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Lula em Cajamar. Foto de Douglas Mansur

Lula e a construção do socialismo

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No aniversário de 78 anos de Lula, relembramos sua fala sobre a necessidade da organização política de massas, a elevação de consciência da classe trabalhadora e os desafios na construção do socialismo no Brasil.

Em 1987, o Instituto Cajamar, o instituto destinado à formação política ligado ao movimento sindical, organizou o “Seminário Internacional 70 Anos de Experiência de Construção do Socialismo”, em ocasião do aniversário de 7 décadas da revolução russa. Participaram intelectuais militantes e dirigentes sindicais e partidários como Apolônio de Carvalho, Clara Charf, Jacob Gorender, Eneida Soler, Paul Singer e Wladimir Pomar, para debater o balanço das experiências na construção do socialismo na União Soviética, China, Cuba, Nicarágua e Brasil. As falas do seminário foram reunidas no livro “1917*1987 Socialismo em debate”, disponível on-line.

No último dia, Luís Carlos Prestes, que também comemora seu aniversário hoje, e Marco Aurélio Garcia fizeram uma apresentação sobre os dilemas e acúmulos da luta socialista no Brasil. Na sequência, Luis Inácio Lula da Silva, líder sindical metalúrgico que viria depois a ser eleito presidente da república por 3 vezes, toma a palavra e faz um discurso que publicamos na íntegra.


Possivelmente eu sou o menos teórico dentre todos os companheiros que fizeram uso da palavra até agora. Aliás, eu não sou presidente do PT porque seja teórico. Dentro do PT possivelmente existem algumas dezenas ou centenas de companheiros com teoria muito superior à escassa teoria que eu domino. Entretanto, penso que a grandeza do Partido dos Trabalhadores está exatamente no fato de termos consciência de que, se é verdade que a prática por si só não resolve os problemas da classe trabalhadora, é verdade também que a teoria por si só não leva a classe trabalhadora a lugar nenhum. A grandeza do PT está exatamente em juntar a teoria e a prática para, a partir daí, tentarmos fazer aquilo que é o sonho do conjunto da classe trabalhadora politizada, que é transformar a sociedade.

Embora eu não sinta orgulho de não ter a teoria que é necessária para um militante político, eu me considero realizado porque algumas coisas que aconteceram na minha vida foram muito mais práticas. Por exemplo, eu tive a oportunidade de descobrir a mais-valia sem precisar ler O Capital. Eu comecei a trabalhar na Villares em 1966, fazendo roldanas para escavadeira e pontes rolantes. Quando eu entrei, o máximo que um torneiro-mecânico poderia fazer de produção por dia era uma ou uma e meia, quando muito duas roldanas. Eu produzia uma peça e meia e o patrão tinha lucro, pagava o meu salário. Seis meses depois eu estava produzindo doze peças daquelas por dia, mas continuava ganhando o mesmo salário. Comecei a me perguntar onde é que estava a diferença das dez peças que estava produzindo a mais. O empresário não tinha vindo discutir comigo a minha participação naquele lucro. Assim eu fui descobrindo, com o tempo passando e a gente produzindo cada vez mais, que alguém estava ficando com a maior parte daquilo que era o resultado da minha produção.

Também descobri a necessidade de fazer política sem nunca ter lido um livro que me ensinasse isso. Obviamente não digo isso com orgulho, porque se tivesse lido possivelmente eu teria começado a fazer política antes, talvez no primário ou no Senai, e eu só vim começar a fazer política efetivamente partidária a partir dos anos 80, quando as greves me levaram a descobrir que o movimento sindical era um instrumento muito importante, mas muito pequeno diante das necessidades da classe trabalhadora.

