Dentre os 9.100 presos políticos palestinos até o início de março de 2024 está um brasileiro-palestino: Islam Hamed. Sua história é evidência da injustiça colonial, expressando também a resistência de todo um povo, combinando persistência, firmeza e resiliência, ou sumud, em árabe. Inclusive nos odiosos cárceres israelenses. Sua contínua prisão e seu abandono internacional, inclusive pelo Estado e governo brasileiro, precisam ser encerrados. Sua família exige há tempos justa repatriação ao Brasil. 

Islam Hamed, como muitos outros presos políticos mantidos por Israel, ficou desaparecido até o final de fevereiro deste ano. Antes que se conseguisse contatá-lo, uma nova tragédia marcou sua vida. Um acidente de trabalho encerrou a vida de seu pai, Hassan, sem que seu filho fosse por meses informado e sem poder se despedir. Família e advogado absolutamente desesperados e sem notícias, sem sequer saber se em meio às torturas brutais e degradantes Islam Hamed estava vivo ou morto. Sem sequer saber para onde Israel o levou, arrancado de sua cela logo após o início de outubro e transferido para uma prisão desconhecida. 

Na nova fase da contínua Nakba – catástrofe palestina cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista e colonial de Israel em 15 de maio de 1948 –, até o início de março de 2024, são mais de cinco meses de genocídio em Gaza e limpeza étnica avançada na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, com os presos palestinos sendo alvo permanente de tortura. A família de Islam, desde o início de 2023, após a vitória eleitoral do presidente Lula, retomou a campanha para garantir sua repatriação, exigindo intervenção do Itamaraty e do Ministério dos Direitos Humanos na localização de seu paradeiro.

“São lembrados nos relatos de sua infância que para ir à escola era obrigado a enfrentar nuvens de gás lacrimogêneo e sua casa geralmente era invadida à noite por soldados armados.”

Mesmo com reuniões em Brasília e cartas da família, apoiadas por organizações brasileiras e relatos denunciando o desaparecimento de Islam Hamed, o sentimento de abandono aprofundou. Até que, por fim, seu advogado na Palestina ocupada conseguiu localizá-lo e visitá-lo no cárcere. Está magro – já que Israel impõe aos presos políticos uma ração mínima diária –, barba obviamente por fazer, enfrentando o impacto de meses de isolamento, mas com a mente sã. E mente sã, no caso dos presos palestinos levados à loucura e à morte por torturas inomináveis – físicas e psicológicas –, é estar bem. Dentro do possível. Não poderia ser diferente: o brasileiro-palestino Islam Hamed tem raízes profundas que são a base para aqueles e aquelas que não se envergam.

Labirinto das prisões administrativas

Filho de pai palestino e mãe brasileira, entre idas e vindas ao inferno do cárcere sionista e passagem também pela prisão da colaboracionista Autoridade Nacional Palestina (ANP), tratamentos desumanos e muita tortura, já acumula cerca de 20 anos em celas insalubres. Seu único crime – como dos milhares que enfrentam essa situação – é ser palestino, no caso, palestino-brasileiro.

Nascido em Jerusalém, Islam Hamed cresceu em meio à primeira Intifada (levante popular entre 1987 e 1991). São lembrados nos relatos de sua infância que “para ir à escola era obrigado a enfrentar nuvens de gás lacrimogêneo. Sua casa geralmente era invadida à noite por soldados armados que faziam revistas em todos os cômodos, algo comum que acontece na Palestina”. Preso pela primeira vez por Israel aos 17 anos de idade, foi condenado a cinco anos, acusado de ter atirado pedras nas forças de ocupação. “Após oito meses de liberdade, foi encarcerado novamente, em um sistema denominado detenção administrativa, no qual Israel prende palestinos sem qualquer acusação e renova a detenção de seis em seis meses.” Nessa situação, Islam Hamed ficou preso por mais dois anos.

Sua liberdade durou pouco novamente, apenas oito meses. Então foi preso pela ANP, gerente da ocupação. “Nesse curto período de liberdade, casou-se, tirou habilitação internacional, fez curso de eletricista, concluiu o mestrado e tentou vir para o Brasil duas vezes, mas Israel impediu sua passagem sem qualquer justificativa. Islam Hamed foi acusado de uma ação contra a vida de dois colonos israelenses, porém o Tribunal de Justiça Palestino não encontrou nenhuma evidência do suposto ataque.” Condenado a três anos de prisão pela ANP, foi acusado de ações contra o “governo palestino”. Na verdade, um serviço prestado a Israel em sua malfadada “cooperação de segurança”, produto dos desastrosos acordos de Oslo firmados entre a ocupação e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em setembro de 1993.

“Além de completar sua graduação e mestrado na prisão, enquanto era privado de sua liberdade, Islam desafiou as tentativas de apagamento dos palestinos do mapa. Teve não um, mas dois bebês.”

