política”. Qual você acha que pode ser a contribuição das lutas indígenas para repensar a política – e para transformar a política brasileira? E, por outro lado, como a esquerda pode melhorar sua relação com a causa indígena e se tornar melhor por meio desse diálogo?

PA

Aldeiar a política, tem muito a ver com dar a política uma cara mais verdadeira, mais humana, mais próxima ao cuidado com a vida, seja do próximo, mas, principalmente, da mãe Terra, sem fazer acordos com empresários e posseiros por um suposto crescimento econômico e social, onde apenas o crescimento acontece para quem sempre esteve e está no canto mais alto da pirâmide da sociedade.

A bancada indígena vem para mostrar que não é contra o desenvolvimento, mas um desenvolvimento baseado em preservação, em cuidado, em não ter acordos com aqueles que sempre perseguiram e destruíram os que protegeram a vida, seja ela dos povos indígenas, originários, tradicionais ou não.

Hoje, infelizmente, a esquerda em sua maioria perdeu a sua essência e poucos vivem um plano de socialismo, comunismo, de dividir com o outro; grande parte da esquerda hoje se vende à direita inclusive por cargos, espaços na sociedade, ego, e principalmente dinheiro. Isso acontece tanto na esquerda como até mesmo dentro do movimento indígena que por vezes não enxerga que aqueles que as vezes o defendem fazem isso para que recebam apoio dos próprios indígenas na sociedade enquanto eles destroem outros povos com interesse em seus territórios.

“Nosso aldeiamento da política é só o começo para a construção de uma bancada que cuide mais da mãe Terra e de todos que sabem que sem ela não teremos plano B nem outro planeta.”

Quando a esquerda e os diversos movimentos entenderem que o que lhe é dado pode prejudicar o camarada, o parente, o companheiro e não aceitar isso e estar ao lado dos seus, com certeza teremos o real sentido de luta, de força, de união. Parente (indígena) deveria apoiar seus parentes antes de trocar seu caráter por “promessas” que lhe causa alegria e tristeza em outros. 

JB

Você é militante de um partido de esquerda, o PSOL. No que o pensamento e a prática do movimento indígena podem contribuir para a revitalização do projeto socialista no nosso tempo? Como a luta anti-capitalista e a luta dos povos indígenas podem se articular?

PA

Estar num partido de esquerda e socialista sempre deveria ter como objetivo estar mais próximo da nossa luta, mas, na verdade, a esquerda, até mesmo o próprio PSOL do qual faço parte, tem aprendido muito com movimento indígena, seja em organização, em apoio, na forma de coordenar suas ações, de saber dividir o pouco com todos e mostrar meios de fazer mover o motor do crescimento de forma a buscar opções mais sustentáveis.

Apostar em uma bancada como a do cocar como o PSOL vem buscando bem antes de 2018 com Sônia Guajajara serve de exemplo e apoio para que tantas outras lutas possam vir após ela. Só em 2018 tivemos 130 candidaturas e esse ano teremos bem mais. E algo que os indígenas têm e fazem muito bem é falar tudo sem medo e com base no chão da aldeia e isso serve de exemplo não só pra esquerda mas para todos os movimentos sociais, sindicais e etc..

Nosso aldeiamento da política é só o começo para a construção de uma bancada que cuide mais da mãe Terra e de todos que sabem que sem ela não teremos plano B nem outro planeta. Logo não seremos só nós indígenas lutando pela salvação do planeta, mas todos os povos que sempre viveram ou lutaram por essa Terra.

Sobre os autores

é uma liderança indígena, educador social, membro da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Ceará, militante ecossocialista e LGBTQIA+.

é ativista de Direitos Humanos e militante do PSOL.

Cierre

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Published in América do Sul, Ecologia, Entrevista and Política

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