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Marcha para o Clima marcha buscou impactar nas negociações da COP26. Foto: Nuno Cruz/NurPhoto via Getty Images.

Construir uma agenda climática latino-americana

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Se não queremos que o clima continue sendo pautado pelos interesses dos países do Norte Global, devemos aproveitar o novo ciclo de governos de esquerda na América Latina para articular uma agenda climática independente. A tarefa é conectar justiça e ecologia para impulsionar uma integração soberana, solidária e sustentável.

Em 19 de junho de 2022, logo após ser eleito presidente da Colômbia, em seu discurso de vitória, Gustavo Petro afirmou que seu governo seria baseado em três pilares: paz, justiça social e justiça climática. Petro não apenas foi eleito com um programa político que promete a transição energética e a descarbonização da economia, mas tendo junto de si a vice-presidenta Francia Marquez, ativista negra e militante anti-extrativismo. Petro e Marquez chegam ao poder carregados pela onda dos estallidos sociales de 2019 e 2021 que, nas ruas, nas praças e nos bairros, reivindicavam um modelo econômico e social menos predatório com a natureza e mais justo socialmente. Na Assembleia Geral das Nações Unidas e na COP27, com seu decálogo, Petro reforçou que a Colômbia “potencia mundial de la vida” que quer construir está estruturalmente ligada a um projeto climático e ambiental.

Em 30 de outubro de 2022, logo após ser eleito presidente do Brasil, Lula dedicou boa parte de seu discurso da vitória a questões climáticas e ambientais. Prometeu lutar pelo desmatamento zero na Amazônia, enfatizou que seu governo irá reassumir os compromissos ligados à proteção dos biomas, criticou a extração ilegal de madeira, o garimpo ilegal e ocupação agropecuária indevida e defendeu medidas ligadas ao combate à violência contra populações indígenas. Poucos dias depois, durante a COP27, em Sharm el Sheikh, no Egito, em seu discurso oficial reafirmou os compromissos e falou que, no mundo todo, a agenda climática só vai avançar se os países ricos cumprirem seus acordos, inclusive em termos de repasses financeiros. Afinal, como notou Lula, a crise climática é sentida principalmente pelos países pobres, mas foi criada pelos países ricos.

Estes foram dois dos momentos mais importantes para a agenda climática da América Latina nas últimas décadas. Os presidentes eleitos pelas duas maiores populações sul-americanas se comprometeram em colocar políticas climáticas e ambientais como prioridades em seus governos. Mas foi mais que isto: Lula deu centralidade ao combate ao desmatamento, relacionou este a outras questões de justiça social e enfatizou a importância da reforma do sistema financeiro e de governança climática internacional, em uma posição que claramente reivindica recursos para os países do sul global. Petro não falou apenas de clima: falou também de justiça.

A justiça climática tornou-se o conceito central para a construção de uma agenda latino-americana.

Fim de ciclo: a integração latino-americana que já tivemos

A América Latina já sente os impactos da crise climática. Por aqui, assim como em todo sul global, pessoas morrem ou perdem suas condições de vida digna por inundações, secas, avanço do nível do mar, ou para desastres como deslizamentos de terra. Os eventos climáticos extremos se agravam e se tornam mais frequentes. No Brasil, por exemplo, somente em 2018 mais de um milhão de pessoas foram afetadas por enchentes, quase 43 milhões foram atingidas por secas e estiagem. Mais de 85 mil pessoas foram deslocadas internamente em função de desastres ambientais e climáticos. Como sempre e em todo lugar, são os trabalhadores pobres e as populações mais vulnerabilizadas que sofrem de forma desproporcional com a crise climática. Clima é questão de subsistência e de sobrevivência. Sempre foi questão de classe, de gênero e de raça.

Em um espaço marcado estruturalmente pela desigualdade como a América Latina, o cenário que se impõe é o de populações periféricas, sobretudo negras e indígenas, atravessadas pela insegurança em suas formas básicas de subsistência em função das emergências climáticas. Isto se acentuou com o cenário atual de crise econômica e de acirramento no conflito capital x trabalho – ou capital x vida, como costumamos falar nos movimentos feministas populares. 

Desde 2015, o que se vê na região é o esgotamento do ciclo de desenvolvimento e inclusão social por meio do extrativismo tradicional. Parte disto se dá pelas dinâmicas e instabilidade nos preços das commodities, e seus impactos em economias dependentes da exportação destes produtos. No entanto, o esgotamento desse ciclo também se dá com a consolidação de novos programas políticos, nas ruas e nas urnas, que afirmam que uma relação exclusivamente predatória e extrativa com a natureza é insuficiente.

