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Fazendeiros arrendatários colhendo algodão no Mississippi por volta de 1890. (Departamento de Arquivos e História, Divisão de Serviços de Arquivos e Registros do Mississippi)

O movimento popular negro foi apagado dos livros de história

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Tradução
Priscilla Marques

No final dos anos 1800, os agricultores negros do sul dos EUA construíram um movimento de massa para resistir à opressão. Embora sejam muitas vezes esquecidos hoje em dia, seus atos de solidariedade interracial aterrorizaram a classe dos fazendeiros, que respondeu com violência e leis segregacionistas.

Quando um homem negro chamado Oliver Cromwell começou a organizar em 1889 as divisões locais da Colored Farmers’ Alliance (Aliança dos Agricultores Não Brancos) em todo o condado de Leflore, Mississippi, e arredores, tanto os fazendeiros brancos quanto os negros ficaram atentos, embora por motivos diferentes.

Fundada no Condado de Houston, Texas, apenas três anos antes, a Colored Farmers’ National Alliance and Cooperative Union (Aliança Nacional de Agricultores Não Brancos e União Cooperativa), ou “Colored Alliance” (Aliança Não Branca), como era mais comumente conhecida, rapidamente se expandiu para mais de um milhão de membros em todo o Sul e além.

O grupo oferecia programas de autoajuda para fazendeiros negros, realizava campanhas de compra de casa própria, defendia preços justos, oferecia programas de educação sobre práticas agrícolas modernas, informava os fazendeiros sobre seu poder de compra cooperativa, fazia lobby junto aos órgãos legislativos e até mesmo lançava greves e boicotes.

No Condado de Leflore, onde três quartos dos residentes eram negros e dois terços deles trabalhavam como rendeiros, muitos deles anteriormente haviam sido escravizados. Cromwell e a Colored Alliance ofereciam a esperança de derrubar a classe dominante dos fazendeiros nos anos precários entre o fim da Reconstrução e o advento de Jim Crow.

Cromwell, cujo mesmo nome foi um herói afro-americano da Guerra Revolucionária, tinha uma longa história de coragem diante das ameaças violentas. Ele serviu no 5º Regimento de Artilharia Pesada de Pessoas Não Brancas dos Estados Unidos na Guerra Civil, lutando na Batalha de Milliken’s Bend. E enfrentou o Massacre de Clinton de 1875, onde quase sessenta pessoas foram assassinadas e outras trinta ficaram feridas, após um comício e piquenique para políticos negros da era da Reconstrução no Mississippi.

Ilustração da Batalha de Milliken’s Bend, em 7 de junho de 1863, parte da Campanha de Vicksburg na Guerra Civil Americana, na qual soldados afro-americanos levaram a União à vitória. (Harper’s Weekly, 4 de julho de 1863)

Assim, com as elites brancas inflamadas por sua organização de rendeiros, Cromwell se viu novamente em perigo. Ameaças de morte, tanto verbais quanto impressas, foram registradas. Em apoio a Cromwell, setenta e cinco representantes armados da Colored Alliance transmitiram sua própria mensagem: eles não seriam intimidados, tinham poder em números e eram treinados militarmente.

No entanto, o ato de desafio e solidariedade não foi suficiente. Multidões de homens brancos de toda a região invadiram a cidade em busca de fazendeiros negros, com pouca atenção se as pessoas que estavam atacando eram mesmo membros da Colored Alliance, ou não.

O governador convocou a Guarda Nacional, mas ela se dispersou rapidamente quando a multidão ficou fora de controle. Quando os ataques mortais chegaram ao fim, mais de vinte cidadãos negros haviam falecido, sendo que alguns relatos afirmam que o número se aproximaria de duzentos.

Embora ter possuído uma vida curta e ter sido pouco conhecida atualmente, a Colored Farmers’ Alliance e grupos semelhantes, no final do século XIX, formaram o maior movimento político negro no Sul antes do movimento moderno pelos direitos civis.

O movimento popular negro não só ajudou a pavimentar o caminho para a resistência posterior entre os rendeiros, fazendeiros e outros trabalhadores rurais negros, mas também cultivou o solo para a construção de uma política negra de massas e criando esperança para uma alternativa ao sistema racista e excludente.

