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A fumaça sobe durante o bombardeio israelense na Faixa de Gaza em 12 de novembro de 2023. (Fadel Senna / AFP via Getty Images)

Por que a guerra de Israel é um genocídio – e por que Biden é culpado

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Tradução
Gercyane Oliveira

Israel não esconde suas intenções: embarcou em um plano genocida para "criar condições para que a vida em Gaza se torne insustentável". E Joe Biden é seu cúmplice.

Desde outubro, Israel já matou mais de 25.000 palestinos, cerca de 70% deles mulheres e crianças, no que um importante pesquisador de bombardeios aéreos chamou de “uma das mais intensas campanhas de punição de civis da história”. Israel está matando mais de cinco vezes mais habitantes de Gaza por dia do que os nazistas mataram, per capita, na Blitzkrieg de Londres. Só nos dois primeiros meses da guerra, Israel matou cerca de quinze vezes mais crianças do que a Rússia matou na Ucrânia nos primeiros dezoito meses da invasão.

A Associated Press, citando analistas especializados no mapeamento de danos causados por bombardeios em tempos de guerra, relatou que “a ofensiva causou mais destruição do que a destruição de Aleppo, na Síria, entre 2012 e 2016, de Mariupol, na Ucrânia, ou, proporcionalmente, o bombardeio aliado da Alemanha na Segunda Guerra Mundial”. A campanha de Israel destruiu as casas de um terço dos residentes de Gaza, danificou quase dois terços de todas as moradias e deslocou 85% da população, ou 1,9 milhão de pessoas, por meio de evacuações forçadas. Estima-se que mais de dez crianças de Gaza por dia, em média, tenham perdido uma ou ambas as pernas.

A carnificina é totalmente deliberada. Segundo uma análise que vazou do adido de defesa holandês em Tel Aviv, Israel “pretende causar deliberadamente uma enorme destruição na infraestrutura e nos centros civis”; é isso que explica o “alto número de mortes” entre os civis.

A alegação de Israel de que a destruição de civis é uma consequência acidental de ataques contra combatentes do Hamas é apenas “uma desculpa para ferir a população civil”, de acordo com uma investigação detalhada dos protocolos de alvos das Forças de Defesa de Israel (IDF) publicada em conjunto pelos sites de notícias israelenses +972 e Local Call. Citando “conversas com sete membros atuais e antigos da comunidade de inteligência de Israel”, o jornalista Yuval Abraham relatou que o procedimento estabelecido pela IDF é identificar o tipo de local civil que deseja destruir, como um arranha-céu residencial, e depois pesquisar um banco de dados para encontrar algum vínculo com um grupo militante.

Na IDF, os ataques dessa natureza são chamados de “alvos fortes”. “Se você quiser encontrar uma maneira de transformar um arranha-céu em um alvo, você poderá fazê-lo”, explicou um ex-oficial de inteligência citado no relatório. As alegações oficiais de que esses alvos estão ligados ao Hamas são “uma desculpa que permite que o exército cause muita destruição em Gaza”, disse uma fonte que esteve envolvida no desenvolvimento de alvos em rodadas anteriores de combates em Gaza. “Foi isso que eles nos disseram”.

“Não pode ficar pior”

No conflito atual, Israel dedicou um esforço especial à destruição de hospitais – que admite abertamente ter como alvo. Dos 36 hospitais de Gaza, apenas 16 permanecem parcialmente funcionando, com taxas de ocupação “atingindo 206% em departamentos de internação e 250% em unidades de terapia intensiva”, informa a ONU. “O que temos testemunhado é uma campanha que foi planejada. Era um plano para fechar todos os hospitais do norte”, disse Léo Cans, chefe da missão para a Palestina da Médicos Sem Fronteiras.

Como resultado do ataque de Israel ao sistema de saúde de Gaza, “os médicos operam crianças gritando sem anestesia, usando telefones celulares para luz”.

Na primeira quinzena de janeiro, grupos de ajuda humanitária planejaram 29 missões urgentes para levar suprimentos médicos de emergência ao norte da Faixa de Gaza; 22 delas foram recusadas por Israel. Como resultado do ataque ao sistema de saúde de Gaza, “os médicos operam crianças gritando sem anestesia, usando telefones celulares como luz”, disse o principal funcionário de direitos humanos da ONU em Genebra.