Ainda que existam alternativas sendo construídas localmente nos territórios, e que programas políticos alternativos estejam chegando ao poder, o cenário regional ainda é de desmonte da integração regional latino-americana. Nos últimos sete anos, a arquitetura institucional regional de cooperação na América Latina foi profundamente enfraquecida. O Mercosul, organismo central para a integração econômica e política do Cone Sul, foi sendo gradualmente flexibilizado e perdendo sua identidade. A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) foi esvaziada com a saída de sucessivos países e, consequentemente, descaracterizada – o que, na prática, desmontou a integração sul-americana.

Chegou ao fim – ou ao menos a um hiato – o momento político em que a cooperação e a construção regional eram prioridades nas políticas externas dos países latino-americanos. Parte disto se deve às crises econômicas e políticas, mas sobretudo à interrupção do ciclo político de vitórias eleitorais de governos de esquerda e centro-esquerda na região, popularmente conhecido como “onda rosa”. A eleição de Mauricio Macri na Argentina em 2015 é provavelmente o momento chave para compreensão de que a onda rosa estava chegando ao fim. A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 trouxe à tona que, mais que desestruturação dos governos à esquerda, estávamos lidando também com a radicalização da direita.

A longa crise na Venezuela mostrou que o sistema interamericano tampouco sustentou ou garantiu o grau de diálogo para uma saída do conflito. Pelo contrário: a Organização dos Estados Americanos (OEA) mostrou-se não apenas pouco útil para a solução da crise mais complicada do hemisfério, como também tem sido um problema para a situação institucional neste e em outros países, como a Bolívia, portando-se como porta-voz de grupos e partidos à direita no continente. Ao mesmo tempo, as organizações e coalizões regionais construídas pelos governos à direita nos últimos anos tampouco tiveram resultados: o Grupo de Lima foi incapaz de oferecer respostas à crise venezuelana. O Prosul, na prática, não foi mais que uma sigla e provavelmente sua morte foi declarada com o anúncio de que o Chile, país sede, iria se retirar do movimento. Por isso, nas palavras de Hirst, Tokatlián e outros autores, há uma dupla crise: do regionalismo latino-americano e do multilateralismo interamericano, que se materializa em um misto de estagnação, fragilidade e decadência nas principais organizações regionais.

A região enfrenta também uma série de desafios geopolíticos. A América Latina possui recursos naturais estratégicos de importância crescente para a transição tecnológica e energética, com destaque para o lítio, já que estão em nosso território mais de 70% das reservas mundiais. Em função da Guerra da Ucrânia, combustíveis fósseis, como petróleo e gás, voltaram a ser objeto de disputa mais intensa, revertendo o cenário de desfinanciamento. Ou seja, na América Latina há uma quantidade significativa de recursos que são objeto de disputa global. No entanto, frente ao desmonte da arquitetura regional de cooperação e diálogo, não há coordenação multilateral para a construção de regulamentações e instrumentos para garantir a soberania, o que, em diversas medidas, enfraquece as condições de barganha e dos países latino-americanos frente às grandes potências. Em um momento de acirramento de disputa econômica, política e militar sobre territórios periféricos ou semi-periféricos isso se mostra dolorosamente grave.

Ainda no âmbito geopolítico, é possível visualizar a complexificação do crime organizado transnacional na América Latina, que por sua vez tem ampla conexão com a agenda ambiental. Crimes ambientais ligados a queimadas e invasões de terra e garimpo e extração de madeira ilegal, por exemplo, já estão ou inseridos em fluxos e cadeias criminosas internacionais ou intimamente conectadas com elites econômicas ligadas ao agronegócio – isto quando as duas coisas não acontecem simultaneamente. Estas mesmas redes muitas vezes estão conectadas com o tráfico internacional de drogas e entorpecentes, cujos resultados são a reprodução de ciclos de violência em espaços urbanos.

Justiça climática no novo momento político da América Latina

Um novo momento político para a América Latina, no entanto, parece estar se iniciando. Não apenas governos de esquerda, ou centro-esquerda, têm voltado a ganhar eleições como também conteúdos programáticos novos e atualizados estão se impondo. Novos governos à esquerda se elegeram já colocando agendas de clima e meio ambiente como centrais em seus programas políticos.

