Em meio ao agravamento da crise ambiental e da proliferação de eventos climáticos cada vez mais extremos causando mortes de norte a sul do país (seja por calor intenso, enxurradas ou deslizamento de encostas), o governo de São Paulo apresentou o projeto de privatização da Sabesp, empresa pública responsável pelo serviço de saneamento básico de 375 cidades do estado.
Água para a vida, não para o lucro
Mundo afora, as desestatizações de sistemas de saneamento básico fracassaram e têm sido revertidas por governos de direita e de esquerda. Segundo um levantamento do Transnational Institute, só entre 2000 e 2017 foram 267 casos de reestatizações das redes de água e esgoto — 80% após a crise econômica de 2008 —, em cidades como Paris, Berlim, Frankfurt, Buenos Aires, Bogotá, Nova York, Atlanta e Johannesburgo. A história é semelhante de um lugar para o outro: a privatização promove o aumento da conta, a piora no serviço e a perda de transparência e controle público.
No Brasil, os exemplos são semelhantes. O Rio de Janeiro, que recentemente privatizou a CEDAE, viu as reclamações no Procon subirem 500% — e a tarifa social da empresa privatizada já é o dobro da Sabesp. Em Manaus, a privatização da COSAMA já foi objeto de três CPIs, duas das quais concluíram recomendando a reestatização. Em Itu, no interior de São Paulo, o serviço teve que ser remunicipalizado dez anos depois de concedido à iniciativa privada, depois de uma crise de desabastecimento. No Tocantins, a concessionária privada devolveu para o Estado a gestão de 78 das 139 cidades do estado — as 78 cidades mais pobres, ficando com as mais lucrativas para si, como a capital Palmas.
Segundo o Datafolha, 53% dos paulistas são contra a privatização da Sabesp. Um plebiscito popular organizado por sindicatos e movimentos sociais — já que o governo se recusa a fazer uma consulta pública — deu um resultado ainda mais contundente: mais de 850 mil pessoas se pronunciaram contra a privatização do saneamento básico e do transporte sobre trilhos.
Unificar a luta
A luta contra as privatizações unificou os trabalhadores da Sabesp, Metrô e CPTM em uma greve que parou São Paulo no dia 3 outubro. Uma nova paralisação está marcada para o dia 28, agora com a adesão dos professores da rede estadual. Enquanto isso, o governo corre para aprovar o projeto até o final do ano na Assembleia Legislativa.
A pressa do governo é fundamentada. Impopular, a privatização não seria aprovada em 2024, ano eleitoral em que muitos deputados serão candidatos a prefeitos de suas cidades — muitas das quais dependem da Sabesp para ter acesso à água tratada e coleta de esgoto. Passadas as eleições, o cenário é incerto. Por exemplo, se Guilherme Boulos (PSOL) vencer a eleição em São Paulo, cidade responsável pela maior receita da Sabesp, a desestatização vira um negócio de risco para os acionistas.
Além disso, a cada dia que passa os argumentos contrários à privatização são reforçados por novos exemplos. Diariamente, as linhas de trem privatizadas em São Paulo apresentam problemas, que vão desde atrasos recorrentes até descarrilamentos, passando por pane elétrica e superlotação de vagões. Não suficiente, o temporal que atingiu a região metropolitana no começo de novembro deixou 2 milhões de usuários sem energia elétrica por conta da negligência da concessionária Enel. A empresa, que dobrou seus lucros desde o início da gestão do serviço, cortou 36% dos seus funcionários para maximizar sua receita. Resultado: os usuários não conseguiam sequer falar nos canais de teleatendimento da empresa e 200 mil pessoas ainda estavam sem luz quatro dias depois da chuva.
O futuro é comum, não privado
A privatização de recursos hídricos já foi faísca para revoltas populares no mundo. A mais conhecida talvez seja a guerra pela água na virada do milênio em Cochabamba, na Bolívia. Entre novembro de 1999 e abril de 2000, o aumento de 100% na tarifa de água pelo consórcio Águas do Tunari, encabeçada pela empresa americana Bechtel, levaram a uma onda de manifestações radicalizadas que acabou por reverter o processo de privatização.
Agora, São Paulo está diante da luta final para manter a mais importante empresa pública que os governos tucanos não conseguiram vender. O governador bolsonarista Tarcísio de Freitas quer mostrar serviço para o mercado para se cacifar como alternativa da direita para 2026, mas sabe que essa será sua batalha mais difícil. O desenlace dependerá da capacidade da maioria social que não quer pagar mais caro por um serviço pior, pressionar para evitar a privatização.
Sobre os autores
é um militante, professor, advogado e político brasileiro. Filiado ao PSOL, foi eleito Deputado Estadual por São Paulo em 2022.