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O legado revolucionário de Che Guevara e sua luta por justiça social na América Latina persistem como um farol de esperança e inspiração.

A última revolução de Che Guevara

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Tradução
Sofia Schurig

O guerrilheiro argentino Che Guevara foi covardemente assassinado neste dia em 1967 pelo exército boliviano a mando da CIA. Ele foi à Bolívia para consolidar a revolução latino-americana - e mesmo tendo caído em combate sua luta por justiça social ecoa até hoje no coração das novas gerações.

Para visitar Vallagrande, o lugar onde Ernesto Che Guevara passou as últimas semanas de sua vida, é preciso fazer uma viagem muito longa. Primeiro, é necessário chegar a Santa Cruz, a cidade mais populosa da Bolívia, e lá pegar um dos antigos e maltratados ônibus que percorrem uma sinuosa estrada de montanha em péssimo estado.

Muitos dos que chegam a Vallagrande começam suas visitas pelo hospital Nuestro Señor de Malta, onde o corpo de Che foi fotografado e exibido ao público, pela última vez, na lavanderia, já sem vida, mas com os olhos ainda abertos. Aqui, como em outras províncias da Bolívia, trabalham grupos de médicos cubanos que atuam na Bolívia graças a um projeto solidário concebido por Fidel Castro após a eleição de Evo Morales, com o objetivo de criar centros de saúde para melhorar os padrões de atendimento e assistência na região.

A poucos quilômetros do centro da cidade está a vala comum — transformada em museu há alguns anos — onde, na noite entre 10 e 11 de outubro de 1967, Che, cujas mãos haviam sido amputadas, foi enterrado secretamente junto com outros seis guerrilheiros de sua coluna. O local fica a algumas centenas de metros da pequena pista de aviação e do quartel militar de onde os rangers bolivianos, assistidos por agentes da CIA, conduziram as operações de rastreamento para capturar Guevara. Seus restos só foram encontrados depois de trinta anos, graças às investigações de uma equipe cubano-argentina. Hoje, estão preservados em um mausoléu em Santa Clara, a cidade onde, em dezembro de 1958, Che liderou a batalha decisiva que marcou o fim do regime de Fulgencio Batista e a vitória da revolução em Cuba.

Pelas montanhas da América Latina

Leva-se três horas para viajar de Vallagrande a La Higuera. Só é possível chegar de jipe porque a estrada que leva a esta pequena vila, com apenas cinquenta casas e localizada a mais de 2.000 metros acima do nível do mar, não é asfaltada e está cheia de curvas. É um lugar desolado, ainda distante do mundo nos dias de hoje.

No caminho, cruzam-se alguns camponeses. Eles atravessam a estrada cheia de buracos, caminhando lentamente, com suas ferramentas de trabalho às costas. Parece que não mudou muito desde que Che atravessou esses vales, na tentativa de derrubar a ditadura militar do general René Barrientos.

Guevara escolheu a Bolívia não porque o guiasse a ideia de reproduzir mecanicamente as estratégias políticas e militares aplicadas em Cuba, como às vezes erroneamente lhe é atribuído. Ele estava convencido, no entanto, da necessidade de iniciar um processo revolucionário que afetasse toda a América do Sul. Um projeto supranacional que, a partir da Bolívia, fosse capaz de se estender ao Peru e à Argentina, para evitar que os Estados Unidos interviessem e pudessem aniquilar um foco único e, portanto, mais fraco, de resistência local. No centro do continente e cercada por cinco países, a Bolívia parecia o lugar mais adequado para iniciar a formação de um grupo de quadros aos quais confiar, uma vez treinados, a tarefa de organizar os diferentes frentes de luta em toda a América Latina.

Che fundou o Exército de Libertação Nacional da Bolívia com apenas 45 guerrilheiros. Na introdução ao Diário da Bolívia, Fidel Castro escreveu: “Impressiona profundamente a proeza realizada por este punhado de revolucionários. A simples luta contra a natureza hostil em que desenvolviam sua ação constitui uma insuperável página de heroísmo. Nunca na história um número tão reduzido de homens empreendeu uma tarefa tão gigantesca”.

A morte alcançou muitos deles de repente, 11 meses após o início da guerrilha. Em 8 de outubro de 1967, Che, surpreendido na quebrada de Yuro junto com outros 16 companheiros, foi ferido na perna esquerda e capturado após três horas de combate. Transportado para a vizinha La Higuera, foi assassinado no dia seguinte, por ordem de Barrientos.