Exemplo disso é a eleição de Gabriel Boric, efeito de um processo social que transformou o campo político chileno: o estallido social chileno de outubro e novembro de 2019 mudou o horizonte e os significados da política no país. A eleição de Lula no Brasil é, entre diversos outros elementos, uma derrota do negacionismo climático e de um projeto anti-ambiental. A vitória de Gustavo Petro talvez seja ainda mais emblemática neste sentido. Nas ruas se pedia não só uma assembleia constituinte e a implementação de uma agenda antineoliberal: a demanda popular era também a construção da paz, da justiça social e da justiça climática.

Chegou o momento de revitalizar a integração sul e latino-americana à luz das novas agendas climáticas. Até agora, a agenda de clima e meio ambiente não foi central para a integração sul-americana. O ciclo político que construiu a Unasul e deu prioridade ao Mercosul foi centrado na integração política, defesa, energética e infraestrutural. Parte disto se dá porque as organizações de integração e cooperação regional foram criadas em outra conjuntura, quando a agenda climática ainda não tinha a visibilidade que tem hoje. No entanto, desde então os cenários nacional, regional e internacional mudaram de forma significativa. Nas ruas e nos gabinetes o clima vem ganhando espaço. É fundamental que a revitalização destas organizações se dê à luz de elementos como mitigação, adaptação, perdas e danos e, sobretudo, justiça climática. Faz-se necessário, portanto, uma atualização programática na agenda de clima e meio ambiente a nível regional e internacional, e para isso teremos que atualizar e aprimorar nossos organismos regionais.

Uma agenda climática latino-americana

A América Latina precisa construir a própria agenda de clima e meio ambiente. O horizonte é a transição justa, soberana e equitativa, combinando elementos de mitigação e de adaptação, e, principalmente, articulando com um projeto político de inclusão social e desenvolvimento sócio-econômico.

A governança climática internacional ainda é excessivamente focada em instrumentos (principalmente econômicos) de mitigação. Os instrumentos de descarbonização da economia, muitos deles previstos pelo artigo 6 do Acordo de Paris e que tem sido, atualmente, regulamentados, são aqueles que ganharam, até agora, mais espaço nas negociações internacionais. Em particular, os instrumentos de precificação e de mercados de carbono têm sido a principal aposta da governança internacional. No entanto, a prática mostra que, em sua maioria – e sobretudo em território latino-americano – a política de compensações [offsets] de emissões de carbono baseada na precificação muitas vezes tem resultados desastrosos, com pouca ou nenhuma participação das comunidades e territórios diretamente envolvidos na transação.

Na prática, não são aplicados protocolos de consulta – como aqueles garantidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – ou não há a menor preocupação com a garantia de respeito aos direitos humanos ou de garantia de princípios de inclusão social. Além disso, os benefícios econômicos deste tipo de transação ficam concentrados nas grandes corporações transnacionais e nas seguradoras e bancos que precificam os créditos nos mercados voluntários, em um verdadeiro processo de financeirização da natureza. O que há é a construção de novas dinâmicas de espoliação e avanço predatório sobre bens comuns, com efeitos concentradores. 

 Além disso, a agenda de mitigação e de descarbonização da economia é orientada pela realidade dos países do norte, com ênfase principal na agenda de transição energética. A transição energética tem sido, muitas vezes, conduzida por grandes corporações transnacionais, e o resultado é, em vez de mais justiça climática, a ampliação da precarização das condições de trabalho e reprodução da mesma lógica de concentração. O aumento de geração de energia por algumas fontes renováveis com frequência traz pressões extrativistas no sul global pelo aumento da demanda de determinados minerais ou de manutenção e concentração da estrutura fundiária, quando ligada à monocultura (como é o caso, muitas vezes, da produção de biodiesel ou de biomassa). Frequentemente a transição energética liderada pelo norte tem sido uma agenda de concentração de recurso e poder – e não de justiça climática. As pautas de soberania nacional e democratização energética não estão incluídas. De fato, é necessário não apenas ir além da agenda de transição energética, mas efetivamente refundá-la. 