Digo isso sem muito orgulho porque, se eu tivesse tido oportunidade de ter acesso às informações que outros já tinham de outras experiências, possivelmente eu tivesse, com outros companheiros, descoberto a ideia de fazer um partido muito antes. Outros companheiros, em outras épocas, tentaram criar partidos revolucionários, tentaram criar partidos de massa, e a verdade é que quase todas as experiências, ou por causa da ditadura ou por causa do fracasso dos próprios militantes, não deram os resultados necessários. Lembro que, quando nós tínhamos que fazer opção política, o grande empecilho para criar o Partido dos Trabalhadores eram exatamente os comunistas do MR-8, eram exatamente os comunistas do PC do B ou do PCB [que ainda estavam com o MDB]. Somente depois de dois anos, de tanto dizer que era preciso criar o Partido dos Trabalhadores, eles dizendo que não estava na hora, que não era preciso criar partido, é que eu vim descobrir que eles não queriam que a gente criasse o PT porque eles já tinham os partidos deles e achavam que o partido deles era o partido da classe trabalhadora. Quando nós descobrimos isso, nós então resolvemos romper aquela falsa unidade que norteava o nosso comportamento e resolvemos criar o Partido dos Trabalhadores contra a vontade de alguns companheiros, que até então não diziam para nós que já estavam nestes outros partidos.

O que há de revolucionário no PT?

Quando eu disse que a questão revolucionária é subjetiva, é porque eu acho o PT um dos partidos mais revolucionários que já surgiu na história desse país. Eu acho o PT revolucionário, não porque ele diga nos seus discursos ou nos seus escritos que é um partido revolucionário. É revolucionário porque nasceu com a ideia definida de que era preciso organizar a classe trabalhadora dando a ela consciência política para que ela se descobrisse enquanto força trabalhadora da sociedade. E sabemos que é muito mais fácil a gente dizer que é revolucionário do que a gente ter a capacidade de politizar um ser humano ignorante que não recebe informações por causa dos meios de comunicação oficiais. Eu diria que o PT é revolucionário porque poucas vezes na história do país um partido político conseguiu colocar, não apenas como militantes, mas na sua direção, a quantidade de trabalhadores e camponeses que o PT colocou. Eu diria que o PT é revolucionário porque, inclusive sem conhecer os bolcheviques e outras coisas que é importante conhecer, muitos de nós tivemos a ideia de que era preciso criar os núcleos de base, não como ponto de apoio para as eleições, mas de que era preciso criar os núcleos porque eles seriam a única forma de evitar que qualquer golpe pudesse destruir o partido. Era preciso ter uma grande organização de base, por bairro ou por fábrica, porque mesmo que houvesse um golpe militar ou uma repressão, eles conseguiriam destruir a direção, mas não conseguiriam destruir a base do partido ou a militância do partido.

Estes três aspectos para mim dão a característica de que o PT é possivelmente um dos partidos mais revolucionários que nós estamos criando nesse país. Alguns poderiam dizer que o PT não é revolucionário porque o PT não fale em revolução, porque o PT não prega a revolução, porque o PT não está colocando os seus militantes para treinar a luta armada, porque o PT não está mandando seus militantes para fazer cursos de guerrilha em outros países. Eu diria que o PT é revolucionário porque, na medida em que a gente se propõe a despertar e a elevar o nível de consciência política do conjunto da classe trabalhadora, nós estamos dando à classe trabalhadora a oportunidade de se descobrir para a própria revolução. Uma coisa é você chegar no cidadão e dizer que ele tem que ser revolucionário, dar um livro para ele e dizer que ele tem que ser revolucionário porque o livro está dizendo que ele tem que ser revolucionário. Outra coisa é você fazer o cidadão se descobrir, e quando ele se descobre e vira revolucionário, a chance de ele virar a casaca ou voltar atrás é muito pequena. E eu falo isso porque conheço aqui dentro dessa sala alguns companheiros que, possivelmente sem muita oportunidade de ter acesso a informações, são companheiros revolucionários, são companheiros que têm uma prática revolucionária, e a gente mede a atitude revolucionária do cidadão não por aquilo que ele fala, mas por aquilo que ele faz.

