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A tentativa de invasão da Polícia Federal (PF) no dia 12 de dezembro, a tentativa de explosão no dia 24 de dezembro e o ataque de ontem configuram uma sequência de ações terroristas. Foto de Marcelo Camargo.

Para salvar nossa democracia, precisamos punir o golpismo bolsonarista

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Derrotado nas urnas, agora o bolsonarismo reage com uma sequência de ações violentas, mostrando que a vitória do povo ao eleger Lula não foi um pequeno feito diante do ciclo golpista iniciado em 2014. Não se trata de defender prédios, instituições e direitos de forma abstrata, mas defender as conquistas democráticas e a própria classe trabalhadora que os edificou.

Nas primeiras horas da madrugada de domingo, 8 de janeiro, uma imagem circulava por vários perfis bolsonaristas no Twitter: a recente invasão do palácio presidencial do Sri Lanka, ocorrida em julho de 2022. A imagem da invasão ao Capitólio era muito óbvia, embora lhes fosse inspiradora. Na tarde, os bolsonaristas marcharam sobre Brasília e foram bem recebidos pela polícia militar do Distrito Federal, não para os reprimir, mas para os guiar em segurança rumo à barbárie. Há violência empregada na destruição dos prédios dos três poderes, mas também há uma violência implícita na imagem de policiais bebendo água de coco enquanto os atos terroristas aconteciam. A violência também existe na omissão. 

Uma coisa deve ficar clara: o que aconteceu no domingo é o desdobramento de algo que começou em 2014, quando Aécio Neves não reconheceu a vitória da presidenta Dilma Rousseff. A Caixa de Pandora do golpismo, no entanto, foi aberta com o impeachment ilegal de Dilma e, finalmente, escancarada com a prisão de Lula para não concorrer e vencer a eleição presidencial de 2018. Agora as forças reacionárias lutam para que o terceiro governo Lula não seja concluído, o que fecharia essa Caixa, que segundo o mito guardava todos os males do mundo.

“A vitória do povo ao eleger o presidente Lula não é um feito pequeno e por isso a reação é tão grande.”

Os ataques bolsonaristas em Brasília devem ser considerados como terrorismo ou tentativa de golpe de Estado? É preciso tratar essa questão juridicamente, já que é justamente a legalidade um dos alvos da extrema direita. 

Terrorismo e Golpe de Estado

A Constituição do Brasil tem como um dos seus princípios o repúdio ao terrorismo. Além disso, proíbe anistia a terroristas. A Lei Antiterrorismo se limita a definir como terrorismo alguns atos movidos por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião para causar terror social ou generalizado.

As ações criminosas deste final de semana se encaixam no previsto na Lei:  apoderaram-se com violência de instalações públicas (Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal). Só que a motivação desse ataque é política, o que estaria além do previsto na Lei, uma vez que a causa é política, muito embora o bolsonarismo, enquanto movimento, se baseie em boa parte desses preconceitos e na xenofobia. 

Por uma interpretação restrita, deveríamos considerar a definição legal do Golpe de Estado, o art. 359-M do Código Penal: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído – Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência”. Para efeito de comparação, a pena para terrorismo é de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão. 

Mas a grande ironia quanto a questão é que a própria definição do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) para terrorismo é muito mais ampla do que a Lei:

As preocupações com o terrorismo no território brasileiro, no entanto, não se restringem à atuação de organizações terroristas formal ou publicamente estabelecidas. Também envolvem ameaças provenientes de potenciais atos de violência com motivação política, religiosa, ideológica e étnica que apresentem propósito de geração de pânico, terror e sensação de insegurança na sociedade brasileira.

Exemplos de indícios que, combinados, revelam sinais de possíveis planos terroristas em andamento:

  • Aquisição e manuseio de armas, munições, acessórios e equipamentos de uso restrito e sem a devida autorização
  • Tentativas de acesso não autorizado a áreas restritas de instalações públicas ou privadas de grande circulação
  • Discursos extremados, inclusive em redes sociais, de ódio e incitação à violência
  • Divulgação de ameaças, inclusive em redes sociais, de atentados terroristas

Para o GSI, que até o dia 31 de dezembro de 2022 era comandado pelo general Augusto Heleno, não resta dúvida que o que foi feito pelos bolsonaristas foram atos de terrorismo. A tentativa de invasão da Polícia Federal (PF) no dia 12 de dezembro, a tentativa de explosão no dia 24 de dezembro e o ataque de ontem configuram uma sequência de ações terroristas, organizada virtualmente e nos acampamentos que “são celeiros incubadoras de terroristas”, como bem disse o ministro Flávio Dino. O GSI sob o comando dos militares não pode alegar ignorância ou uma visão restrita da Lei. Valerá agora que isso pode e deve ser usado contra o bolsonarismo?

Quando não agir significa agir – e isso serve inclusive para nós

Estamos diante de uma grande prevaricação em massa de agentes públicos, o que não é uma mera omissão, mas uma ação deliberada de não fazer o que a Lei determina que se faça – ou deixar acontecer aquilo que cabe ao agente lutar para impedir. Certamente, nunca poderemos identificar e punir todos extremistas de direita que atacaram o Distro Federal, mas os agentes públicos que prevaricaram, podem ser identificados e devem ser punidos. 