A Colored Alliance 

A Colored Farmers’ Alliance foi criada em 1886 no Condado de Houston, Texas, por dezesseis homens negros na fazenda de Richard M. Humphrey, um ministro batista branco e ex-soldado confederado. Entre os líderes negros que se juntaram a Humphrey no comando estavam J. J. Shuffer como presidente e H. J. Spencer, como secretário.

A principal missão da Colored Alliance era dar aos agricultores negros as ferramentas para combater a queda dos preços das commodities, as altas taxas de juros e o aumento dos custos de abastecimento, mas também combater as práticas discriminatórias dos proprietários de terras, feitas pelos empresários brancos.

Em todo o Novo Sul, a organização dos negros estava sendo recebida com violência. Para se proteger, o estatuto do grupo especificava que eles funcionariam como uma organização secreta com senhas, como faziam as organizações fraternais negras. Eles também observaram que atuariam separadamente da National Farmers’ Alliance (Aliança Nacional de Agricultores), que excluía os afro-americanos das listas de associados.

Um breve artigo no Clarion Ledger (MS), em 2 de maio de 1889, registrou a abertura de novas filiais da Colored Alliance na Carolina do Sul. Quando o grupo fazia anúncios públicos, geralmente, especificavam que seus objetivos eram de autoajuda e não políticos, mesmo que, na realidade, o grupo tivesse a intenção de enfrentar o sistema. (Clarion Ledger, 2 de maio de 1889).

A Colored Alliance treinava os membros em governança econômica e política, promovia programas de formação de caráter, apoiava a ajuda mútua na comunidade, defendia mais escolas para as crianças afro-americanas, promovia um tratamento mais humano para os trabalhadores agrícolas negros detidos e ensinava os membros sobre seus direitos civis. Eles expandiram seu poder de compra coletiva, operando nas bolsas de Houston, Texas; Nova Orleans, Louisiana; Charleston, Carolina do Sul; Mobile, Alabama; e Norfolk, Virgínia. O grupo pioneiro chegou a fundar seu próprio jornal em 1889 para coordenar esforços e se comunicar entre os estados.

Em poucos anos — graças às redes existentes de igrejas negras, organizações fraternais, sindicatos alinhados como a Colored Agricultural Wheel (Roda Agrícola de Não Brancos) e com a tenacidade de organizadores estaduais como Cromwell no Mississippi, Ben Patterson no Tennessee e o Rev. W. A. Pattillo na Carolina do Norte — a Colored Alliance ostentava mais de um milhão de membros, embora esse número provavelmente tenha sido inflado.

Embora não existam registros de membros ou de instituições, Humphrey afirmou que o Alabama, e Mississippi, a Carolina do Sul e o Texas tinham entre noventa mil e cem mil membros da Colored Alliance, com outros estados do sul relatando quantidades consideráveis logo abaixo disso. Somente no Texas, cinquenta e seis condados tinham estatutos da Colored Alliance, com milhares de subdivisões.

Embora os membros da Colored Alliance e da National Farmers’ Alliance tivessem objetivos diferentes e, até conflitantes (a maioria dos membros brancos da Farmers’ Alliance, principalmente os líderes, possuíam terras e empregavam trabalhadores rurais), os dois, às vezes, trabalhavam juntos.

Os líderes da aliança branca participaram da reunião anual de delegados da Colored Alliance em St. Louis em 1889 e novamente em Ocala, Flórida, em 1890. Pattillo, da Carolina do Norte, observou que os membros de ambas as alianças ajudaram a recrutar clandestinamente fazendeiros negros para a Colored Alliance.

Constituição da Colored Farmers’ National Alliance and Cooperative Union dos Estados Unidos da América. (Arquivo Virtual da Virgínia)

Haviam casos em que os grupos trabalhavam juntos, ultrapassando as fronteiras raciais e estaduais para participar de um boicote ao preço da estopa – que era usada para embrulhar fardos de algodão – a partir de 1888. Alguns anos depois, em Louisiana, os membros brancos e negros da aliança se uniram contra o programa de loteria estadual, que eles consideravam uma ameaça mútua aos agricultores pobres seduzidos por esquemas de enriquecimento rápido.