Para países como o Brasil, cuja matriz de energia já é majoritariamente de baixo carbono, dar tanta centralidade a esta agenda não garante que o país cumpra seus compromissos assumidos com o combate à crise climática. No Brasil, por exemplo, falar em mitigação é, majoritariamente, falar sobre combate ao desmatamento que, de longe, representa a maior fonte de nossas emissões. Este é um elemento que está intimamente conectado à estrutura fundiária no Brasil, já que não apenas há a combinação de desmatamento legal com ilegal, mas também há uma profunda conexão entre a ampliação do desmatamento e a ampliação das fronteiras agrícolas, sobretudo de gado e soja. No Brasil, a redução das emissões vai muito além de transição energética: é, principalmente, uma questão fundiária. Qualquer discussão de clima no Brasil e na América Latina que não leve em conta a discussão sobre concentração fundiária e da democratização do acesso à terra não é apenas insuficiente: é contraproducente.

A principal tarefa latino-americana é a de complexificar o conceito de clima. O primeiro passo é dar um outro enfoque à agenda de adaptação e de perdas e danos, fundamental para que, frente à emergência climática, as populações tenham suas condições de sobrevivência e de subsistência garantidas. Perdas e danos se referem a um passo adiante da adaptação, ou seja, quando já não é possível a adaptação ou o enfrentamento, pois os danos já ocorreram; é sobre o que acontece após o impacto. Em específico, danos são os casos onde a reparação ainda é possível, enquanto perdas são os casos onde já não é possível reparar, apenas compensar. A estimativa é que o sul global tenha danos climáticos de mais de 428 bilhões de dólares por ano até 2030 e 1.67 trilhões por ano a partir de 2050, caso o aumento de temperatura permaneça na tendência atual. Assim, perdas e danos é uma agenda que trata de recursos econômicos nacionais e locais, mas também de processos sociais mais amplos, como diásporas, migrações forçadas, ou mesmo eliminação de culturas, idiomas ou saberes tradicionais. São temas centrais os conceitos de responsabilidade (de quem emite, principalmente historicamente), compensação, reparação e redistribuição.

Na COP27, foi aprovado um fundo para perdas e danos, o que é uma vitória dos países do sul global, que há 3 décadas têm essa demanda, e, mais especificamente, do G77 com a China, que fizeram a proposta formal. No entanto, não apenas os termos de como este fundo vai funcionar e, sobretudo, de onde e como virá o dinheiro ainda estão em aberto. Quando os atores envolvidos são aqueles que lucram em cima da financeirização da natureza e da vida nada está garantido. É fundamental a atualização da noção de responsabilidades comuns, mas diferenciadas. A América Latina precisa estar bem coordenada para demandar do norte global que as garantias por justiça climática passem pela distribuição internacional de poder.

As promessas do norte global, tanto de mitigação quanto de financiamento, estão ainda bem longe de serem cumpridas. Os fluxos financeiros, acordados em Conferências das Partes, nunca chegaram. Sendo as economias latino-americanas estruturalmente dependentes do norte, é fundamental que as corporações transnacionais sejam colocadas no debate como agentes a serem responsabilizados. Iniciativas como o Tratado Vinculante sobre Direitos Humanos e Empresas, promovido por movimentos populares, hoje discutido no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, podem e devem ser replicados à realidade regional.

Falar de clima na América Latina significa, também, reivindicar o conceito de soberania alimentar. As secas, as tempestades e inundações e as outras consequências da emergência climática afetam diretamente as safras e as condições de garantia de subsistência. No Brasil, e na América Latina em geral, justiça climática precisa estar intimamente conectada ao combate à fome.

Por fim, uma agenda climática viável para a nossa região precisa lidar com a questão da geração de emprego. Nossa transição ecológica tem que estar acoplada com desenvolvimento social, científico e tecnológico. Na América Latina, empresas de capital nacional, como as petroleiras, são parte fundamental deste processo. Empresas como a Petrobrás, no Brasil, a PDVSA, na Venezuela, a YPF, na Argentina, e a YPFB, na Bolívia, não podem estar excluídas do planejamento de transição energética. Pelo contrário: devem ser atores centrais, indutores do processo de transição justa e equitativa. Exemplo disso é o cronograma de descarbonização da Petrobrás e a orientação de transformá-la em empresa de energia, que estava incluído no planejamento da empresa até 2019. A transição energética na América Latina deve aprender com os erros que vêm sendo cometidos em outros lugares do mundo, em que a mitigação de emissões vem em detrimento de condições dignas de trabalho. 

Justiça climática como uma agenda de direitos

Fica evidente que a agenda de clima e meio ambiente precisa ser, sobretudo, uma agenda de direitos. Para isso, a América Latina tem um instrumento fundamental: o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, ou Acordo de Escazú. O acordo é simultaneamente um acordo jurídico, um tratado de direitos humanos e um mecanismo de cooperação e diálogo multilateral regional voltado para a expansão da participação pública e do acesso à informação na agenda ambiental. Mas é mais que isto: é crucial porque se propõe a juntar as agendas de meio ambiente e direitos humanos.

