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Um soldado passa por munições armazenadas atrás de um canhão autopropulsado em uma base de artilharia do exército israelense perto da fronteira com o Líbano, no norte de Israel, em 10 de novembro de 2023. (Kobi Wolf / Bloomberg via Getty Images)

Israel, não o Irã ou o Hezbollah, quer ampliar a guerra

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Tradução
Sofia Schurig

Tendo se colocado em uma situação difícil ao lançar uma guerra que já matou 40 mil palestinos e falhou em derrotar o Hamas, Israel redobrou suas ações, provocando uma guerra maior com o Irã e o Hezbollah para envolver os EUA contra inimigos que não pode vencer sozinho.

Em poucas horas, Israel assassinou o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, e um comandante militar sênior do Hezbollah, Fuad Shokr. O fato de essas execuções, ocorridas nos dias 30 e 31 de julho, terem acontecido em Teerã e no sul de Beirute, respectivamente, sinaliza a disposição de Israel em violar a soberania iraniana e libanesa e provocar ambos os atores em busca de seus objetivos estratégicos, mesmo que isso arrisque uma guerra mais ampla.

O ataque de Israel foi o segundo nos subúrbios do sul de Beirute desde 7 de outubro, após o assassinato de Saleh al-Arouri, vice-chefe do gabinete político do Hamas. Apesar disso, o Hezbollah demonstrou contenção, evidenciada por evitar ataques a cidades israelenses ou civis.

Esses assassinatos também ocorreram alguns dias depois de um ataque israelense ao porto de Hodeidah no Iémen, que matou nove pessoas em retaliação a um ataque com drones lançado pelos Houthis, um movimento político iemenita aliado a Teerã, que matou um israelense em Tel Aviv. Os Houthis, que continuam a bloquear e apreender navios que passam pelo Golfo de Aden, ameaçaram novos ataques em resposta ao ataque israelense.

De acordo com isso, a reunião ministerial do G7 realizada em 4 de agosto expressou temores de uma “regionalização da crise, começando pelo Líbano” e pediu a todas as partes que evitem a escalada. Os Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e outros países ocidentais até pediram a seus cidadãos que deixassem o Líbano o mais rápido possível, e no Líbano, o primeiro-ministro Najib Mikati e vários ministros de seu gabinete realizaram uma série de reuniões para avaliar o estado de preparação das administrações no caso de uma guerra mais ampla.

Essas tensões regionais estão crescendo no contexto da guerra genocida de Israel, que já ceifou a vida de mais de quarenta mil palestinos. Enquanto isso, as negociações para um cessar-fogo final entre Israel e Hamas foram adiadas para 15 de agosto.

Após o assassinato de seu principal negociador, Haniyeh, o Hamas está corretamente suspeitando de que Israel tenha qualquer intenção de entrar em negociações de boa fé. O grupo insistiu que não participará das negociações a menos que Israel cesse suas operações em Gaza e pediu o retorno ao acordo de cessar-fogo proposto pelo Presidente Joe Biden em 2 de julho.

A insistência israelense apenas aumentou o risco de uma guerra mais abrangente. No entanto, as partes que estariam implicadas em tal confronto são guiadas por suas próprias preocupações estratégicas.

Hezbollah: qual reação?

Oficiais do Irã e do Hezbollah prometeram vingar as mortes de Haniyeh e Shokr. O líder supremo do Irã, Ayatollah Ali Khamenei, ameaçou Israel com “severa punição”, e os líderes do Hezbollah fizeram declarações semelhantes. Por sua vez, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que seu país estava em um “nível muito alto” de prontidão para qualquer cenário, “tanto defensivo quanto ofensivo”.

Os Estados Unidos, por sua parte, responderam comprometendo-se a aumentar sua presença na região para oferecer suporte mais facilmente ao seu principal aliado. Isso inclui mais navios de guerra, “carregando defesa contra mísseis balísticos” e “um esquadrão adicional de aeronaves de combate.” Funcionários dos EUA também anunciaram que o USS Abraham Lincoln e o USS Georgia, um porta-aviões e um submarino, serão despachados para a região para reforçar as defesas israelenses.

O secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, declarou em um discurso em 7 de agosto, uma semana após o assassinato de Shokr, que a resposta à agressão contra os subúrbios do sul de Beirute certamente virá e será mais severa do que as respostas aos assassinatos anteriores. Ele deixou claro que, embora o partido atue “com coragem”, suas ações não serão impulsivas. O medo de que uma resposta mal calculada forneça a Israel um pretexto para ampliar a guerra explica a cautela do Hezbollah.

“Enquanto 62% dos israelenses apoiam um ataque ‘total’ ao Líbano, apenas 30% dos libaneses afirmam confiar no Hezbollah, apesar de a vasta maioria da população descrever a guerra de Israel como genocida.”

Mesmo antes do assassinato de Shokr, as forças de ocupação israelenses vinham escalando continuamente suas ações militares contra o Líbano em todo o seu território e não apenas nas regiões fronteiriças. Desde 7 de outubro, mataram mais de quatrocentos soldados do Hezbollah no Líbano e na Síria, incluindo muitos oficiais militares seniores.

Os ataques israelenses também deslocaram mais de cem mil civis e destruíram infraestrutura e grandes áreas de terras agrícolas ao longo da fronteira sul. O objetivo de Israel é forçar o partido a retirar suas forças ao norte do rio Litani, em conformidade com a Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, que encerrou a Guerra de Israel de 2006 no Líbano, sem retirar suas próprias forças da região fronteiriça ou abster-se de lançar futuros ataques ao Líbano.

De acordo com Nasrallah, são os “israelenses que escolheram escalar a confrontação com o Líbano e o Irã.” Além de estar fundamentadas nos fatos, declarações como essas são destinadas a responder à hostilidade de grandes setores da população libanesa e de seções de seus partidos políticos que acusam o Hezbollah de correr o risco de incendiar o país.

Embora Nasrallah tenha afirmado que “às vezes os palestinos [nos] pediram para aumentar a pressão sobre Israel e intensificar nossos ataques. Sempre levamos em consideração a situação interna [no Líbano],” o objetivo do Hezbollah não é “aniquilar Israel agora, mas evitar que ele saia vitorioso” ao adotar uma estratégia de “unidade de frentes”.

Embora as capacidades militares do Hezbollah tenham aumentado significativamente desde a guerra de 2006, isso não coincidiu com um crescimento no apoio popular. No Líbano, o partido tornou-se cada vez mais isolado politicamente e socialmente fora da população xiita. Enquanto 62% dos israelenses apoiam um ataque “total” ao Líbano, apenas 30% dos libaneses dizem confiar no Hezbollah, apesar de a vasta maioria da população descrever a guerra de Israel como genocida. Uma pesquisa recente mostrou que o apoio ao Hezbollah fora da comunidade xiita está em um dos pontos mais baixos de sua história.

No entanto, o partido conseguiu evitar que tensões sectárias explodissem no Líbano, mesmo após o bombardeio que matou doze crianças em Majdal Shams, uma cidade nos Montes Golã sírios ocupados por Israel e habitada por uma população drusa síria. O Hezbollah negou qualquer responsabilidade ou envolvimento no ataque, mesmo que Israel culpe o partido. A maioria da população síria nos Montes Golã ocupados recusou a cidadania israelense e sofre com inúmeras discriminações pelo estado israelense.

Especialistas em armamentos disseram à Associated Press que evidências sugerem que um foguete do Líbano, potencialmente disparado acidentalmente, foi responsável pelo ataque, que o sistema de defesa antimísseis Iron Dome de Israel detectou, mas não interceptou. Independentemente da causa das mortes, os oficiais israelenses instrumentalizaram esse evento para atacar os subúrbios do sul de Beirute e estimular tensões sectárias no Líbano.

Prevenir que tensões sectárias aumentem dramaticamente no cenário nacional tem sido uma das principais conquistas do Hezbollah desde que Israel lançou seu ataque genocida a Gaza. O partido promoveu uma reaproximação com setores da população sunita libanesa, a grande maioria dos quais apoia os palestinos. Desde 7 de outubro, as tensões sectárias entre sunitas e xiitas no Líbano diminuíram consideravelmente.

