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O cineasta argelino Mohammed Lakhdar-Hamina (terceiro da esquerda), o ator grego Yorgo Voyagis (segundo da direita) e a atriz marroquina Leila Shenna (terceira da direita) chegam para a exibição do filme Crônica dos Anos de Fogo durante o Festival de Cannes Festival em Cannes, sul da França, em 14 de maio de 1975. Ralph Gatti/AFP via Getty Images

O cinema argelino nasceu da luta contra o colonialismo francês

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Tradução
Gercyane Oliveira

O cinema nacional da Argélia surgiu do debate intercultural e da solidariedade que era vital para resistir ao colonialismo e à guerra francesa. É um exemplo marcante das forças internacionalistas do cinema comprometidas com as lutas de libertação nacional.

O nascimento do cinema argelino está intimamente ligado à luta contra o colonialismo francês. Desde o início da insurreição em novembro de 1954, orquestrada pela Frente de Libertação Nacional (FLN), até a independência em julho de 1962, a guerra causou pelo menos 1,5 milhão de mortes em ambos os lados – há um longo debate sobre os números exatos.

O debate teve um amplo eco na Europa e além, em parte devido ao uso da tortura pelas tropas francesas. Embora algumas filmagens da guerra tenham circulado no Ocidente, inclusive em noticiários, estas imagens foram cuidadosamente recortadas e, em sua maioria, excluíram qualquer evidência documental de atrocidades francesas como a tortura e o uso de napalm.

O escândalo causado pela publicação de um pacote de fotos desse tipo na revista francesa L’Express, já em 1955, mostra como o público francês era ambivalente em relação à presença colonial na África. Como Emma Kuby observou, as imagens não vieram de forma alguma “para servir como representações icônicas da guerra argelina”; embora elas “provoquem com sucesso uma resposta coletiva de horror e vergonha”, não foram suficientes para mudar os termos do debate político.

Na medida em que houve filmes franceses feitos durante e sobre a guerra – como foi o caso, entre outros, de Le petit soldat (Jean-Luc Godard, 1963), Muriel (Alain Resnais, 1963) e Adieu Philippine (Jacques Rozier, 1962) – eles ou foram claramente censurados ou a data de lançamento foi adiada. Dito isto, algumas imagens da guerra circularam na França no que foi chamado de cinéma parallèle, uma espécie de sistema de distribuição alternativo e clandestino.

A guerra na Argélia, durante muito tempo negada e reduzida pelas autoridades francesas a alguns “eventos” (événements), foi também uma guerra de imagens – uma guerra em que as imagens serviram como armas. Como os franceses, os argelinos também começaram a desenvolver seu próprio conjunto de imagens para circular durante a guerra.

Agora, se aceita que “o cinema nasceu da guerra de libertação e foi feito para servi-la”, como escreveu Hala Salmane em Cinema Argelino, publicado pelo Instituto Britânico de Cinema em 1976. Como ele serviu a esta guerra de libertação? Em grande parte, a missão dos primeiros anos do cinema argelino era mostrar que estava acontecendo uma guerra e contrariar a narrativa francesa sobre a guerra.

Essa era uma narrativa nacional, mas é importante enfatizar que ela foi influenciada por ideias e pessoas vindas do exterior, muitas das quais haviam sido inspiradas pela luta de libertação da Argélia e optaram por ir e participar. Esta solidariedade, internacionalismo e terceiro-mundismo foram fundamentais para o cinema argelino em seus estágios iniciais, e ajudaram a moldar o cinema do país que viria.

Início

O nascimento do cinema argelino, então, foi profundamente internacional. Em seus primórdios, caracterizou-se por um fluxo constante de equipamentos, ideias e cineastas entre argelinos e outros países do norte da África (predominantemente a Tunísia), bem como entre as duas margens do Mar Mediterrâneo e mais além.

Os cineastas vieram da França para participar dos primeiros dias do cinema argelino. Um cineasta em particular, René Vautier, foi fundamental para este processo; nas palavras do historiador do cinema Ahmed Bedjaoui, seu nome é “para sempre ligado ao nascimento do cinema argelino”.

