Resenha de Cinco días en Moscú. Mario Vargas Llosa y el socialismo soviético (1968) (Reino de Almagro, 2024) de Carlos Aguirre e Kristina Buynova.
O autor peruano Mario Vargas Llosa foi um dos principais escritores e intelectuais latino-americanos do século XX. Fez parte do chamado boom latino-americano, grupo de romancistas que alcançou fama internacional junto com Carlos Fuentes do México, Julio Cortázar da Argentina e o colombiano Gabriel García Márquez. Desde a juventude em Lima, Vargas Llosa tentou se situar na vanguarda literária sob o legado do modernismo de Rubén Darío, da narrativa literária francesa e da tradição dos escritores norte-americanos, na busca de diagramar um “realismo latino-americano” atento à captura das dinâmicas e mudanças que afetaram as sociedades da região. Embora em termos político-ideológicos esteja atualmente associado ao liberalismo e à direita, nas décadas de 1960 e 1970 Vargas Llosa apoiou fervorosamente a Revolução Cubana, os processos de descolonização e, com nuances, as experiências socialistas.
O novo livro do professor de estudos latino-americanos Carlos Aguirre e da estudiosa russa de relações internacionais Kristina Buynova explora uma parte da carreira de Vargas Llosa e sua relação inicial com os processos políticos e culturais que interpelaram grande parte da intelectualidade latino-americana da época. A obra de Aguirre e Buynova, publicada em espanhol, permite avaliar com precisão, por um lado, o percurso político-ideológico de Vargas Llosa durante o período e, por outro, a sua ligação com o mundo cultural cubano e soviético. Fruto do acesso que ambos os estudiosos tiveram a arquivos e materiais encontrados nos Estados Unidos, na Rússia e na América Latina, o livro tenta explicar os motivos que levaram o romancista peruano a uma posição de identificação com Cuba, em particular, e socialismos em geral, a um profundo desencanto que facilitou a enunciação de uma crítica geral e contundente a todas estas experiências. O acesso à sua correspondência pessoal, publicações em jornais e cartas diversas permitem aos autores compor detalhadamente as circunstâncias que envolveram o momento significativo de sua vida em que Vargas Llosa viajou para a União Soviética em 1968.
As viagens à Rússia revolucionária eram comuns ao longo do século XX para intelectuais, escritores, políticos, ativistas e até trabalhadores. Visitar Moscou e outras cidades russas tornou-se essencial para os interessados em “ver” e “tocar” o novo futuro da humanidade. A historiografia há muito examina as características dessas viagens, seus protagonistas, as redes utilizadas, os lugares percorridos e o posterior retorno ao país de origem onde foram apresentadas opiniões sobre a experiência.
Vargas Llosa é um dos muitos escritores e intelectuais latino-americanos que pisaram em solo russo. Na verdade, o próprio escritor contou isso em diversas ocasiões; do seu ponto de vista, essa jornada foi fundamental para ter uma consciência real do que acontecia nesses países. Como ele disse, isso provocou o seu desencanto com os socialismos “reais” quando observou que não só essas sociedades ainda eram desiguais, mas que, o que é mais preocupante, não tinham liberdade de expressão. Anos antes de sua chegada a Moscou, Vargas Llosa havia criticado o tratamento e a censura dos escritores russos Andrei Siniavski, Yuli Daniel e Aleksandr Solzhenitsyn, além dos episódios cubanos de supressão da liberdade artística (como a proibição do documentário PM por Sabá Cabrera Infante e Orlando Jiménez Leal). No entanto, ainda optou por confiar nas conquistas do socialismo em questões sociais, as considerando parte de uma solução global para os problemas enfrentados pelos países latino-americanos.
O apoio reiterado de Vargas Llosa tanto à União Soviética como à Cuba revolucionária não pode ser explicado apenas por razões políticas ou ideológicas. Havia outras. Segundo Aguirre e Buynova, a “diplomacia cultural” exercida por ambos os países – relações entre estados ou indivíduos em torno da troca de ideias, artes e escritores, a fim de estabelecer laços de amizade – foi central para a sua abordagem e posicionamento em cada caso. A sua antiga simpatia e amor recíproco por Cuba são bem conhecidos graças a uma série de pesquisas; a sua relação com o mundo cultural russo, contudo, não é. Esta é uma das muitas contribuições do livro. Na verdade, no segundo capítulo conhecemos o início desse vínculo quando os autores observam como a União Soviética, após a morte de Stalin, experimentou um apetite renovado pela literatura mundial – em particular por aqueles que, como Vargas Llosa, foram protagonistas de um momento emblemático na história internacional das letras.
Um sinal do interesse soviético pelos romances latino-americanos é ilustrado pela publicação de seu livro, A cidade e os cachorros (publicado em inglês como The Time of the Hero). Como evidenciado no terceiro capítulo, Vargas Llosa teve o privilégio de ser o primeiro do boom a ser traduzido para o russo em 1965. Já tendo recebido prêmios na Espanha e reconhecimento de Carlos Barral, o influente proprietário da editora Seix Barral que publicou a edição espanhola, o livro chegou à Rússia graças a uma remessa enviada pelo próprio Barral com o objetivo de ampliar sua presença no mercado literário mundial.