Alguns companheiros que estão aqui dentro e milhares que estão lá fora têm uma prática diuturna muito revolucionário e possivelmente mais revolucionária do que alguns de nós possamos imaginar. Eu não poderia em momento algum deixar de dizer que o trabalho que os sem-terra fazem no Brasil hoje é um trabalho revolucionário. Não poderia deixar de dizer que o trabalho de organização das comunidades de base é um trabalho revolucionário. Não poderia deixar de dizer que o fato de termos comprado e feito esse instituto  [Instituto Cajamar] é um trabalho revolucionário. Não poderia deixar de dizer que cada curso que um sindicato monta é um trabalho revolucionário, que quando esse movimento sindical criou um Dieese foi uma ação revolucionária, na medida em que o sindicato hoje pode ter informações para se contrapor no debate com os capitalistas em igualdade de condições, e às vezes como uma entidade mais respeitada do que todas aquelas que os empresários possam ter juntos. Quando companheiro Vicentinho, do Sindicato de São Bernardo do Campo, descobre a necessidade de ir ao ministro das Comunicações pedir uma rádio, já sabendo que era difícil conseguir, acho que ele está tomando uma atitude revolucionária, na medida que descobriu que é preciso ter um instrumento de comunicação de massas para se contrapor aos instrumentos de comunicação de massas que tem hoje o grande capital, que tem hoje o poder econômico.

É impraticável transportar um modelo revolucionário como se fosse uma mercadoria dentro de um caixote, chegar no Brasil e implantar aqui, fazer aqui uma revolução igual à Revolução Cubana, à Revolução Sandinista ou uma revolução como fizeram os soviéticos em 1917. Eu acredito piamente que essa revolução acontecerá no Brasil na medida em que a gente tenha a capacidade de despertar uma consciência política na grande massa despolitizada hoje, sem a perspectiva de aventureirismo. Tentar levar essa massa a compreender que o projeto que nós estamos desenvolvendo não será resolvido via parlamento. Nós que somos do PT temos consciência de que, quando resolvemos disputar o parlamento, quando resolvemos disputar uma prefeitura ou Estado, nenhum de nós, em nenhum instante, está pensando ou insinuando que através do parlamento ou através de uma prefeita estará feita a nossa revolução socialista. Ao contrário, nós temos consciência de que a nossa ida ao parlamento, a nossa disputa no parlamento é parte de uma etapa do aprendizado da classe trabalhadora, quando ela irá descobrir que também via parlamento não é possível atingir os seus objetivos.

Tenho clareza que no PT os companheiros não acreditam na famosa terceira via, como querem insinuar os companheiros suecos. A terceira via pode surgir na Suécia, porque essa terceira via, da social-democracia, só é possível graças ao Terceiro Mundo, graças à miséria a que está submetido todo o Terceiro Mundo. A humanidade não tem escapatória entre o socialismo e o capitalismo.

Construir a unidade da classe trabalhadora

Acho que o capitalismo, embora ainda com muito fôlego, é um sistema em extinção. Quanto menos gente se apodera de mais riqueza, mas rápido será o fim do sistema capitalista. O difícil é fazer o conjunto da sociedade brasileira descobrir isso. A capacidade de ensinar para a sociedade como é que a gente faz para romper isso é que é difícil. 

Há mais de cem anos o velho Marx dizia: “trabalhadores de todo mundo, uni-vos”. E a gente não consegue unir os trabalhadores do ABC, a gente não consegue unir os trabalhadores de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, quanto mais os trabalhadores do mundo. Lembro que, no último debate da CUT sobre a dívida externa, reuniram-se algumas dezenas de companheiros latino-americanos discutindo a dívida externa. E eu, que já tinha participado do encontro da dívida externa em Cuba, de repente falei: “puxa vida, até quando nós vamos discutir a dívida externa entre nós, os que devemos?” Porque, na verdade, quem participa desses encontros percebe que parece mais um muro de lamentações: todo mundo deve, todo mundo vive na miséria, todo mundo conta o seu sofrimento.