O papel de Vautier não pode, e não tem sido subestimado. Nascido em 1928, ele lutou muito jovem na Resistência contra o fascismo nazista na França antes de se voltar ao cinema. Seus primeiros filmes – como Afrique 50 (1950) – foram abertamente anticoloniais. Depois de 1954, ele não se limitou a apoiar a FLN, mas ajudou o exército argelino a desenvolver suas próprias capacidades de filmar e editar filmes.

Ele rodou o filme de média-metragem Algérie en flammes (1958), um dos primeiros filmes produzidos durante a guerra, que foi editado e desenvolvido na Alemanha Oriental – um claro exemplo de solidariedade internacionalista e apoio à revolução argelina.

Com o intelectual e militante franco-martinicano Frantz Fanon, escreveu o roteiro de J’ai huit ans (1961), rodado na Tunísia e dirigido pelo ex-soldado francês transformado no anticolonialista Yann Le Masson e a francesa-iugoslava Olga Poliakoff. O roteiro foi baseado nos esboços de crianças argelinas refugiadas na Tunísia, coletados com a ajuda do italiano Giovanni Pirelli, uma figura chave do terceiro mundo italiano.

As imagens rodadas por Vautier foram então utilizadas em Djazaïrouna (Notre Algérie, 1960-1961), codirigido por Pierre Chaulet, Djamel Chanderli, e Mohamed Lakhdar-Hamina; Lakhdar-Hamina se tornaria um dos mais importantes cineastas argelinos. Naquele tempo, na Argélia, o conceito de autoria era mais fluido do que é hoje. Os cineastas trabalham coletivamente em vários filmes dedicados à causa argelina, cada um compartilhando o crédito de diretor.

A solidariedade entre os argelinos e os cineastas franceses radicais foi significativa. Jacques Charby, membro da Réseau Jeanson (a Rede Jeanson, que ajudou a luta argelina a partir da França), foi ativo na Argélia e na Tunísia e realizou o primeiro longa-metragem argelino, Une si jeune paix (1965).

O jornalista e romancista Serge Michel – uma figura fascinante sobre a qual é necessária mais pesquisa – fez parte da FLN e contribuiu para os diversos veículos de comunicação ligados ao partido, além de fazer filmes. A editora Cécile Ducugis, figura-chave da Nova Onda Francesa, dirigiu Les Réfugiés (La Distribution de pain) na fronteira argelino-tunisina em 1957 e depois foi presa por seu apoio à causa argelina.

O diretor Pierre Clément também fazia parte do grupo de cinema da FLN. Como Mohammed Bedjaoui observou com precisão: “Integrando cineastas militantes estrangeiros, incluindo vários franceses, a FLN conseguiu enviar uma mensagem moderna das aspirações revolucionárias do povo argelino”.

Para além da França, uma figura importante foi o operador de câmera iugoslavo Stevan Labudović, mais famoso por seu trabalho com Josip Broz Tito, que ele filmou tanto no país como no exterior. Por sua obra filmando a guerra argelina ele é agora considerado um herói entre os argelinos; ele tem até mesmo um espaço no Museu Nacional de El Moudjahid, em Argel. Surpreendentemente pouco se sabe sobre ele, até que o cineasta Mila Turajlić, que o havia entrevistado antes de sua morte, lançou um documentário baseado em filmagens de arquivo – Non-Aligned e Cine-Guerrillas – ambos estão agora em circuito dos festivais de cinema.

Ainda menos conhecido é o envolvimento de Karl Gauss, um documentarista de grande sucesso da DEFA (Deutsche Film-Aktiengesellschaft, o estúdio de cinema estatal da República Democrática Alemã, ou RDA), que filmou uma trilogia na Tunísia, na fronteira com a Argélia, em 1961. Estes três filmes mostram não apenas o envolvimento da Alemanha Oriental na luta, mas também como a questão argelina se tornou o catalisador para outras questões.