A editora russa La Joven Guardia foi responsável por avaliar, aceitar, traduzir e também censurar a obra do escritor peruano. Como demonstrou o historiador Robert Darnton em seu livro Censores em ação: Como Os Estados Influenciaram A Literatura (Companhia das Letras, 2016), analisando o caso da República Democrática Alemã, este exercício de controle foi um aspecto essencial da política cultural que os países socialistas implementaram sobre as produções dos escritores. Contudo, como também provou Darnton, tal julgamento avaliativo não foi estabelecido de cima para baixo de maneira vertical. Pelo contrário, diferentes figuras mediadoras intervieram no processo, negociando o resultado final através da relativização das proibições. A cidade e os cachorros foi submetido a este mecanismo pela editora La Joven Guardia, especialmente quando aborda trechos que tratam de temas como a homossexualidade ou os atos sexuais. A edição espanhola também sofreu um apagamento análogo por parte do governo de Francisco Franco, embora nessa versão também tenha sido retirado tudo o que estivesse associado ao militarismo e ao autoritarismo na sociedade peruana expostos pelo texto de forma crítica. Segundo os autores, apesar da censura e de Vargas Llosa nunca ter autorizado a sua publicação na União Soviética, os russos não só pagaram os royalties correspondentes mais cedo ou mais tarde, mas também, a título de compensação, o convidaram a passar um tempo em Moscou.
O que foi observado durante a viagem, a censura que ocorreu e a publicação sem autorização não causaram uma ruptura na relação de Vargas Llosa com Cuba e a Rússia. O principal motivo do distanciamento, que a partir de então se tornou incontornável e até extremo, ocorreu por conta de outro acontecimento: a invasão soviética da Tchecoslováquia em agosto de 1968. Diante da tentativa de democratização do governo socialista em Praga, a URSS ocupou a capital com tropas e tanques com o objetivo de barrar um setor político tcheco interessado em mudar as regras do jogo vigentes até então. Quase imediatamente, muitos intelectuais de renome mundial protestaram contra uma intromissão que, do seu ponto de vista, obstruía o direito dos povos à autodeterminação e à democracia. Vargas Llosa, além de outros integrantes do boom como García Márquez, se juntaram às inúmeras denúncias publicadas na época, algumas das quais dirigidas ao Sindicato dos Escritores da URSS sobre os ultrajes cometidos e o caráter imperial do acontecimento.
Como apontam os autores do livro no quarto e último capítulo, porém, não foi esse acontecimento em si, nem sua visão de Moscou, que marcou o início de uma crítica permanente às experiências socialistas para o escritor peruano. O fato mais significativo estava associado ao apoio de Fidel Castro à interferência soviética. Para Aguirre e Buynova, a declaração de Castro em favor dos russos teve maior importância para os intelectuais latino-americanos do que a própria ocupação. Mas, embora amigos próximos como García Márquez tenham optado por baixar os decibéis, Vargas Llosa não teve escrúpulos em questionar publicamente Fidel. Num artigo publicado na revista Caretas, de Lima, em Setembro de 1968, intitulado “O Socialismo e os Tanques”, questionou o apoio dado pelo líder cubano. Na sua opinião, esta foi uma “invasão militar destinada a esmagar a independência de um país” que pretendia “organizar sua sociedade de acordo com suas próprias convicções”.
A decepção assumida em relação à URSS, a visão negativa de Moscou, os problemas associados à publicação de seu livro e, finalmente, a invasão soviética se coagularam como resultado da decisão tomada por Castro em relação à questão tcheca. A partir desse momento, Aguirre e Buynova registram o início do fim da relação de Vargas Llosa com Cuba e, claro, com a União Soviética. A prisão do escritor cubano Heberto Padilla em 1971 selou a decisão de Vargas Llosa de pôr fim a mais de uma década de solidariedade e fraternidade com dois dos mais poderosos projetos transformadores do socialismo mundial. Foi o início de um caminho que, fruto dessa desilusão, o levou a assumir uma posição crítica face à esquerda sob os auspícios da tradição liberal. Vargas Llosa passaria progressivamente a outra família política e ideológica da qual ainda faz parte: a da direita latino-americana.
O livro de Aguirre e Buynova reconstrói com precisão, exatidão de fontes e sensibilidade analítica uma virada na vida do escritor peruano iniciada em 1968. Embora a partir daí tenha deixado de lado sua adesão ao socialismo, ele manteve um certo entusiasmo em sua atuação como intelectual público. A sua rebeldia, seu culto à exposição pública e a notável capacidade de se envolver em controvérsias, forjadas em parte em Lima, sua cidade natal, e em parte entre as fileiras da esquerda revolucionária latino-americana, são qualidades que ele continuou a desempenhar no papel de “disseminador” de ideias liberais e conservadoras da década de 1990 até o presente — como Stéphen Boisard descreve neste artigo. Mas isso é outra história.
Republicado da NACLA.
Sobre os autores
Martín Ribadero
é pesquisador e professor da Universidade Nacional de San Martín.