Sugeri à CUT e aos dirigentes sindicais latino-americanos que estavam ali: para discutir o problema da dívida externa com muito mais força, vamos tentar marcar um encontro sobre dívida externa com os sindicatos dos países credores para saber até que ponto eles estão dispostos a se unir aos trabalhadores devedores para resolver o problema. Fazer um encontro em Veneza, como foi feito o encontro dos sete países ricos, fazer um encontro na Alemanha como toda aquela força massiva do movimento sindical, com aquele aparato de dinheiro que tem o movimento sindical europeu, fazer um encontro lá. Onde está a unidade da classe operária? Onde está a unidade da classe trabalhadora mundial? O Terceiro Mundo está morrendo e vocês estão vivendo bem, quer dizer, qual é a disposição de vocês em dar uma grita contra os banqueiros de vocês, contra os empresários de vocês, para ajudar o Terceiro Mundo? Se a gente não fizer isso, não estaremos colocando em prática essa frase histórica, repetida por nós em quase todos os discursos, que é a chamada unidade.

A classe trabalhadora e a constituinte

Acho que a gente está no caminho certo. Eu particularmente não tenho pressa. Quem teve pressa quebrou a cara. Nós precisamos ir devagar, passos comedidos, passos pensados, mas passos certeiros, para que não tenha retorno, passos certeiros para a gente não ficar dançando bolero, um para frente e dois para trás. Um passo que seja, nem que seja meio passo, mas a gente tem que dar sempre esse meio passo para a frente. Acho que estamos no caminho certo. Estávamos no caminho certo quando discordamos da “Nova República”. Estávamos no caminho certo quando dizíamos que o Plano Cruzado tinha falhas. Estávamos no caminho certo quando dizíamos que o PMDB não era a solução para a classe trabalhadora brasileira. Estávamos no caminho certo quando resolvemos construir a CUT. Estávamos no caminho certo quando fizemos lutas que muitos chamaram de loucas. Estávamos no caminho certo quando decidimos a muito custo de que era importante a participação do Partido dos Trabalhadores na Constituinte, embora soubéssemos das nossas limitações, embora soubéssemos que a grande força lá seria de direita, embora soubéssemos que o conjunto da classe trabalhadora ainda estava despreparada politicamente para eleger uma grande massa de trabalhadores. Mas estávamos certos quando acreditávamos que era também através da Constituinte que se poderia elevar o nível de consciência da classe trabalhadora.

Na medida em que a burguesia vendeu a ideia de forma equivocada, alguns setores da esquerda também venderam a ideia de que através da Constituinte nós teríamos soluções para todos os problemas nacionais. Quem se lembra que, há dois anos, um trabalhador reclamava de pão, é a Constituinte; reclamava de casa, é a Constituinte; reclamava de salário, é a Constituinte; reclamava de transporte, é a Constituinte. A classe trabalhadora começa a perceber que a Constituinte poderá amenizar um pouco, poderá abrir um pouco de espaço, mas os grandes problemas da classe trabalhadora, da distribuição de renda, não serão resolvidos na Constituinte.

Para que serve uma vanguarda?

E é aí que entra o papel de um partido revolucionário para fazer a classe trabalhadora compreender essas coisas. A grande decepção que eu tive na minha vida depois de dezoito anos de sindicato, depois de fazer todos os tipos de greve que um dirigente sindical pode fazer, foi ir na porta da fábrica numa campanha e ver que o eleitor não sabia por que votava no candidato, não sabia distinguir quem era Afif Domingos ou quem era não sei mais quem, como se fosse tudo a mesma coisa. E quando ele pensa que é tudo a mesma coisa, é porque nós não estamos falando uma linguagem capaz de ser compreendida pelo conjunto da classe trabalhadora.

Quando isto acontece, podemos nos tornar uma vanguarda sem base, uma vanguarda que se transforma mais ou menos num carro de corrida: de tantas voltas na frente, está atrás do último. A vanguarda não pode estar na frente demais, a vanguarda que está muito na frente não é vanguarda. Isso é vanguardismo. A vanguarda verdadeira é aquela que está junto e compreende inclusive quando é necessário voltar atrás para levar a massa junto outra vez. Aliás, eu desconfio que a grande vanguarda mesmo é a própria classe trabalhadora.

