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(Reprodução)

A hora da decisão para o PSOL

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O PSOL apoiou a candidatura de Lula e está participando da transição, mas ainda não decidiu se integrará o futuro governo. Aqui está uma defesa do porquê se engajar na participação da futura gestão é a decisão correta a se tomar para defender nossa democracia.

Em maio de 2021, escrevi um artigo na revista Jacobin a respeito das diferentes táticas que a esquerda radical (ou, nomeada de outra forma, os setores políticos à esquerda do lulismo) poderiam adotar frente à possibilidade de uma candidatura de Lula à presidência, após as decisões do STF que anularam suas condenações. Naquele momento, a campanha eleitoral de 2022 ainda estava distante, assim como o momento de definição, por parte de partidos, sindicatos e movimentos sociais, a respeito da tática eleitoral a adotar. 

Posteriormente, como se previa, o assim chamado “campo progressista” se aglutinou em peso na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva desde o primeiro turno, o que incluiu a maior legenda de esquerda radical do país: o PSOL definiu, por uma maioria (significativa, mas não esmagadora) de delegados em sua Conferência Eleitoral, se integrar oficialmente à coligação da chapa presidencial de Lula/Alckmin. Esta decisão, no entanto, dizia respeito apenas ao apoio eleitoral; a decisão sobre a entrada num eventual futuro governo Lula foi deixada para depois das eleições, por ser um tema sobre o qual não havia um acúmulo de discussão suficiente. De fato, o tema dividia opiniões no PSOL – até mesmo dentro de setores políticos que votaram a favor do apoio a Lula.

A campanha eleitoral foi duríssima, mas, ao final, exitosa. Lula foi eleito presidente, ainda que o bolsonarismo tenha mantido uma alta votação. O PSOL cresceu suas bancadas federais e estaduais; a federação com a Rede Sustentabilidade (aprovada com menor divisão interna) soma 14 deputados federais (12 do PSOL, 2 da Rede). Agora, se aproxima o momento do partido tomar a decisão adiada: participar – oficial e institucionalmente – do futuro Governo Lula, ou não?

Apesar dessa decisão parecer já definida (e até evidente) para muitos simpatizantes externos ao PSOL, o fato é que o debate segue aberto e o cenário não está definido. Exemplo disso é a votação da Executiva Nacional realizada no começo de novembro relativa à entrada ou não na “equipe de transição” de Lula – a favor, mas mais apertada que a decisão anterior de apoiar a candidatura Lula. Considerando a lógica interna das tendências do PSOL, esta alteração se deve à indefinição dentro do setor do partido normalmente denominado “PSOL Semente”, que tem pouco mais de um décimo dos membros do Diretório Nacional e suas principais tendências tem uma orientação heterogênea, mas marcadamente trotskista (em geral ligada à IV Internacional). Neste grupo, há posições divergentes acerca de seguir ou não a posição favorável a participar do futuro governo Lula – a qual provavelmente será defendida por outras grandes tendências do campo majoritário do PSOL, como Primavera Socialista e Revolução Solidária.

Por que o PSOL deveria participar do governo Lula

Quero argumentar aqui que a melhor, mais responsável e coerente decisão no momento para o PSOL é a de –  a depender do resultado de negociações envolvendo o espaço do partido na definição programática, de agenda e de cargos importantes na estrutura do governo – decidir, na reunião do Diretório Nacional marcada para dezembro de 2022, se abrir para a participação institucional do governo Lula.