Não apenas o acordo dá condições de participação na agenda climática, com espaços regionais que dão acesso aos movimentos sociais e à sociedade civil, mas também reúne diversos elementos como direito a acesso à informação; direito à participação; direito a defensoras e defensores; direito a um meio ambiente são e ao desenvolvimento sustentável. Em especial, é urgente que a agenda climática e ambiental latino-americana atue fortemente no combate à violência contra defensores sócio-ambientais, já que na América Latina estão os países recordes de assassinato e violação de direitos de lideranças sociais e ambientais. O Acordo de Escazú pode e deve ser mobilizado para isso.

Na Amazônia, bioma que atravessa oito países e que é especialmente afetado por políticas anti-ambientais e pelo crescimento das redes de crimes ambientais, a cooperação internacional é fundamental. Sob o guarda-chuva da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), a cooperação pan-amazônica pode ganhar maior amplitude seja com o combate a crimes ambientais transnacionais, seja com a cooperação técnica multilateral, na qual o Observatório Regional da Amazônia, com impressionante capacidade de monitoramento e geração de dados, pode jogar um papel chave.

A integração que queremos

Para que os povos da América Latina garantam suas condições de vida e subsistência, é fundamental que exista uma agenda latino-americana autônoma para o clima: construída a partir dos problemas materiais latino-americanos, por meio da mobilização dos movimentos e das lutas populares, e incluindo políticas de desenvolvimento socioeconômico e combate às desigualdades. Construída desde a América Latina e para a América Latina – não para o norte global.

Construir uma agenda latino-americana de clima depende de muitos atores: tanto governos e instituições, como organizações regionais. Mas não pode ser feita sem a participação ativa dos movimentos populares. Afinal, têm sido os movimentos sociais que vem dizendo, há duas décadas, que a agenda internacional de clima reforça injustiças estruturais e a precarização da vida. O horizonte de chegada deve ser a transição justa, soberana e equitativa. O conceito que deverá orientar este processo? A justiça climática, com marcados recortes de gênero, classe e raça. O método? A integração regional pensada a partir da justiça – uma integração regional soberana, solidária e sustentável.

Hoje é inviável social, ambiental e economicamente levar adiante um novo ciclo de integração latino-americana baseado exclusivamente no extrativismo e na integração física, energética e infraestrutural via mega-projetos. A revitalização e ampliação da integração deve ser organizada ao redor de concepções ligadas a clima e meio ambiente, desde que isso esteja conectado com soberania nacional e desenvolvimento social. Afinal, são coisas estruturalmente entrelaçadas. Pensar justiça climática na América Latina é pensar, também, em reparação – responsabilizando aqueles que, historicamente, causam a crise climática e ecológica no sul:  as grandes corporações capitalistas transnacionais.

Parte grande do desafio é garantir que este programa político esteja traduzido nas nossas instituições e organizações regionais. A tarefa é ampliar a criatividade política para a construção de uma agenda latino-americana, pois o cenário que está dado é de dominação da agenda pelo norte e por suas demandas.

Nas últimas COPs, a América Latina, que historicamente atuou de forma coordenada em espaços multilaterais, sobretudo via GRULAC ou blocos menores de negociação, não tem construído uma agenda própria. No entanto, ainda nos primeiros dias de COP27, a CELAC lançou uma declaração conjunta, em um ano em que a região esteve em peso na Conferência, com pavilhões próprios de países como Chile, Colômbia e três pavilhões brasileiros. Na declaração, o óbvio: a necessidade de maiores recursos financeiros serem destinados dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Precisamos de recursos financeiros, e isto deve ser encarado como reparação, como instrumento de construção de justiça climática e de uma agenda ampla de direitos e inclusão social.

É clichê falar de “agora ou nunca” quando se fala de clima frente à iminência do colapso ecológico global. Com o urgente recorte regional, é um clichê que vale a pena repetir: ou se aproveita o cenário internacional favorável para a construção de uma integração e de uma agenda climática regional latino-americana ou perdemos o bonde da história – e deixamos assim que o clima continue sendo pautado pelo norte.

Sobre os autores

é doutoranda em Ciência Política na UERJ, e coordenadora de projetos da Plataforma Cipó.

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Published in América do Sul, Análise, Ecologia and Meio Ambiente

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