A campanha brasileira

A injusta pena em cárcere da ANP, onde foi também torturado – como nas prisões sionistas –, se encerrou em setembro de 2013, mas Islam Hamed não foi libertado. A campanha pela sua libertação tem criticado com dureza a ANP, que em um primeiro momento afirmou estar negociando com Israel para que Islam Hamed chegasse ao Brasil; depois alegou que não o soltaria para “protegê-lo”, pois ele corria risco de ser assassinado ou preso novamente por Israel. “A família entrou com processo no Tribunal de Justiça para que Islam Hamed obtivesse liberdade, e o ofício de soltura foi publicado em novembro de 2014. Mesmo assim, não foi cumprida a ordem.”

A mobilização reivindicava que o governo brasileiro garantisse a libertação de seu cidadão e o trouxesse para este país, para finalmente ter uma vida longe dos cárceres ao lado de sua família. Vigílias e protestos organizados por movimentos sociais aconteceram em distintos lugares, como Londres e Jordânia. Em 21 de julho de 2015, Islam Hamed foi libertado pela ANP, mas não conseguiu vir para o Brasil. Obrigado ainda a assinar um documento se responsabilizando por sua própria vida, sua segurança deveria ser um direito garantido pelo Estado brasileiro – que deve zelar pela integridade de seus cidadãos. Durante esse período, Islam teve que se esconder em sua própria terra. Três meses depois, em 24 de outubro daquele ano, a última prisão, mais uma vez por ação de Israel.

Embaixadores da liberdade

Seis anos depois, em 2021, Islam deu mais uma demonstração de resistência. Em situação na qual todos os direitos humanos fundamentais são violados, característica do regime colonial de apartheid, até mesmo ter um filho é um gesto de resistência coletiva. Além de completar sua graduação e mestrado na prisão, enquanto era privado de sua liberdade, Islam desafiou as tentativas de apagamento dos palestinos do mapa. Teve não um, mas dois bebês.

Os gêmeos Muhammad e Khadija vieram ao mundo no dia 6 de outubro de 2021, marcados por essa árdua batalha diária contra a colonização sionista. Os palestinos os nomeiam “embaixadores da liberdade”.

Segundo afirmou à época Amani Farahneh, do Clube de Prisioneiros Palestinos, ao seu nascimento já se somavam outros 99. São crianças geradas por meio de sêmen “contrabandeado”. O preso político Ammar al-Zabin, condenado a apodrecer no cárcere sionista, se tornou o primeiro pai de uma criança nascida dessa forma, em 2012.

“Mediante genocídio que já custou a vida de mais de 30 mil palestinos, dentre os quais 70% mulheres e crianças, os ‘embaixadores da liberdade’ são o signo de um povo que jamais poderá ser apagado do mapa.”

Em cada bebê, uma mensagem ao ocupante, sintetizada nos versos do poeta palestino Tawfiq Zayyad: “Aqui, sobre vossos peitos, persistimos. […] Aqui temos um passado e um presente. Aqui está o nosso futuro.” O amanhã ainda espera por ser construído, e os gêmeos são o alvorecer, rumo à liberdade. Esse é o sonho da mãe, Rinan Hamed: que ela e o marido possam viver em paz e criar juntos os gêmeos e o irmão mais velho, o pequeno Khattab.

Mediante genocídio que já custou a vida de mais de 30 mil palestinos, dentre os quais 70% mulheres e crianças, os “embaixadores da liberdade” são o signo de um povo que jamais poderá ser apagado do mapa. Sua vida é o sol que irradia essa trajetória de heróica resistência.

Na luta para cessar a cumplicidade internacional e isolar Israel, pressionando pelo fim imediato do genocídio e limpeza étnica, urge aos lutadores e lutadoras brasileiros por direitos humanos retomarem a campanha pela libertação imediata de Islam Hamed e ecoarem ainda mais alto a mensagem a ele – cuja história é marcada pela privação, mas também pela perseverança e negação em se render à criminosa ocupação –, a sua família e a todo o povo palestino: não estão sozinhos. 

Até que Islam Hamed e todos os 9.100 presos políticos palestinos sejam livres. Até que se faça justiça. Até a Palestina livre do rio ao mar.

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Dia 16 de abril, no auditório Nicolau Sevcenko, prédio da História e Geografia da USP, será realizado um ato-debate, por ocasião do Dia Internacional do Preso Palestino, das 18h às 21h. Será um momento para celebrarmos a comunidade palestina em São Paulo, assim como sublinhar a necessidade de ruptura imediata das relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Também queremos aprofundar nossa solidariedade com a Associação de Amparo aos Presos Palestinos (Addameer), de Ramallah, que estará presente via zoom, assim como com a família de Islam Hamed, brasileiro-palestino preso por Israel.

Serão lançados os livros Síria depois dos levantes, de Joseph Daher, e Na sombra do Holocausto: Genocídio em Gaza, que inclui o relatório da Addameer sobre violações e ataques aos direitos dos presos palestinos depois do 7 de outubro, análises sobre as relações entre o legado do nazismo alemão e o genocídio em Gaza, assim como os principais textos de conjuntura da esquerda socialista árabe, agora traduzidos para o português.   

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