Além disso, a Jama’ah al-Islamiya (também conhecida como Movimento dos Irmãos Muçulmanos no Líbano) participou, sob a influência política do Hezbollah, de algumas ações militares contra as forças de ocupação israelenses na fronteira libanesa, enquanto cada vez mais sheiks sunitas apoiaram abertamente a “resistência” durante seus sermões de sexta-feira, incluindo figuras seniores do Dar al-Fatwa, o órgão oficial que supervisiona os assuntos religiosos dos sunitas do Líbano, que no passado havia se oposto veementemente ao Hezbollah.

O Hezbollah, sem dúvida, responderá ao bombardeio israelense de Beirute. Mas, devido ao delicado equilíbrio dos interesses sectários dentro do país, protegendo seus próprios civis e infraestruturas militares, particularmente aquelas (re)construídas após a guerra de 2006, e devido às consequências catastróficas de uma guerra para a população libanesa, o Hezbollah buscará evitar causar uma conflagração mais ampla.

Irã

O principal apoiador do Hezbollah, o Irã, compartilha uma posição semelhante à do partido libanês. Também está tentando evitar uma guerra regional, apesar do assassinato do líder palestino Haniyeh em seu território e de vários outros ataques israelenses contra ativos iranianos em toda a região. Desde 7 de outubro, Israel matou mais de vinte altos oficiais do Corpo de Guarda Revolucionária Islâmica (CGRI). Mas, assim como o Hezbollah, Teerã moderou suas respostas.

A Operação Verdadeira Promessa do Irã em abril de 2024, que lançou mais de trezentos drones e mísseis sobre Israel, foi essencialmente simbólica, buscando evitar causar danos reais. O Irã lançou a operação em retaliação ao ataque de Israel contra o anexo da embaixada iraniana em Damasco em 1º de abril, que matou dezesseis pessoas, incluindo sete membros do CGRI e o comandante da força al-Quds para o Levante, Mohammad Reza Zahedi.

O ataque marcou o primeiro ataque direto do Irã a Israel desde a criação da República Islâmica em 1979. Mas Teerã deu a seus aliados e países vizinhos um aviso de setenta e duas horas para que eles pudessem proteger seu espaço aéreo, de acordo com o então ministro das Relações Exteriores do país, Hossein Amir-Abdollahian, que morreu, junto com o presidente Ebrahim Raisi, em um acidente de avião em 19 de maio.

Avisados, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) desempenharam um papel importante ao ajudar Israel a neutralizar o ataque, compartilhando informações com os Estados Unidos e Israel. Os governos saudita e iraquiano também autorizaram os aviões-tanque da Força Aérea dos EUA a permanecer em seu espaço aéreo para apoiar patrulhas dos EUA e aliados durante a operação.

Além disso, o Irã optou por atacar Israel com drones, que levaram horas para chegar ao seu destino e foram facilmente identificados e abatidos, e não convocou seus aliados (notadamente o Hezbollah) para participar do ataque. Após a operação, o Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã afirmou que nenhuma outra ação militar estava atualmente planejada e que considerava “o assunto encerrado.”

Em outras palavras, o Irã realizou esse ataque principalmente para salvar a face e desencorajar Israel de prosseguir com seu ataque ao consulado iraniano em Damasco. Ao fazer isso, o regime iraniano sinalizou claramente que queria evitar uma guerra regional com Israel e os Estados Unidos, que teriam ajudado Tel Aviv. O Irã fez isso principalmente para proteger a si mesmo e suas redes de influência na região.

Os objetivos estratégicos do Irã, particularmente desde 7 de outubro, têm sido melhorar sua posição política na região para estar na melhor posição para futuras negociações com os EUA e garantir seus interesses políticos e de segurança. Um ataque israelense em grande escala ao Líbano, que seria particularmente desastroso para este último, enfraqueceria o Hezbollah e minaria a influência geopolítica de Teerã na região. Também forçaria Teerã e seus aliados a agir em apoio ao Hezbollah.