Quando se exerce um papel de direção, seja numa comissão de fábrica, seja num sindicato ou num partido político, se a gente não tiver cuidado, a gente começa a pensar que é bom, a gente começa a pensar como um general de exército: eu dou a ordem e a tropa cumpre. A gente começa a pensar: bom, a liderança pensou, a liderança falou, e a massa executa. Lá em São Bernardo as experiências mais ricas mostram que é exatamente o contrário. O companheiro Vicentinho na semana passada, com toda a vanguarda da classe operária de São Bernardo do Campo, companheiros da mais alta capacidade para lidar com peão dentro da fábrica, chegaram à conclusão de que era preciso dar uma parada na greve da Autolatina. Foi lá o Vicentinho, que é um dos mais extraordinários oradores de massa que esse país produziu, e começou a falar para a massa. A vanguarda que não estava em cima do ônibus, mas que estava lá embaixo, 18 mil peões, começou a dar a entender que não queria o fim daquela greve. Aí, sim, o Vicentinho exerceu o papel de vanguarda, mas a vanguarda que não é arrogante, a vanguarda que não é pedante, a vanguarda que não é dona da verdade, a vanguarda revolucionária que teve a sabedoria de entender que a massa queria continuar a greve e, ao invés de fazer ou forçar a massa a suspender pura e simplesmente, acatou a decisão da maioria. Continuaram o movimento e poucos dias depois voltaram a trabalhar vitoriosos.

Obviamente, cada um de nós tem de estar sempre mais preocupado em dar o máximo de conhecimento teórico à classe trabalhadora. Nós temos de estar preocupados em fazer com que a classe trabalhadora cada vez aprenda mais, que ela conheça a história. Qual é uma das dificuldades que nós temos no Brasil hoje? Qual é um dos problemas que a gente enfrenta hoje com a classe trabalhadora brasileira? É que ela não conhece a própria história do Brasil. Ela não conhece os vários movimentos que houve nesse país e que poderiam ser movimentos e conhecimentos que dessem sustentação, embasamento, às lutas que a gente vai travar daqui pra frente. A rede de ensino oficial ou os partidos políticos convencionais não estão preocupados em ensinar, porque não querem a classe trabalhadora politizada. Nós é que temos a obrigação de ensinar. Nós é que temos a obrigação de criar mecanismos, de criar informativos, de criar os meios de fazer com que a classe trabalhadora tenha o mínimo de informação, porque senão a informação será a da Rede Globo, da Folha de São Paulo, do Estadão, a informação que a classe dominante quer passar para o conjunto da classe trabalhadora 24 horas por dia. E os companheiros do PT sabem que nós ainda estamos débeis do ponto de vista desta formação, mas sabem também que, embora sejamos um partido de apenas sete anos, poucos avançaram o tanto como nós avançamos nesse sentido. A consciência que predomina na nossa cabeça é a ideia fixa de que, ou fazemos isso, ou a gente acaba também caindo no descrédito perante a opinião pública.

Participei estes dias de uma reunião com um grupo de empresários que estão preocupados com o Brasil, que estão rachando com a Fiesp e querem conversar, querem encontrar uma saída para o Brasil e querem encontrar uma saída junto com a classe trabalhadora. Um deles até disse que era um neo-marxista. Então, como a gente tem bom senso e a gente quer respeitar a vontade desses empresários que estão demonstrando interesse pelo menos em conversar com a classe trabalhadora, numa próxima reunião nós vamos levar dez pontos de coisas que nós achamos importante colocar em prática no Brasil para resolver os problemas da sociedade. Pedimos para eles colocarem dez também, para a gente bater e ver quais são os pontos que se unem. Penso que eles vão querer conduzir a gente para a tal liberdade democrática, porque isso aí une todo mundo, mas nós vamos querer descer um pouco mais, mexer um pouco mais na ferida, que é saber se eles estão dispostos a democratizar mais a renda nesse país, se eles estão dispostos a mexer um pouco no lucro deles, se estarão dispostos a permitir que o trabalhador melhore a sua qualidade de vida, e para isso não há outro jeito senão mexer no lucro deles. Porque eles admitem tirar do imposto do governo para dar para a classe trabalhadora, mas não admitem diminuir um centavo do ganho deles. Esse empresário que falou do marxismo lá era todo metido a conhecedor, aquele negócio todo, e a gente só manjando o cidadão para poder pegá-lo na esquina.

