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A Floresta Yatir em Israel, 2015. (Wikimedia Commons)

Como Israel utiliza plantações de espécies invasoras para expulsar palestinos

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Tradução
Felipe Feitosa Castro

Há muito tempo que Israel utiliza projetos de florestamento para expulsar os palestinos das suas terras. Isso incluiu o contínuo deslocamento de beduínos no deserto de Naqab através de um grande projeto de plantação de árvores, financiado em grande parte por "doações beneficentes" dos EUA.

A floresta Yatir na atual Israel é um bosque artificial plantado na região desértica do que os palestinos chamam de Naqab e os israelenses chamam de Negev. As quatro milhões de árvores que formam Yatir foram plantadas pelo Fundo Nacional Judaico, o Jewish National Fund (JNF) no início dos anos 1960, como parte de uma campanha de longa duração voltada para judeus nos Estados Unidos e no resto do mundo como ato beneficente ambientalista e meio de homenagear entes queridos.

Na verdade, como descreva a +927 Magazine, trabalhadores de florestamento do JNF foram acompanhados pela polícia militarizada israelense, armada com balas de borracha e gás lacrimogêneo, quando expulsaram beduínos, tribos pastoreiras árabes, que viviam onde hoje estão as árvores.  

Desde 1948, o governo israelense tem usado o “florestamento”, ou o plantio de árvores, para desalojar comunidades palestinas como Atir. Além disso, o florestamento serve para limitar o crescimento de outras comunidades e para esconder as evidências da destruição de antigos agrupamentos. Ao longo do tempo, organizações como o JNF têm ajudado a financiar as operações e a lavar dinheiro de contribuintes desavisados.

Expulsão via florestamento

“Desde a Nakba, o florestamento tem sido utilizado como ferramente para facilitar a expulsão e a despossessão de terras palestinas”, diz Myssana Morany, advogada no Adalah Legal Center for Arab Minority Rights in Israel. (“Nakba”, ou “catástrofe” em árabe, é como palestinos se referem ao seu deslocamento forçado provocado por forças sionistas em 1948).

O deslocamento forçado pelo florestamento israelense toma muitas formas, conforme descreve Morany. Imediatamente após a Nakba, sionistas utilizaram árvores para esconder ruínas de comunidades palestinas e para desencorajar o retorno dos residentes expulsos. Algumas das comunidades que permaneceram de pé foram cercadas por “reservas naturais”, permitindo ao Estado confiscar terras palestinas privadas para o uso público ostensivo enquanto impedia o crescimento futuro dos grupos locais.

Mais recentemente, a Israel Land Authority, Autoridade Fundiária de Israel e o JNF têm investido aceleradamente no plantio no Naqab, expulsando comunidades beduínas como Atir, cujos residentes se tornaram “invasores” onde antes viviam ou trabalhavam, uma vez que suas terras são consideradas como propriedade do Estado. No total, a JNF se gaba de ter plantado 250 milhões de árvores em Israel, e continua solicitando doações para expandir o plantio através de seu portal.

Um mapa interativo criado pela Adalah and Bimkom, uma organização israelense de direitos humanos, identifica comunidades beduínas no Naqab sob ameaça do governo israelense. Após a Nakba, a maioria das comunidades beduínas em Israel foi forçada para reservas concentradas em uma área militar fechada conhecida como Siyag (chamada algumas vezes de Sayig), carecendo de serviços básicos e de infraestrutura.

Até hoje, o governo israelense reconheceu oficialmente menos de uma dúzia de comunidades beduínas na Siyag, deixando trinta e quatro restantes sob constante ameaça de expulsão e demolição. Pelo menos nove estão sob ameaça iminente, o que significa que processos de despejo ou demolições já começaram. As comunidades podem ser forçosamente deslocadas sob variados pretextos do governo israelense, incluindo projetos de florestamento. 