Comecemos pelo mais importante. Os aspectos centrais da análise da conjuntura que baseou a decisão tomada pelo partido no começo do ano, bem como a previsão de como seria o período eleitoral adiante, se mostraram profundamente corretos e reais: a ameaça da continuidade do governo Bolsonaro se mostrou concreta – com o atual presidente mostrando desempenho muito superior ao indicado nas pesquisas do começo do ano, graças a uma combinação de gastos públicos eleitoreiros e oportunistas, que desrespeitaram flagrantemente a lei eleitoral, o uso indiscriminado da máquina estatal aparelhada a favor da candidatura bolsonarista e o acosso por todo o Brasil da parte dos aparatos empresariais, das forças de segurança e de forças políticas locais, envolvendo intimidação ou compra de votos. O poder das emendas do Orçamento Secreto também se mostrou decisivo para a resiliência do Centrão no Congresso, bem como para o fortalecimento da ala ideologicamente bolsonarista no Legislativo, com a extrema-direita substituindo em parte nomes da centro-direita tradicional. 

Os resultados das eleições indicam que a esquerda radical não teve condições de se fortalecer eleitoralmente apartada de Lula e do PT. As candidaturas de Léo Péricles (UP), Sofia Manzano (PCB) e Vera Lúcia (PSTU), apesar de certa visibilidade positiva, não tiveram qualquer êxito eleitoral de destaque, somando pouco mais de 0,1% dos votos. Por outro lado, a chamada “terceira via” cirista naufragou fragorosamente, e uma das únicas representantes da centro-direita que se fortaleceu (Simone Tebet) o fez com um resultado eleitoral modesto (4,16%), e muito pela decisão posterior ao 1º turno de se opor a Bolsonaro e compor com Lula.

A vitória dura, parcial e em meio a resultados adversos nos estados e no Legislativo mostrou a importância da unificação, na prática, dos setores progressistas em torno da candidatura de Lula como a possibilidade única de contenção do fascismo neste momento histórico. O agora presidente eleito mostrou novamente uma capacidade única de agregação de forças políticas conflitantes entre si (o que marca a conciliação de perfil lulista), e a memória e legado positivos de seus anos de governo – o qual terminou com avaliação em índices historicamente elevados – se mostrou uma indispensável barreira de contenção às medidas eleitoreiras do governo Bolsonaro. 

E, apesar do evidente perfil conciliador e da postura recuada em pautas importantes como direitos das mulheres e política de drogas, Lula venceu a partir (e também por causa) de uma agenda econômica e social positiva e progressista, destacando o papel do Estado em estimular o desenvolvimento econômico, ancorado na geração de empregos com valorização do salário mínimo, e defendendo o fortalecimento dos serviços públicos e de políticas sociais. 

Neste sentido, a presença do PSOL na coalizão foi crucial, apresentando contribuições ao programa de governo de Lula, incorporadas em diversos pontos, ainda que não em todos (por exemplo, a revisão da Reforma da Previdência de 2019, defendida pelo PSOL, não entrou nas promessas de campanha).

Observando o contexto pós-eleitoral, na qual Lula buscará garantir a governabilidade e maiorias na Câmara e no Senado, são certas as dificuldades da esquerda na convivência com forças à direita na coalizão governamental, bem como os desafios em avançar algumas das propostas de campanha do futuro governo. Alianças com partidos como MDB e PSD estão virtualmente definidas, e outras legendas de direita podem ter ao menos parte de seus integrantes se juntando à base de Lula, como União Brasil e PP.

Sabemos que a postura do PSOL a respeito da política de alianças é distinta em relação à do PT e outras legendas de centro-esquerda. Isto tem sua razão de ser e os argumentos para tal seguem relevantes, bem como a busca de outras formas para garantir a aprovação das medidas mais importantes do governo para além da tradicional repartição de cargos e direcionamento de verbas públicas via emendas parlamentares (ainda mais em um contexto de vigência do Orçamento Secreto) segue relevante.

Entretanto, os resultados das eleições legislativas estabeleceram um cenário no qual forças de esquerda e centro-esquerda seguem minoritárias na Câmara e no Senado Federal. Os partidos da coligação de Lula elegeram 122 deputados, os quais somados ao PDT somam 139 cadeiras (considerando aqui legendas fisiológicas e/ou de centro, como Solidariedade, Avante e Pros), e no Senado esta mesma soma agrega apenas 14 dos 81 senadores – números que não são suficientes sequer para evitar a aprovação de um impeachment. A negociação e o diálogo com legendas de centro e centro-direita se torna um imperativo da realidade.