Uma classe trabalhadora socialista

Estou dizendo isso para mostrar que nós precisamos, enquanto partido político, ter a capacidade de utilizar todos os mecanismo possíveis à nossa disposição, ao nosso alcance, para tentar fazer com que a classe trabalhadora se transforme em uma classe trabalhadora socialista. Aquele discursinho de que a classe trabalhadora por si só já é socialista é no mínimo ufanista demais. Nós ainda não tivemos a capacidade de convencer a classe trabalhadora a se sindicalizar. A média brasileira possivelmente não ultrapassa 20% de sindicalização. Nós ainda não conseguimos fazer a classe trabalhadora entender a necessidade de se organizar politicamente, a necessidade de militar politicamente. Ela tem a cabeça formada para ser totalmente apolítica. O conceito de que a política não presta ainda predomina no conjunto da classe trabalhadora, e é da nossa responsabilidade desfazer isso.

Quero lembrar aos companheiros que mesmo nós, do Partido dos Trabalhadores, conseguimos fazer a classe trabalhadora descobrir isso muito mais rápido nos dois primeiros anos de nascimento do PT do que nos últimos cinco anos. E por quê? Porque nós também nos acomodamos e, ao invés de continuar realizando o trabalho que a gente vinha desenvolvendo para fazer o PT nascer, depois que nós fizemos o PT nascer nós nem ensinamos ao PT a caminhar direito e nos voltamos para dentro de nós para brigar internamente, para discutir mil coisas, quando a gente deveria estar na rua discutindo com a classe trabalhadora de forma prioritária, para dar-lhe os conhecimentos elementares.

No movimento sindical é a mesma coisa. O movimento sindical brasileiro ainda não conseguiu deixar de ser economicista. Claro que o papel do movimento sindical é reivindicar, contestar, cada vez pedir mais, exigir mais. Mas o papel do movimento sindical é também dizer para a classe trabalhadora que a saída para o movimento sindical brasileiro não é sindical, é política. E se o dirigente sindical não tiver clareza disso e ficar vendendo as ilusões que se vende, de que o sindicato é que vai resolver, que é o sindicato que vai fazer isso e aquilo, nós não estaremos contribuindo para politizar o conjunto da classe trabalhadora brasileira. E aí o que é que vai acontecer? Se os companheiros não tiverem uma perspectiva política depois de anos no sindicato, ou eles ficam desestimulados e desistem, ou viram acomodados, essa figura odienta que a gente tem no Brasil, a figura do pelego.

Graças a Deus – e eu uso o termo “graças a Deus”, coisa que possivelmente alguns não usem – graças a Deus nós criamos o partido, que é o passo seguinte para esses dirigentes sindicais que estão surgindo aí. Criamos um partido inclusive como opção para esse conjunto enorme de militantes de comunidades, de movimentos populares, de sindicatos, de ter no partido o seu próximo passo. Saber que, se ele tem no sindicato o estilingue, no partido ele tem a bazuca, se ele tem no sindicato o bodoque, tem no partido a metralhadora. E cabe a nós tentar fazer com que os trabalhadores aprendam a utilizar isso.

Eu sou daqueles que acreditam piamente que não existe outra alternativa para o conjunto da classe trabalhadora brasileira a não ser o socialismo. Não existe. Entretanto, eu também sou daqueles que não adotam a ideia de que, por acreditar que o socialismo é a solução, eu paro de lutar e começo a esperar o socialismo chegar. Não, ele só acontecerá se nós tivermos capacidade de construí-lo. E construí-lo é que é o difícil. Quanto estamos dispostos a perder horas e horas de sono para discutir isso com o povo? Quantos de nós estamos dispostos a perder horas e horas, dias e dias, fins de semana, discutindo com a classe trabalhadora? Para ir no bairro, para ir na favela, para ir numa comunidade fazer palestra? O socialismo é compatível com a vida boa depois que a gente conquista ele, mas antes ele exige muito sacrifício. Eu não posso colocar um cachimbo na boca e ficar na beira de uma lareira dizendo que sou socialista, eu tenho é que ir para os morros, para as favelas, para a porta da fábrica, para o comércio, para a estação do metrô, para a rua, para dizer ao povo o que é isso. Porque quando o povo compreender isso aí nós vamos poder desfrutar dessa vida boa a que todos nós temos direito e pela qual todos nós lutamos.