Em uma entrevista de 1962 com a revista cinematográfica francesa Positif, Gauss observou que o principal objetivo do filme Allons enfants… pour l’Algérie era denunciar o espírito neocolonialista da República Federativa da Alemanha ( RFA). O escritor Perrine Val concluiu que para a RDA “a guerra argelina era uma ocasião para demonstrar solidariedade com a FLN, mas sobretudo para ter argumentos adicionais em seu confronto ideológico com a FRG”.

Os cineastas italianos também estiveram envolvidos nestes primeiros dias do cinema argelino. Alguns fizeram ou tentaram fazer filmes sobre libertação, pelos quais havia muita simpatia na Itália. Um caso interessante foi o projeto de um filme inacabado, co-escrito, entre outros, por Sergio Spina (que mais tarde dirigiu uma co-produção italiano-argelina) e o escritor Franco Solinas, da Batalha de Argel; Jean-Paul Sartre, também esteve envolvido em um ponto.

Ao contrário dos franceses, cujo envolvimento nacional na guerra viu seus cineastas virem mais cedo para a Argélia, as co-produções argelino-italianas decolaram em grande parte após a guerra – principalmente com a produtora argelina Casbah Film (fundada pelo ex-guerrilheiro Saadi Yacef), que produziria A Batalha de Argel.

Durante a própria guerra, a contribuição mais importante da Itália foi a edição e o desenvolvimento de filmes argelinos nos laboratórios cinematográficos italianos — uma relação que continuou depois de 1962, pois só muito mais tarde a indústria cinematográfica argelina teve a capacidade de desenvolver filmes. A edição e o desenvolvimento de filmes também foi um ato de solidariedade.

Capital do Terceiro Mundo

Esses intercâmbios internacionais tiveram um amplo impacto. René Vautier permaneceu no país para ajudar a organizar as instituições cinematográficas, que se mostraram, nos primeiros anos de vida da Argélia, muito abertas ao cinema estrangeiro, particularmente ao cinema político.

E não foi só o cinema que floresceu naqueles anos: a capital Argel se tornou, como Amílcar Cabral escreveu, a famosa “Meca da Revolução”, ou a capital do Terceiro Mundo, um lugar onde confluem dissidentes, revolucionários e agitadores anticoloniais. Podemos ver os efeitos disso nos famosos filmes de William Klein, como o Festival Panafricain d’Alger (1969) e Eldridge Cleaver, Black Panther (1970) – o líder dos Panteras foi exilado na Argélia – e em Archie Shepp chez les Touaregs (1971), recentemente redescoberto no Institut national de l’audiovisuel em Paris.

Outro exemplo é o de L’Aube des damnés de Ahmed Rachedi, escrito por René Vautier e o grande intelectual amazigh Mouloud Mammeri, talvez a pessoa que mais contribuiu para a sobrevivência e reorganização da língua berbere na Argélia. O filme é sobre a luta pela independência, tanto na Argélia como em outros lugares.

Os diretores argelinos que começaram a filmar durante a guerra, ao lado de diretores internacionais, tornaram-se alguns dos mestres do cinema argelino, como Rachedi, diretor de L’opium e le baton (1971), e Lakhdar-Hamina, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes com Crônica dos Anos de Fogo (1975). Cineastas estrangeiros como o francês Charby e Vautier, ou os diretores italianos Ennio Lorenzini e Gillo Pontecorvo, também contribuíram para o cinema argelino.

O cinema argelino nasceu desta experiência única de intercâmbio cultural e solidariedade internacional contra o colonialismo e a guerra francesa. A cooperação transnacional que sustentou a indústria cinematográfica do país mostra que na Argélia, como em qualquer outro lugar, um cinema “nacional” — um cinema que assume questões de interesse nacional — não precisa ser contido nacionalmente.

Na Argélia, o trabalho de filmagem, edição, treinamento, desenvolvimento de filmes e fomento de ideias se deslocou através das fronteiras para criar um cinema nacional vital.

Sobre os autores

é professor visitante na Ohio State University, nos Estados Unidos. Ele é co-editor do livro Pier Paolo Pasolini, Framed and Unframed: A Thinker for the Twenty-First Century.

Cierre

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Published in Africa, Análise, Cultura, Europa and Guerra e imperialismo

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