E quando identificados, cabe-nos nomear: Anderson Torres, ministro da Justiça de Bolsonaro, tornado secretário de segurança pública do Distrito Federal pelo governador Ibaneis Rocha. Estranhamente, Torres está de viagem em Orlando, na Flórida, onde também está Jair Messias Bolsonaro. Viagem ou fuga antecipada? Cabe investigar.

Assim como resta investigar e responder às questões colocadas antes mesmo deste último ataque – algumas delas que o próprio presidente Lula colocou na sua fala: quem financiou os acampamentos, as armas do terrorista George Washington, as redes virtuais de mentiras e os ônibus que levaram os golpistas para Brasília? Há envolvimento de políticos com mandato? Não se deve restringir as investigações aos “crimes de colarinho amarelo”, cometidos pelos bolsonaristas nas ruas. Os crimes de colarinho branco que condicionaram financeiramente e politicamente esses atos também precisam ser apurados.  

O que fazer

Lembremos do que houve, há poucos anos na Bolívia, e como, talvez tivemos sorte em 2019. E lá, não só os envolvidos no golpe responderam a processos como, governadores envolvidos nas últimas agitações políticas contra o governo, também foram presos – não há como o poder democrático tolerar elementos que promovem atos visando sua própria destruição.

Assim como é certo que, ontem, foi tentativa de golpe por meio de terrorismo. A política criminal deve ser orientada a combater o terrorismo. Porém, diante das lacunas da Lei Antiterrorismo, a aplicação penal deve ser com base nas normas de direito penal orientadas para a defesa do Estado democrático, como tem indicado o ministro Flávio Dino – assim como impõe uma tarefa para o novo governo em combater de perto essas ameaças, sem subestimar o adversário.

“Nunca foi uma questão só de preto e pobre, mas de todo o sistema democrático. Uma democracia que não está apta a garantir a vida dos mais vulneráveis, é incapaz de defender as suas próprias instituições. “

Contudo, não se deve condenar uma eventual interpretação extensiva da Lei Antiterrorismo – o que é, em um primeiro momento, condenada pela doutrina do direito penal –, para corrigir a sua deficiência em definir legalmente, com clareza, quem – e o que – de fato é terrorista. Na decisão que afastou o governador Ibaneis Rocha, o ministro Alexandre de Moraes indicou ter esta compreensão. 

As regras do direito penal não podem ser interpretadas extensivamente, isto é, em tese os juízes não podem alargar a interpretação de crimes e condutas. Isso existe com a finalidade de proteger o cidadão diante do Estado que detém o poder de punir, mas no caso de ontem ocorre justamente o inverso: a “lei do mais forte” está do lado dos terroristas golpistas – que nem titubeiam em destruir o patrimônio público, agredir jornalistas e ferir animais. Por isso, decisões como a tomada ainda pela madrugada pelo ministro Alexandre de Moraes, que afastou temporariamente o governador do Distrito Federal e descreveu claramente “atos de terrorismo”, são acertadas.

O desafio político antigolpista do socialismo

Se o desafio jurídico é grande, o desafio político é muito maior. Diante da cumplicidade de forças policiais com os manifestantes, a crise de autoridade fica nítida. Confirma-se a importância da luta que os movimentos sociais travam há anos contra o genocídio da população negra. Nunca foi uma questão só de preto e pobre, mas de todo o sistema democrático. Uma democracia que não está apta a garantir a vida dos mais vulneráveis, é incapaz de defender as suas próprias instituições. 

A extrema direita sempre usou a reação às demandas populares para arregimentar o apoio de policiais. Enquanto o povo pedia vida, políticos como Bolsonaro e Moro defendiam excludente de ilicitude para matar. E agora? Uma reforma profunda da segurança pública é urgente, mas não será um processo fácil. Quanto às Forças Armadas, há um enorme desafio em enquadrar os militares numa ordem legal e democrática.

“É momento de unidade em torno de um projeto democrático e popular. O governo não deve ser poupado de críticas, mas deve ser defendido de todo tipo de ataque.”

A vitória do povo ao eleger o presidente Lula não é um feito pequeno e por isso a reação é tão grande. É momento de unidade em torno de um projeto democrático e popular. O governo não deve ser poupado de críticas, mas deve ser defendido de todo tipo de ataque, mesmo os não explicitamente violentos. Não basta ter uma subjetividade socialista, é essencial uma objetividade socialista que oriente nossas ações políticas mais cotidianas de forma pragmática e efetiva. 

É uma questão de classe: a razão de ser do golpismo e do terrorismo bolsonarista é a manutenção de uma política ultraneoliberal que se converte em fascismo prático: ela é miséria, desemprego, morte e destruição ambiental. Derrotado nas urnas, depois de ter abusado do seu poder político e econômico para se reeleger, agora o bolsonarismo e sua rede reagem pela violência. A partir daí, não existe tolerância que justifique a já atrasada criminalização do bolsonarismo. Ainda mais diante dos silêncios do ex-presidente, que são claramente coniventes e parte dessa conspiração. Não se trata de defender prédios, instituições e direitos de forma abstrata, mas da própria classe trabalhadora que os edificou.

Sobre os autores

trabalha na Defensoria Publica, militante socialista filiado ao Partido dos Trabalhadores, mestre em direito pela PUC-SP e membro do Instituto Humanidade, Direito e Democracia (IHUDD).

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Militarismo and Política

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