É por acreditar nisso que eu estou nessa luta. É por acreditarmos nisso que surgiu o PT, que surgiu a CUT, que surgiu o Instituto Cajamar. É por acreditarmos nisso que surgiram no Brasil milhares e milhares de comunidades de base. É por acreditarem nisso que surgiram no Brasil milhares e milhares de pessoas como Frei Leonardo Boff, como Frei Beto, que, mesmo sendo cristãos, têm uma prática revolucionária maior do que muitos que se dizem revolucionários nesse país. É dessas pessoas, com humildade, que a gente vai extrair essa sabedoria revolucionária para fazer essa revolução. Acho que as experiências dos companheiros de Cuba, as experiências dos companheiros da Nicarágua, que é a coisa que está mais próxima de nós, são ensinamentos de que uma revolução depende da conjuntura, tem o momento, a oportunidade, que nós precisamos saber pegar ou não pegar. Mas, obviamente, se nós pegamos, só dará certo a depender do conjunto de pessoas que estejam comprometidas com a gente.

Estou com a minha consciência tranquila de que estamos caminhando para esse processo acontecer no país. Acho inclusive que a conquista da democracia é um teste. A nossa luta para democratizar esse país é um teste no caminho que a classe trabalhadora vai ter que trilhar para chegar a esse socialismo. É um teste, e eu acho que ela tem que testar cada coisa que se apresentar na frente dela. Hoje eu posso vir para a rua e criticar o parlamentarismo – não o parlamentarismo como sistema de governo, mas a instituição – com muito mais autoridade do que poderia fazer um ano atrás. Acho que o povo está precisando é dessa responsabilidade nossa, o povo está precisando é que a gente não espere que as coisas aconteçam para dizer que estão acontecendo. O povo está precisando é que o partido aponte para ele as coisas que podem acontecer. E, graças à competência de muitos companheiros aqui, nós acertamos. Acertamos em muitas de nossas análises de conjuntura.

Apolônio [de Carvalho], em muitas reuniões de diretório, quando eu dizia que o partido tinha errado muito, ele me provava que a gente é que é muito exigente com o PT, que a gente parece aqueles velhos ranzinzas que querem que o filho seja perfeito, seja o primeiro na escola, o primeiro no colégio, o primeiro na universidade, o primeiro no futebol, o primeiro não sei aonde. Apolônio sempre provou, e eu concordo com ele, que o PT acertou mais do que errou na análise de conjuntura. Isso é que vai fazendo um partido ganhar credibilidade, vai fazendo com que as ideias cresçam na cabeça dos trabalhadores. Se nós compararmos a consciência da classe trabalhadora com a consciência que nós pegamos em 1978, vamos chegar à conclusão de que a classe trabalhadora avançou mil anos.

Estou altamente convencido de que, embora seja uma tarefa difícil e muito de nós não vejamos o resultado, aquilo que nós nos propusemos a fazer é irreversível. Possivelmente Prestes, Apolônio e outros companheiros que lutaram tantos anos possam às vezes ficar frustrados, decepcionados, com 50, 60, 70 anos de luta e sem ver o resultado. Também a gente pode viver 60, 70 anos, lutar e não chegar, mas o que precisa nortear a cabeça da gente é que um dia vai chegar. Se não chegar por nós, vai chegar pelos nossos filhos. Se não chegar por nossos filhos, vai chegar pelos nossos netos. Mas, sem dúvida nenhuma, vai chegar pelo conjunto da classe trabalhadora brasileira.

Sobre os autores

é um político, ex-sindicalista e ex-metalúrgico, principal fundador do Partido dos Trabalhadores e o 35.º presidente do Brasil.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, História and Revoluções

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