Além dos ataques diretos, “o governo israelense está usando a fome de civis como método de guerra”, informa a Human Rights Watch. “As forças israelenses estão bloqueando intencionalmente a entrega de água, alimentos e combustível, ao mesmo tempo em que impedem deliberadamente a assistência humanitária, destruindo áreas agrícolas e privando a população civil de objetos indispensáveis à sua sobrevivência.”

Os inspetores israelenses recusam os caminhões de ajuda humanitária sem dar um motivo e “se um único item for rejeitado”, informou o New York Times, “o caminhão deve ser enviado de volta com sua carga e reembalado para reiniciar o processo de inspeção”. O argumento da segurança é falso: como observou o grupo israelense de direitos humanos B’Tselem, Israel está proibindo as organizações humanitárias de comprar alimentos de Israel, uma medida que evitaria a necessidade de inspeções de segurança.

Alex DeWaal, um dos maiores especialistas em resposta a crises humanitárias da Universidade Tufts, escreveu que a fome de Israel em Gaza “supera qualquer outro caso de fome provocada pelo ser humano nos últimos 75 anos” em termos de “rigor, escala e velocidade” de seu bloqueio de suprimentos necessários e destruição da infraestrutura humanitária.

De acordo com a unidade de prevenção da fome da ONU, a proporção de famílias de Gaza que sofrem com a falta de acesso a alimentos, com risco de morte, é atualmente “a maior já registrada” pela organização e, se as condições atuais continuarem, até maio, um mínimo de 20 mil habitantes de Gaza por mês provavelmente estarão morrendo de fome. “Eu nunca vi algo na escala que está acontecendo em Gaza. E nessa velocidade”, disse Arif Hussain, economista-chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU. “Não há como piorar.

Ele não está sozinho nessa opinião. “Autoridades de organizações humanitárias e de saúde com longa experiência em grandes zonas de conflito disseram que a guerra de Israel em Gaza foi a mais devastadora que já viram”, informou o Washington Post em dezembro. “Para mim, pessoalmente, essa é sem dúvida a pior que já vi”, disse Tom Potokar, cirurgião-chefe da Cruz Vermelha que trabalhou em conflitos no Sudão do Sul, Iêmen, Síria, Somália e Ucrânia.

“O que está acontecendo agora em Gaza está além de qualquer desastre que eu tenha testemunhado pelo menos nos últimos 15 anos ou mais”, disse Zaher Sahloul, um médico que dirige uma ONG de medicina humanitária e trabalhou em Aleppo durante a guerra civil na cidade. Martin Griffiths, subsecretário-geral da ONU para assuntos humanitários, classificou a situação como “a pior de todos os tempos”, acrescentando: “Não digo isso de forma leviana. Comecei na casa dos vinte anos lidando com o Khmer Vermelho… Acho que nunca vi nada parecido com isso antes, é uma carnificina completa e total”.

“Fique e morra de fome ou vá embora”

A razão pela qual a carnificina é tão grande é que Israel está tentando matar ou expulsar o máximo possível da população palestina de Gaza. Seus ataques diretos contra civis fazem parte de um plano maior: criar “condições para que a vida em Gaza se torne insustentável”, como disse o Major Giora Eiland, conselheiro do ministro da defesa israelense Yoav Gallant, disse.

“Israel precisa criar uma crise humanitária em Gaza, obrigando dezenas de milhares ou até centenas de milhares de pessoas a buscar refúgio no Egito ou no Golfo”, escreveu o conselheiro em outubro. No jargão político do governo israelense, isso é chamado de “emigração voluntária”. Ela é apresentada como uma escolha: nas palavras de Eiland, “as pessoas devem ser informadas de que têm duas opções: ficar e passar fome ou ir embora”.

O plano de “emigração voluntária” não é apenas um cenário hipotético. É uma política governamental – embora, conforme relatou o jornal Israel Hayom, pró-Benjamin Netanyahu, em dezembro, “não seja discutido nesses fóruns [reuniões oficiais do Gabinete de Segurança] devido à sua óbvia violência”. O plano foi explorado em um documento de 17 de outubro por um influente think tank próximo ao governo de Netanyahu, que falou de “uma oportunidade única e rara de evacuar toda a Faixa de Gaza”.

As mesmas conclusões foram apresentadas em um documento interno do Ministério da Inteligência, que concluiu que a “transferência dos residentes de Gaza para o Sinai” poderia “proporcionar resultados estratégicos positivos e duradouros”. De acordo com o Israel Hayom, o primeiro-ministro encarregou seu confidente, Ron Dermer, ministro de assuntos estratégicos, de “examinar maneiras de reduzir ao mínimo a população de Gaza”.

