Após quatro anos de governo Bolsonaro, os brasileiros irão eleger em um novo presidente em 2 de outubro de 2022. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – atualmente em primeiro nas pesquisas – está enfrentando um oponente delirante, que ameaça tomar uma ação inconstitucional se ele perder.
A vitória de Bolsonaro veio dois anos após o golpe do impeachment na Dilma Rousseff (PT), em 2016, a primeira mulher a ser presidente do Brasil – e por 2 mandatos consecutivos, num cenário onde o PT estava no poder desde 2003.
O período 2010-16 foi dominado pela “crise de crédito” que colocou o mundo em uma profunda turbulência, com uma contração econômica generalizada, grande endividamento nas economias avançadas e uma redução considerável no consumo de matérias-primas. O Brasil foi atingido com força. Em 2015, o PIB havia caído 3%, a inflação era alta (10%), e a dívida pública subiu para 63% do PIB, tornando difícil para o governo manter suas políticas sociais de erradicação da pobreza.
A direita brasileira aproveitou a crise. Vários movimentos reacionário, como Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, desencadearam uma onda de protestos de rua, se alimentando da “investigação” Lava Jato que mirava a corrupção na Petrobras, uma das maiores petrolíferas estatais do mundo. Isso permitiu que a direita brasileira criasse uma atmosfera de instabilidade, na qual eles usariam tanto para destituir Dilma com falsas acusações de “pedaladas fiscais”, quanto para lançar um sentimento e perseguição antipetista através da grande mídia.
O governo interino de Michel Temer, aproveitando essa campanha inebriante, tomou medidas para reverter as políticas sociais do PT, congelando os gastos do Estado com saúde e educação por vinte anos.
O que o MBL começou não estaria completo sem a remoção de Lula como candidato a presidente em 2018. O juiz Sergio Moro foi encarregado de conduzir uma investigação visando condenar Lula por corrupção. Moro conseguiu isso depois de quatro anos, levando à prisão ilegal do ex-presidente por 580 dias – primeiro como prisão preventiva, seguida por uma sentença de nove anos de prisão em 2017, depois aumentada para doze anos em 2018, quando Lula recorreu. Moro empregou todos os truques sujos do arsenal do lawfare para prender Lula e contou com o total apoio do establishment brasileiro e da grande mídia nacional e mundial.
Fernando Haddad, o candidato à presidente do PT que substituiu Lula, tinha apenas três semanas para disputar a eleição presidencial de 2018. O clima generalizado antipetista criado após o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, permitiu que empresários pró-Bolsonaro quebrassem todas as normas eleitorais e pagassem milhões de dólares para inundar as redes sociais com fake news retratando Haddad “como um monstro pervertido que recomendava a distribuição de mamadeiras de piroca para creches e ‘kits gays’ ensinando homossexualidade nas escolas”. Bolsonaro venceu no segundo turno com 55% dos votos.
Jair Bolsonaro é descaradamente racista, misógino e homofóbico. Ele tem repetidamente insultado mulheres, comunidade LGBT, negros e indígenas. Ele apoia abertamente a ditadura militar brasileira (que durou de 1964 à 1985) e dedicou seu discurso no impeachment de Dilma ao coronel Carlos Brilhante Ustra, que em 1970 ordenou sua tortura. Esse tipo de discurso de ódio esteja sendo proferido pelo presidente representou um grande retrocesso para a democracia e os direitos humanos no país.
“Sob o governo Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia brasileira atingiu um recorde no primeiro semestre de 2022 (3.885 km quadrados, 80% maior do que no mesmo período de 2018).”
Bolsonaro descreveu a pandemia da COVID-19 como uma “gripezinha”, aconselhou as pessoas a não usarem máscaras (o que poderia causar pneumonia e morte, disse ele), e alegou que nas mulheres poderiam crescer barba e as pessoas poderiam se transformar em jacaré por conta do efeito colateral das vacinas. O Brasil registrou 34 milhões de casos e quase 700 mil mortes, um dos piores números do mundo.