Embora o JNF divulgue benefícios ambientais dos projetos de florestamento, como a revitalização do solo, a prevenção de inundações e o combate às mudanças climáticas através da captura de carbono, até isso parece ser falso. Críticos citados pela Yale School of the Environment dizem que a criação da floresta Yatir obliterou um ecossistema diverso de espécies raras e talvez tenha, na verdade, acelerado as mudanças climáticas ao reter mais calor que o deserto anteriormente refletia de volta para o espaço. De acordo com Morany, a Sociedade para a Proteção da Natureza em Israel, maior organização ambientalista  sem fins lucrativos do país, também afirmou que os projetos de florestamento no Naqab devem ser interrompidos, argumentando que eles “constituem uma ameaça significativa à biodiversidade única da terra”. 

O florestamento israelense não está confinado às fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel. Morany cita documentos da coligação governamental anterior do atual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, em 2022, ligando explicitamente o governo ao florestamento de partes da Cisjordânia, que é amplamente considerada como território palestino ilegalmente ocupado por Israel. Segundo o Akevot Institute, que faz menção a documentos internos do JNF de 1987, a organização também tem plantado na Cisjordânia há décadas a fim de evitar que os palestinos usem terras que poderiam ser transformadas em colônias israelenses ilegais no futuro.

Dando um fim no duto caridade-maldade

De acordo com Morany, a Adalah tentou impedir novos projetos de florestamento, assim como o deslocamento forçado de palestinos, por meios legais em Israel, mas teve pouco sucesso. Para começar, os palestinos têm receio de se envolverem com o sistema legal israelense, que frequentemente decide contra eles, estabelecendo uma visão comprometida sobre se anteriormente existia pelo menos incerteza jurídica.

Além disso, Morany acusa que, quando apresentados com provas claras e fortes reivindicações legais de propriedade palestina, os tribunais israelenses recorrem a lacunas, como a reclassificação arbitrária de projetos de florestamento como projetos agrícolas, julgados, então, por burocratas, políticos e membros do JNF a portas fechadas. Há também o sionismo enraizado no sistema jurídico, evidente num caso do Supremo Tribunal Israelense de 2010, no qual um dos juízes defendeu o florestamento citando extensivamente a Bíblia.

Incapazes de recorrer aos tribunais ou de defender as suas terras dos trabalhadores florestais flanqueados pela polícia militarizada, os palestinos continuam a ser deslocados em favor das árvores, muitas delas financiadas por instituições de caridade, mas plantadas com segundas intenções. Obstruir o duto de caridade que alimenta a malícia talvez seja um dos únicos meios de estancar os esforços de florestamento israelense contra o povo palestino.

“As autoridades israelenses e o JNF se envolvem em greenwashing para mascarar os seus crimes na Palestina histórica, vendendo a imagem de amigos ambiente enquanto causam graves danos aos palestinos e, por vezes, também ao ambiente”, diz Morany. “Já observamos um caso em que os doadores, após refletirem, reconheceram e pediram desculpa pelas consequências de suas contribuições para o florestamento do JNF.”

O caso mencionado por Morany é o da Floresta África do Sul, em Israel. Financiada graças a contribuições ao JNF por judeus sul-africanos, a floresta foi plantada sobre a aldeia palestina de Lubya, cujos residentes foram expulsos durante a Nakba. Em 2015, os sul-africanos, incluindo alguns dos contribuintes originais para a floresta, pediram desculpas formalmente pelo seu papel no deslocamento forçado dos palestinos como parte da Stop the JNF, uma campanha internacional para revelar a verdadeira natureza do florestamento israelense. A campanha fornece material educativo e recursos de organização sobre o JNF, impedindo florestamento e acabando com a ocupação israelense da Palestina. Também solicita doações próprias para plantar árvores – oliveiras na Cisjordânia, para apoiar os agricultores palestinos.

Sobre os autores

é um escritor e editor cujo trabalho apareceu na Newsweek, no Guardian, na Al Jazeera e em outros lugares.

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Published in Análise, DESTAQUE, Guerra e imperialismo, Meio Ambiente and Oriente Médio

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