A classe dominante do Irã está, portanto, mais urgentemente preocupada em analisar os diferentes cenários potenciais que se seguiriam a uma resposta ao assassinato israelense. Estes incluem retaliações realizadas apenas por Teerã, ou uma resposta coordenada pela rede regional pró-iraniana de influência com aliados libaneses, iraquianos e do Iémen do Irã envolvidos. O momento de tal operação ainda está sendo discutido. Mais recentemente, vários oficiais iranianos declararam que apenas um acordo de cessar-fogo em Gaza poderia impedir a mão da República Islâmica de responder a Israel.

Teerã havia alertado em abril que qualquer nova agressão israelense contra seu território ou interesses resultaria em uma resposta direta, violenta e rápida. Então, a República Islâmica sugeriu que não recorreria à paciência estratégica, deliberando sobre o local e o momento mais apropriados para retaliar. Diante da agressão israelense, no entanto, o Irã procurou encontrar o equilíbrio certo ao calcular sua própria resposta.

Israel: o principal ator na criação de instabilidade e insegurança na região

Oficiais israelenses ameaçaram o Hezbollah e o Irã em várias ocasiões com uma guerra mais ampla ou ofensiva militar. O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, respondeu ao discurso de Nasrallah afirmando que “é possível que esta batalha se escale para uma guerra. Isso é realista, não teórico.”

Em vez de temer essa possibilidade, o governo de Netanyahu tem, na verdade, pressionado Teerã e o Hezbollah a escalar e expandir a guerra. É apenas a contenção do Hezbollah diante da intensa pressão que tem tornado as ações de Israel malsucedidas. Tel Aviv, reconhecendo sua importância estratégica para os Estados Unidos, tentou arrastar Washington para a guerra regional que os EUA têm tentado evitar e que, até agora, não deram a Israel o sinal verde para conduzir. Mas sem o apoio dos EUA, a capacidade de Israel de lidar com um confronto regional seria grandemente diminuída.

Oficiais dos EUA têm utilizado canais diplomáticos e o apoio de seus aliados no Oriente Médio para pressionar o Irã e o Hezbollah a considerar muito cuidadosamente suas reações. Os Estados Unidos alertaram o partido de que uma retaliação massiva apenas inflamaria as tensões e correria o risco de levar a um confronto direto entre eles e Israel, que lutaria com o apoio e respaldo de Washington. Além disso, diplomatas dos EUA deixaram claro, através de diferentes intermediários, que uma resposta israelense a qualquer ataque do Irã ou do Hezbollah seria destrutiva para cada país.

Apesar de buscar nominalmente a desescalada da situação, os EUA na prática permitiram que Israel agisse com impunidade. Forneceram a Israel todo o equipamento militar necessário para levar a cabo sua guerra genocida; ocupar e colonizar terras palestinas; bombardear o Iêmen, o Líbano e a Síria; realizar assassinatos em toda a região; e escalar operações militares contra o Irã.

Em 13 de agosto, os Estados Unidos concordaram em vender US$ 20 bilhões em armas para Israel. A maior parte desse montante será destinada a um contrato para cinquenta caças F-15A, previstos para chegar em 2029 — um movimento que sinaliza o compromisso de longo prazo da América com Israel.

A estabilidade na região, após 7 de outubro, não pode mais ser alcançada sem garantir direitos aos palestinos. A curto prazo, isso significará um cessar-fogo total para parar a guerra genocida de Israel, a retirada do exército de ocupação israelense da Faixa de Gaza, a cessação da agressão de Israel nos países vizinhos, incluindo o Líbano, e uma distribuição massiva de ajuda humanitária aos palestinos e outros afetados pela agressão de Israel em toda a região. Mas, a longo prazo, a estabilidade depende em grande parte do fim da colonização, ocupação e apartheid israelenses em toda a Palestina.

Sobre os autores

Joseph Daher

é um ativista e acadêmico de esquerda suíço-sírio. É autor de Hezbollah: The Political Economy of the Party of God and Syria After the Uprisings, The Political Economy of State Resilience.

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Published in DESTAQUE, Notícia, Oriente Médio and Relações Internacionais

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