Os últimos estudos teóricos de Che

Após a execução, o exército boliviano apoderou-se da mochila de Che e de todos os documentos que estavam dentro. Os dois cadernos com o Diário da Bolívia puderam chegar rapidamente a Cuba. Por outro lado, outro grupo de textos curtos apareceu muito mais tarde e foi publicado em 1998 com o título “Antes de morrer: anotações e notas de leitura”. Nestas páginas, Guevara copiou os trechos mais importantes de suas leituras e resumiu alguns dos estudos que estava realizando, apesar das difíceis condições em que se encontrava. Essas anotações foram escritas durante os raros momentos de descanso e constituem mais uma prova de sua determinação. Assim, criticou a falta de profundidade de análise do sociólogo Charles Wright Mills, cujo livro intitulado “Os marxistas” Che leu e resumiu.

Definiu-o como “um claro exemplo da intelectualidade liberal da esquerda norte-americana”. György Lukács, por outro lado, foi muito útil, pois ajudou a entender a “complexidade da filosofia hegeliana”. Como guia para seus estudos de filosofia, Che usou o manual editado pelo cientista soviético Miguel Dynnik e o “Antidüring” de Engels, do qual apreciou mais do que qualquer outra coisa “seus pensamentos inconclusos sobre a dialética”. Dedicou várias partes à “História da Revolução Russa” de Trotsky, que, em sua opinião, era uma “fonte de importância essencial” sobre o nascimento do poder soviético. Por último, Guevara também começou a estudar os autores locais e, ao comentar um livro intitulado “Sobre o problema nacional e colonial da Bolívia”, observou que defendia “uma tese interessante”, considerando aquele país “como um Estado multinacional”.

Completam as páginas das últimas anotações de leitura de Che um esboço de um projeto de estudo sobre os diferentes modos de produção, desde os pré-capitalistas até o socialismo. Nele, afirma que “Marx estava certo” em relação à pauperização do proletariado, mas também que “não previu o fenômeno imperialista. Atualmente, os trabalhadores dos países imperialistas são sócios minoritários do sistema”.

Além do estudo teórico, em suas últimas notas, Che copiou três poemas do escritor nicaraguense Rubén Dario. Nos versos finais do último deles, “Letania de Nuestro Señor Don Quijote”, descreve-se um personagem que, em muitos aspectos, era como ele: “Cavaleiro errante dos cavaleiros, (…) nobre peregrino dos peregrinos, que santificaste todos os caminhos, com o passo augusto de tua heroicidade, contra as certezas, contra as consciências, e contra as leis e contra as ciências, contra a mentira, contra a verdade. (…) Que de força animas e de sonhos vestes, coroado de elmo áureo de ilusão, que ninguém conseguiu vencer até agora, pela adarga ao braço, toda fantasia, e a lança em riste, todo coração!” É isso que os jovens pensam de Che, que ainda vêm visitar La Higuera a cada ano. Para lembrar Che e deixar novas pegadas na longa e difícil rota de emancipação que ele iniciou.

Um ícone imperecível

A notícia da morte do Che deixou a todos perplexos, mas suas ideias se difundiram com uma rapidez que na história do século XX há poucos exemplos que se lhe possam comparar. Aos seus filhos, deixou apenas uma carta, na qual, fazendo-lhes a recomendação de não esquecer que “cada um de nós, sozinho, não vale nada”, os exortou a serem “sempre capazes de sentir no mais profundo qualquer injustiça cometida, contra quem quer que seja, em qualquer parte do mundo”. Uma mensagem que apareceu nas bandeiras do movimento operário internacional e que, mesmo hoje, fala às gerações jovens do planeta inteiro.

Em dezembro de 1964, o Che interveio na Assembleia Geral da ONU. Falou sobre a América Latina e a luta de libertação de seus povos, expondo a convicção de que esta não chegaria apenas com a contribuição de sujeitos, embora importantíssimos, como partidos políticos e intelectuais progressistas. Junto “aos operários explorados”, disse, “essa epopeia que temos diante de nós será escrita pelas massas de indígenas e camponeses sem terra”. Para a maioria, isso pareceu o enunciado de um novo Quixote; para outros, até na esquerda, as palavras de um visionário. No entanto, diante de um sistema capitalista que se apresenta cada vez mais destrutivo, a herança de seu pensamento se representa hoje mais atual do que nunca.

Sobre os autores

é professor associado de Teoria Sociológica na Universidade de York (Toronto) e autor de vários livros, incluindo Another Marx: Early Manuscripts to the International (Bloomsbury, 2018).

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, História, Ideologia and Revoluções

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