Ainda assim, os líderes da National Farmers’ Alliance se recusaram a ceder em sua política de exclusão racial, declarando que eram “a favor da justiça igual e exata para todos os homens, independentemente de raça, cor ou condição anterior”, mas que queriam que “todas as organizações não brancas tivessem suas próprias organizações estaduais e nacionais, bem como suas próprias escolas, igrejas, hotéis e acomodações ferroviárias separados”

Enquanto a Colored Farmers’ Alliance ganhava muitos convertidos, outra organização agrária com nome semelhante, a National Colored Alliance (Aliança Nacional de Não Brancos), também estava florescendo no Sul, com 250.000 membros.

Os dois grupos eram marcados por desentendimentos que “dividiam nossas igrejas… amargavam nossas comunidades e criavam discórdia em nossas famílias”. Embora em 1890 tenha acontecido uma breve conversa sobre a fusão das organizações, as divergências de liderança minavam qualquer possibilidade de união.

Em 1891, no auge de seu volume de associados, a Colored Alliance tentou organizar uma greve de colhedores de algodão, para obter melhores preços para suas colheitas. Se os proprietários de terras podiam conspirar juntos para manter os preços baixos, os rendeiros pensavam que eles também poderiam se unir e exigir um dólar por cem libras de algodão.

Embora a greve pendente tenha sido amplamente divulgada e o número de membros do sindicato tenha sido grande, quando a data planejada de 12 de setembro chegou, apenas o Texas registrou movimentação.

No final do mês, no entanto, a violência irrompeu novamente 160 quilômetros ao norte de Leflore, no Condado de Lee (Arkansas). No calor do delta do Arkansas, um homem chamado Ben Patterson estava organizando catadores de algodão negros, para pressionar por 75 centavos de dólar por libra. (Não ficou evidente se Patterson teria alguma afiliação direta com a Colored Alliance ou com a greve planejada anteriormente)

Esta manchete de jornal registra os detalhes do que hoje é chamado de Massacre do Condado de Lee. (Arkansas Gazette, 2 de outubro de 1891)

Mais uma vez, os que estavam no poder responderam com violência. Grupos de brancos furiosos atacaram os grevistas, com quinze vidas negras perdidas nos ataques e outras nove presas. Dos quinze, nove foram detidos, colocados sob custódia policial e linchados. Na Arkansas Gazette, manchete de 2 de outubro de 1891, dizia: “Nove negros linchados: o problema do Condado de Lee foi resolvido com corda”. Um superintendente de plantação branco também morreu.

A Colored Alliance nunca se recuperou.

Breves esperanças de cooperação inter-racial

Por volta da mesma época, um sindicato de fazendeiros brancos chamado Agricultural Wheel (Roda Agrícola) novamente aumentou a esperança de cooperação interracial.

Organizado perto de Des Arc, Arkansas, em 1882, a missão do grupo se assemelhava a muitas outras organizações de ajuda entre os agricultores da época, inclusive a Colored Alliance. Eles apoiavam a compra e venda cooperativa, a quebra dos monopólios, o estabelecimento de uma comissão ferroviária e educação para as massas.

A aceitação de agricultores negros às fileiras da Wheel variava de local para local. Os Wheelers negros conseguiram organizar-se com êxito no condado de St. Francis, no Arkansas, apesar das violentas retaliações, no Tennessee e em outros locais os agricultores negros criaram uma ramificação totalmente independente, denominada Colored Agricultural Wheel.

Em outras regiões, o sectarismo prevaleceu sobre a política de classe: Wheelers de estados como Arkansas e Kentucky lutaram veementemente contra a remoção da palavra “branco” dos requisitos e estatutos da Agricultural Wheel nesse mesmo ano. Porém, em 1887, a Wheel fundiu-se com uma outra organização chamada Brothers of Freedom (Irmãos da Liberdade), que impedia a adesão de agricultores negros e anunciou planos para uma reunião de integração com a Southern Alliance (Aliança do Sul), que limitava a adesão para “pessoas brancas com mais de dezesseis anos de idade que se dedicassem à agricultura e atividades afins”.