A recusa do PSOL em disputar politicamente o governo Lula teria como consequência imediata, na prática, o fortalecimento da ala à direita no governo, sem o contrapeso de uma força externa ao PT à sua esquerda dentro da coalizão para fazer o tensionamento nos principais debates que se sucederão. Como consequência, a direitização e o afastamento de qualquer caráter reformista do governo Lula pode se tornar uma profecia autorrealizável.

No aspecto político e eleitoral, a ausência do PSOL no governo caso o partido sequer tenha se colocado à disposição para a negociação seria a renúncia ao espaço já conquistado, que mostraria falta de coerência com o caminho trilhado até então, e teria impactos extremamente deletérios frente à base partidária e o grosso do eleitorado do partido – hoje de quase 4 milhões de pessoas apenas em votos para a Câmara dos Deputados. A campanha eleitoral foi fortemente ancorada na defesa da candidatura de Lula para muito além da mesma ser uma escolha apenas “necessária”, ou um “mal menor”. Nesta hipótese, seremos vistos pela maioria do nosso próprio campo como incoerentes, ou até oportunistas, o que pode provocar impactos organizacionais, políticos e eleitorais futuros desastrosos – muito maiores do que a de um eventual racha na hipótese de saída de setores contrários à participação no governo Lula.

Ademais, haveria impactos imediatos na atuação no parlamento: qualquer decisão exige alinhamento com a Rede Sustentabilidade, partido com o qual o PSOL está federado por 4 anos e com quem precisa votar de forma alinhada na Câmara. Na legenda em questão, há uma indicação forte de presença de quadros na Rede no governo (como Marina Silva), e uma federação com um partido dentro e outro fora do governo seria politicamente instável e inviável.

Aliás, no período eleitoral de 2022 já foram iniciados acordos políticos com o PT e outras legendas à esquerda pensando nas eleições de 2024, notadamente o apoio à provável candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, maior cidade do país. Recusar-se a participar do governo e ser independente ou oposição ao governo tornaria a conclusão desse acordo virtualmente impossível, e a importância de pleitos como estes não pode ser minimizada por um partido que optou por participar da disputa política institucional.

Dentro e fora da institucionalidade

A leitura da conjuntura exige também uma avaliação quanto às possibilidades e a abertura e efetividade para a disputa política extra-institucional. É fundamental considerar em especial três fatores: a) a porosidade do futuro governo em responder às pressões, externa e internamente; b) a disposição dos principais movimentos e setores da esquerda política em optar majoritariamente pelo diálogo e composição, ou pela pressão externa e a oposição à esquerda; e c) a existência de outros atores à direita realizando este tipo de atuação. 

Quanto ao primeiro ponto, se a vitória de Lula implica, por óbvio, no aumento vertiginoso nas possibilidades de resposta às mobilizações e pressões políticas externas, também abre o espaço para influir dentro do governo federal, possibilidade que nunca existiu nos últimos 6 anos. No caso do PSOL, uma receptividade com um potencial inédito devido ao aumento da representação parlamentar do partido, bem como a presença na coligação vencedora desde a primeira hora. Isto se associa, no ponto b), à já expressada disposição da grande maioria dos movimentos sociais, sindicatos e outras organizações de esquerda em colaborar diretamente com o governo Lula – incluindo movimentos hoje bastante próximos ao PSOL, como o MTST.

É evidente que a extrema-direita segue fortemente mobilizada e com uma capacidade de organização que não se via no campo há décadas, o que faz com que a aposta unicamente na mobilização extra-institucional “à quente” em mobilizações populares – alternativa que nunca deve ser abandonada ou negligenciada – não indique resultar necessariamente em uma supremacia da esquerda e dos movimentos populares.

