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Apolonio de Carvalho em manifestação depois de voltar ao Brasil nos anos 1980. Foto de Tomás Rangel

Um verdadeiro internacionalista

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O militante socialista Apolônio de Carvalho faleceu neste dia em 2005. Ele ficou conhecido como um “herói de 3 pátrias” por ter enfrentado duas ditaduras no Brasil, combatido na Guerra Civil Espanhola e participado da resistência francesa contra o fascismo. Em sua homenagem, reproduzimos artigo de seu camarada Jacob Gorender relatando seu histórico de militância.

Filho de um soldado sergipano e mãe gaúcha, nascido em 1912, Apolônio não era ainda socialista quando se torna oficial do exército em 1932. Mas poucos anos depois, em 1935, apoia a Intentona Comunista e passa a organizar a Aliança Nacional Libertadora (ALN), razão pela qual é preso e tem sua patente militar destituída. Ao sair da prisão, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e imediatamente sai do país para lutar nas Brigadas Internacionais de solidariedade à República Espanhola contra o golpe fascista liderado pelo general Francisco Franco. Com a derrota da revolução espanhola, Apolônio vai para a França, onde chega a ficar preso em um canto de refugiados. 

Ao fugir do campo, soma-se à resistência antifacistas, e se torna comandante de guerrilha. De volta ao Brasil com o final da Segunda Guerra Mundial, participa ativamente da vida política do país, ainda que em vários momentos numa situação de clandestinidade ou semi-clandestinidade. 

Após o golpe de 64, é um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PBCR), e em 1970, junto com várias lideranças do partido, é mais uma vez preso e torturado. Meses depois, vai para o exílio em Argel, quando 39 presos políticos brasileiros são trocados pelo embaixador alemão, sequestrado em uma ação revolucionária. Em 1979, com a anistia, retorna ao Brasil, e no ano seguinte assina a primeira ficha de filiação do então recém-criado Partido dos Trabalhadores (PT), no qual assume de imediato destacado papel dirigente, como vice-presidente do partido. 

Militante socialista, convicto e orgulhoso, até seus últimos dias, Apolônio de Carvalho resume assim sua visão do socialismo, na última entrevista que concedeu a dois jovens militantes ligados ao Movimento Sem Terra (MST), em agosto de 2005, poucas semanas antes de sua morte:

“Deveríamos pensar que democracia e socialismo não são coisas nem tão aparentemente distantes nem tão contraditórias. As conquistas democráticas, populares, trouxeram a presença constante do povo na arena política, a visão clara por faixas cada vez mais amplas do povo das necessidades da nossa sociedade, dos seus flancos mais atrasados com seu desejo de ganhar o direito de sonhar e de viver. Tudo isso representa os avanços constantes dos regimes de democracia. Através de suas etapas, nós nos aproximamos da forma mais humana e ampla de democracia que é o socialismo, que vai abranger com maior vigor e maior amplitude as faixas abandonadas e desprezadas da população, colocadas fora da ordem das preocupações das classes dominantes. Suas etapas serão marcadas por níveis de consciência cada vez mais altos, pela presença das massas populares nas decisões políticas e para uma visão clara do novo salto de qualidade. […] Para mim, há muito tempo, o socialismo é a forma superior de democracia. Democracia não apenas no sentido das bandeiras da Revolução Francesa, como liberdade, fraternidade e igualdade. A igualdade será produto de uma longa luta entre as classes que querem um mundo melhor e as classes que têm receio de um mundo melhor, e querem guardar sua ligação com um presente muito próximo do passado. O entendimento da longa luta deve estar casado, cada vez mais – aí eu falo particularmente para os jovens – com o sentido da responsabilidade humana, cada vez mais presente nas populações chamadas a levantar alto as bandeiras renovadoras e de mudanças em busca de um mundo mais justo.”

Abaixo, em homenagem no seu aniversário de falecimento, reproduzimos o obituário escrito por Jacob Gorender, amigo e camarada, com quem havia militado junto no PCBR.


Filho de general, não seria de estranhar que o jovem Apolonio de Carvalho também seguisse a carreira militar. Assim, no começo da década de 30 do século passado, vestia a farda de tenente do Exército brasileiro. Manifestou, porém, desde cedo, simpatia pelas forças políticas da esquerda brasileira e, em 1935, ingressou, clandestinamente, na Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente das correntes unidas para combater o governo de Getúlio Vargas.

Integrado numa unidade militar em Bagé, no Rio Grande do Sul, participou dos levantes armados da ANL em Natal, no Recife e no Rio de Janeiro. Mas, envolvido na conspiração aliancista, foi preso em janeiro de 1936 e, em abril, expulso do Exército. Mas logo encontrou campo apropriado para sua combatividade.