O preâmbulo da Constituição da Grand Agricultural Wheel do Estado do Alabama definia a missão e a visão da organização, maioritariamente branca, para uma classe trabalhadora unida. (Museu dos Agricultores Proprietários do Sul)

Enquanto qualquer esperança de cooperação organizacional se dissipava, no Arkansas, os membros brancos da Agricultural Wheel (Roda Agrícola) (em sua maioria antigos democratas) e os líderes da Colored Agricultural Wheel (todos antigos apoiantes do Partido Republicano) uniram forças para atacar a classe dominante democrata com o nascente Arkansas Union Labor Party (Partido Trabalhista da União do Arkansas).

Embora só tenham participado em dois processos eleitorais, em 1888 e 1890, as vitórias do partido trabalhista marcaram a única vez em que o sistema dominado pelos democratas no estado, enfrentou séria oposição nas urnas. O ministro batista G. W. Lowe, presidente da Colored Agricultural Wheel do Estado do Arkansas, atuou como deputado da Câmara Estadual em 1891, tal como muitos outros afro-americanos localmente.

Os democratas da classe dominante já tinham visto o suficiente. Em 1891, aprovaram leis para privar de direitos os eleitores brancos e negros pobres do Arkansas e, em 1892, um novo imposto estatal sobre as eleições selou o acordo. Em outros lugares, as elites sulistas usaram a mesma fórmula. Estavam aterrorizadas com o progresso organizativo que as massas tinham feito, mesmo que em trajetórias ligeiramente separadas e um tanto segregadas.

Numa tentativa de eliminar de forma decisiva a política de classe e qualquer indício de solidariedade interracial, os detentores de poder promulgaram leis Jim Crow para sufocar qualquer desafio à ordem segregacionista. Quando as leis não eram suficientes, a violência e a intimidação nas urnas e em outros locais ajudavam a manter os trabalhadores pobres divididos e a supremacia branca forte.

A violência contra os afro-americanos aumentou nos anos seguintes à Reconstrução, a década de 1890 registrou novos níveis de terror racista e de opressão política. Entre 1890 e 1905, todos os Estados do Sul aprovaram leis de alfabetização, de imposto eleitoral e segregaram oficialmente as suas instalações públicas. Os linchamentos tornaram-se assustadoramente comuns e a organização de trabalhadores cada vez mais difícil.

Lutas populares negras

Os membros da Colored Alliance eram apenas um dos grupos de trabalhadores negros do Sul que sofreram violência no período pós-reconstrução. Um grupo da Carolina do Sul chamado Co-operative Workers of America (Co-operativa de Trabalhadores da América), procuravam eliminar a dependência dos trabalhadores rurais negros dos comerciantes rurais e das lojas da empresa, foram alvos de ataques ferozes em 1887.

Nesse mesmo ano, uma greve organizada pelos Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho) e por trabalhadores negros das plantações de açúcar de Louisiana, foi recebida com violência mortal, tendo mais de sessenta pessoas perdido a vida no que viria a ser conhecido como o Massacre de Thibodaux.

Mulheres fotografadas cortando cana-de-açúcar em Louisiana, na mesma época do Massacre de Thibodaux. (Biblioteca do Congresso dos EUA)

Tais ações violentas foram uma resposta brutal ao crescimento de poder econômico, político e social que os cidadãos negros haviam conseguido acumular. Entre a Reconstrução e 1890, a quantidade total de terras pertencentes aos afro-americanos triplicou. A alfabetização e as matrículas escolares subiram dramaticamente e os republicanos negros ganharam e ocuparam assentos políticos em todo o Sul graças, em sua maioria, aos eleitores negros.

Grupos como a Colored Alliance e outras associações de agricultores negros, embora talvez não tenham sido bem sucedidos nos seus objetivos imediatos, ajudaram a criar oposição aos Democratas das plantações através de políticas de terceiros, combatendo a economia agrária opressiva e servindo de exemplo para futuros momentos de resistência dos agricultores negros e interraciais, incluindo a Southern Tenant Farmers Union (União dos Agricultores Rendeiros do Sul) dos anos 30.

O movimento popular negro pode ter sido apagado dos livros de história. Mas, no seu tempo, foi uma força poderosa.

Sobre os autores

Karen Sieber

é uma historiadora e humanista digital especializada em tumultos, resistência e história da justiça social. Ela é mais conhecida por seu trabalho sobre o Verão Vermelho, o massacre de Tulsa e a greve da Loray Mill em 1929.

Cierre

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Published in América do Norte, Análise, Educação, História and Humanos

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