Considerando este cenário, a decisão do PSOL de optar por, nesse momento, centrar suas forças na atuação e disputa dentro do governo federal não implicaria (e nem deve) em um abandono da mobilização em outros espaços, mas sim na atuação da militância nas ruas e outros fóruns externos ao governo a partir de esforços mais amplos de articulação e organização, em diálogo com movimentos sociais e a sociedade civil organizada – as quais também buscarão um equilíbrio na relação com o governo.

Por fim, não é demais lembrar que o partido é apenas um dos inúmeros instrumentos de luta no campo da esquerda brasileira, e que outras organizações e setores vão optar por se posicionar de forma independente ou em oposição ao governo, em estratégias também legítimas e que podem incidir de forma complementar. A disputa política feita pelo socialismo continuará ocorrendo, na amplitude e diversidade que este campo possui, dentro e fora da institucionalidade.

Participar do governo para avançar as lutas

A decisão mais coerente e acertada a se tomar neste momento por parte do PSOL é, portanto, se colocar à disposição para o diálogo com o governo Lula visando a participação ativa e institucional no governo, considerando os inerentes riscos e as apostas envolvendo esta decisão. Mas por que defendo neste momento a “disposição ao diálogo” e não a afirmação definitiva da adesão a Lula? Por avaliar ser necessário condicionar a participação ao firmamento de um acordo que garanta efetiva presença e poder no interior do governo. 

O que justificaria a participação, pelos argumentos já expostos, é a possibilidade concreta de disputar e intervir na agenda e na atuação concreta do governo Lula. Uma eventual desvalorização do PSOL no debate programático ou na indicação a espaços-chave nos postos de governo (aspectos que são inter-relacionados), não interessa nem ao PSOL nem à esquerda. Uma participação apenas simbólica, sem efetividade ou poder real, seria arcar com os ônus da decisão de integrar o governo, sem ter benefícios concretos como contrapeso.

Conhecendo o caráter do PSOL em se organizar em diversas tendências, campos e correntes, bem como pelo perfil libertário do partido no sentido de abrigar divergências em seu interior, é também necessário preservar um espaço mínimo de abertura de atuação do partido de forma avulsa ao governo Lula, naquilo que for viável e cabível dentro do arranjo e do alinhamento necessário que é consequência da presença no governo. 

Concluo reforçando dois pontos importantes, que contextualizam esta posição e o caráter conjuntural da decisão que o PSOL tem à frente. O primeiro é a temporalidade da medida, colocada em perspectiva: esta é uma decisão para ser tomada hoje, a partir da conjuntura e das condições atuais. A relação do partido no e com o governo é questão a ser constantemente analisada e avaliada ao longo do tempo, com a pertinência da presença a ser ancorada na obtenção de vitórias concretas, da possibilidade de efetivação de políticas e decisões reais nos espaços de atuação e na percepção, na prática, de influência real do PSOL nas decisões do governo, sendo capaz de tensionar o governo à esquerda em decisões importantes.

Por fim, retomo o pressuposto que orienta este e o artigo escrito em 2021: a defesa da legitimidade da pluralidade de opções e posturas dentro da esquerda frente a este assunto. Há setores da esquerda socialista que disputarão o governo tensionando por dentro, e outros que disputarão a agenda pressionando por fora, de forma independente ou como oposição de esquerda. Assim como naquele momento, avalio que

Para os socialistas democráticos, a melhor opção será aquela que, no cenário concreto a se apresentar no futuro próximo, aumentará as chances de reversão da agenda ultraliberal, conservadora e autoritária dos últimos anos no Brasil, criando, portanto, um melhor terreno político para o avanço das lutas da classe trabalhadora”. 

Para o PSOL, estar à altura da melhor opção significa, neste momento histórico, disputar o sentido e os rumos do governo Lula.

Sobre os autores

é mestre em ciência política e bacharel em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise and Política

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