As políticas econômicas de Bolsonaro, por sua vez, reduziram os investimentos com saúde, drasticamente, juntamente com os investimentos na educação. Entre 2019 e 2021, os gastos do Estado destinados às mulheres caíram 46%. Bolsonaro desmantelou proteções trabalhistas, congelou o salário mínimo e privatizou a empresa estatal de eletricidade que gera 30% da energia do país, como um prelúdio da privatização da Petrobras. Mais de uma centena de ativos estatais de energia também foram privatizados. Sob o governo Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia brasileira atingiu um recorde no primeiro semestre de 2022 (3.885 km quadrados, 80% maior do que no mesmo período de 2018) e, em meados de 2022, estimava-se que 33 milhões de brasileiros estavam passando fome.
Por outro lado, durante os 13 anos de governo do PT, 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza. Em 2015, os salários reais eram 78% mais altos do que a inflação acumulada desde 2002. Mais de 90% dos beneficiários do programa Bolsa Família, voltado para a erradicação da pobreza, eram mulheres — 68% delas eram mulheres negras — e o desemprego caiu para menos de 6%, o menor nível da história. Foram criadas 214 escolas técnicas e 18 universidades estaduais, com educação gratuita em todos os níveis disponível para milhões de estudantes, muitos dos quais receberam bolsas de estudo (51% deles eram mulheres). Cerca de 10,5 milhões de pessoas de baixa renda foram alojadas em 2,6 milhões de casas por meio do programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”, e os cuidados básicos de saúde atingiram 70% da população – outro recorde histórico.
A desastrosa gestão de Bolsonaro levou sua aprovação a cair drasticamente (para menos de 20% em novembro de 2021 ), agravada por ter que enfrentar uma disputa presidencial contra um Lula muito fortalecido, que foi totalmente absolvido em 2021, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de todas as acusações de corrupção. A última pesquisa do Datafolha (22 de setembro de 2022) mostra Lula com 47% da intenção de voto contra 33% para Bolsonaro.
Em resposta, Bolsonaro e seus apoiadores enlouqueceram. Marcelo Arruda, militante do PT, foi assassinado – baleado três vezes – por um apoiador do Bolsonaro durante sua festa de 50 anos em 10 de julho. Um comício eleitoral do PT no Rio de Janeiro também foi interrompido pela explosão de uma bomba caseira. Desde então, Lula usa colete à prova de balas.
Bolsonaro emitiu mais de uma dúzia de decretos para promover o portar armas. Ele disse que o sistema de votação eletrônica do Brasil não é confiável e ameaçou não reconhecer os resultados ou ceder o poder, se perder, sugerindo uma versão brasileira do Capitólio. Pode-se imaginar o que ele fará se Lula vencer no primeiro turno.
As apostas são altas: Bolsonaro representa uma grave ameaça à cambaleante democracia brasileira. Figuras proeminentes na política, negócios, ciência e artes emitiram um manifesto para defender o Estado de direito e se opor ao seu “delírio autoritário”, que foi assinado por mais de um milhão de pessoas e endossado por mais de quinhentas entidades da sociedade civil. Associações privadas como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as principais federações sindicais emitiram uma declaração semelhante. Na Grã-Bretanha, os parlamentares assinaram uma moção especial denunciando as ameaças de Bolsonaro às eleições por querer promover violência política.
Diante dessa situação, devemos apoiar a luta pela defesa da democracia, que já foi prejudicada pelo golpe do impeachment de Dilma, pela prisão de Lula, e pelo cerceamento de direitos sociais, econômicos e políticos. Devemos redobrar nossa solidariedade, condenar e nos opor fortemente aos ataques do Bolsonaro.
Sobre os autores
é chefe do Grupo de Pesquisa na América Latina na Middlesex University. Ele também é secretário nacional da Campanha de Solidariedade à Venezuela e coautor do livro "Right-Wing Politics in the New Latin America" (Zed, 2011).