Na Espanha, iniciara-se a guerra civil que fez o governo legal republicano se enfrentar com a insurgência do general Francisco Franco, apoiado pela Alemanha nazista e pela Itália fascista. Em defesa do governo republicano espanhol, formou-se, com amplitude mundial, uma legião que convocou militantes do mundo inteiro à luta antifascista no solo ibérico. Apolonio atende ao apelo e viaja para a Espanha. Sua formação militar permite que assuma o comando de uma bateria de artilharia do Exército republicano, no posto de capitão, em oposição ao avanço franquista.

A derrota dos antifranquistas, em 1939, o levou, com milhares de companheiros, a atravessar a fronteira e passar para o território francês. Ali, foi internado num campo de prisioneiros. Inconformado e seguindo o impulso incessante de lutador, foge do campo e, em 1942, vincula-se à Resistência dos franceses contra o ocupante nazista. A destacada atuação na luta clandestina, que contribuiu para a libertação da região de Toulouse, levou o comando da Resistência a promovê-lo ao posto de coronel e motivou o governo francês, após a libertação do país, a conferir-lhe a condecoração da Legião de Honra.

Na França, Apolonio vem a conhecer Renée, também militante, e com ela se casa, tornando-se seu companheiro até o fim da vida. O casal tem dois filhos (René Louis e Raul).

Em 1946, Apolonio e família se transferem para o Brasil e o combatente das guerras na Espanha e na França se integra ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Torna-se presidente da União da Juventude Comunista e se dedica a tarefas de ensino doutrinário, inclusive escrevendo artigos para a imprensa partidária.

Militante incansável, Apolonio se faz presente e atuante em todas as campanhas e lutas do PCB, de 1947, quando o partido tem o registro legal cassado, a 1964, quando um golpe militar, apoiado nas forças civis de direita e, particularmente, nas correntes conservadoras da Igreja Católica, derruba o governo de João Goulart e instaura uma ditadura militar que se prolongaria durante 21 anos.

Mais uma vez na clandestinidade, atuando no estado do Rio de Janeiro, Apolonio, inconformado com a passividade da direção do PCB, desliga-se do partido em 1967, juntamente com Carlos Marighella, Mário Alves e outros dirigentes. Em 1968, acompanha Mário Alves na fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que pretende desenvolver uma ação armada apoiada nas lutas de massas, diferenciando-se das numerosas organizações que praticavam assaltos e atentados sem nenhuma repercussão no movimento operário e popular.

Para desenvolver lutas de massas, em condições sumamente desfavoráveis, Apolonio permanece no posto de combate, assumindo riscos temerários.

Em janeiro de 1970 é preso por agentes policiais. Submetido a torturas, comporta-se com firmeza exemplar e não cede a mínima informação aos torturadores. Não se verga nem se quebra. Sua prisão duraria poucos meses. Em junho do mesmo ano um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) seqüestra o embaixador da Alemanha e exige, em troca de seu resgate, a libertação de quarenta presos políticos, fornecendo uma lista na qual figura o nome de Apolonio. O governo Médici cede à exigência e Apolonio viaja para a Argélia, seguindo dali para a França. Dedica-se a dar conferências em vários países europeus, nas quais desmascara a propaganda da ditadura militar brasileira e revela as condições de feroz repressão policial, que resultam em torturas e assassinatos de centenas de cidadãos brasileiros.

A anistia de 1979 permite que Apolonio e família regressem ao Brasil no ano seguinte. O combatente de sempre não interrompe a militância e dá contribuições importantes para a história política brasileira. Em 1980, faz parte dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, no qual milita até o fim da vida. Em 1977 escreve o livro Vale a Pena Sonhar, editado pela Rocco, no qual expõe uma visão do socialismo organicamente democrático e esclarece várias questões relacionadas com sua trajetória de lutador.

Apolonio de Carvalho era um homem sempre cordial, sempre amável, com os companheiros e com as pessoas amigas, conhecidas e desconhecidas. Nunca se exaltava nas discussões nem ofendia quem divergisse de suas posições. Era, mais que tudo, por convicção e temperamento, um otimista. Nas piores circunstâncias e diante de derrotas graves, sempre encontrava algum aspecto que podia ser considerado positivo, que podia significar um ganho para as organizações empenhadas na vitória da democracia e do socialismo. Uma ocasião, em sua casa no Rio de Janeiro, permiti-me dizer-lhe, com uma ponta de humor, que ele era um otimista profissional.

De Baiard, um herói dos primórdios da história francesa, foi dito que era um cavaleiro sans peur et sans reproche (sem medo e sem mácula). O mesmo, com justiça irrestrita, deve ser dito de Apolonio de Carvalho, que, aos 93 anos, encerrou uma existência gloriosa.

Sobre os autores

foi um historiador, escritor e cientista social brasileiro.

Cierre

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Published in Africa, América do Sul, Antifascismo, Europa, Militarismo and Perfil

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