Em uma reunião de deputados do Knesset no final de dezembro, Netanyahu prometeu pessoalmente que estava trabalhando para “garantir que aqueles que quiserem sair de Gaza para um terceiro país possam fazê-lo”, de acordo com o site de notícias Israel Hayom, acrescentando que o assunto “precisa ser resolvido” porque tem “importância estratégica para o dia seguinte à guerra”.

Esses objetivos são conhecidos por todos no governo e nas forças armadas israelenses. “Quem voltar para cá, se voltar depois, encontrará terra arrasada. Sem casas, sem agricultura, sem nada. Eles não têm futuro”, disse o vice-chefe da Administração Civil, coronel Yogev Bar-Shesht, em 4 de novembro. “Toda a população civil de Gaza tem ordem de sair imediatamente”, disse o ministro de Energia e Infraestrutura, Yisrael Katz, em 13 de outubro. “Eles não receberão uma gota de água ou uma única pilha até que deixem o mundo.” “Agora estamos realmente realizando a Nakba de Gaza”, disse Avi Dichter, ex-chefe da agência de segurança interna de Israel, no noticiário do Canal 12 de Israel, em uma referência à expulsão em massa dos palestinos em 1948.

Por lei, a instância máxima de Israel em questões de segurança nacional é o grupo ministerial interno conhecido como Gabinete de Segurança; suas decisões são políticas obrigatórias. Atualmente, Dichter e Katz são membros, assim como Netanyahu e Dermer. Somando-se os dois ministros extremistas Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir, pelo menos seis dos catorze membros do Gabinete de Segurança são registrados como favoráveis à “emigração voluntária”; acredita-se que apenas três sejam contrários a ela – Gadi Eisenkot, Benny Gantz e Yoav Gallant.

“Um caso exemplar de genocídio”

Há um consenso entre os estudiosos de genocídio de que a limpeza étnica não implica automaticamente em genocídio, mas que os dois muitas vezes andam juntas. De acordo com Omer Bartov, professor israelense-americano de estudos sobre o Holocausto e genocídio na Brown University, “funcional e retoricamente, podemos estar assistindo a uma operação de limpeza étnica que pode rapidamente se transformar em genocídio, como já aconteceu mais de uma vez no passado”. A partir disso, ele conclui que “a possibilidade de genocídio está nos encarando de frente”.

Há muitos sinais de que isso já está acontecendo. Multiplicam-se os relatos de execuções à queima-roupa de civis pelas tropas israelenses, como um incidente ocorrido em 13 de dezembro no qual, de acordo com testemunhas oculares que falaram à Al Jazeera, “mulheres, crianças e bebês foram mortos em estilo de execução pelas forças israelenses” enquanto estavam abrigados em Shadia Abu Ghazala, no norte de Gaza. Ou um incidente de 19 de dezembro, confirmado pela ONU, no qual soldados “mataram sumariamente pelo menos 11 homens palestinos desarmados na frente de seus familiares no bairro de Al Remal, na Cidade de Gaza”:

A IDF supostamente separou os homens das mulheres e crianças e, em seguida, atirou e matou pelo menos 11 dos homens, a maioria com idade entre 20 e 30 anos, na frente de seus familiares. A IDF então supostamente ordenou que as mulheres e crianças entrassem em uma sala e atirou nelas ou jogou uma granada na sala, ferindo gravemente algumas delas, inclusive um bebê e uma criança.

Esses relatórios não surpreendem: as autoridades de comando israelenses comunicaram claramente às suas tropas que o objetivo da guerra é livrar Gaza dos palestinos. O ministro da defesa anunciou: “Eu liberei todas as restrições”. Moshe Saada, membro do partido de Netanyahu que faz parte do Comitê de Segurança Nacional do Knesset, recentemente se alegrou com o fato de que até mesmo os israelenses de esquerda agora concordam com a necessidade de uma política de extermínio: “Ex-colegas que antes “brigavam comigo em questões políticas”, disse ele, agora “me dizem: ‘Moshe, está claro que todos os habitantes de Gaza precisam ser destruídos”.

É por isso que outros especialistas em genocídio, como o historiador israelense Raz Segal, professor dotado para o estudo do genocídio moderno na Universidade de Stockton, são mais definitivos do que Bartov.

“O que estamos vendo diante de nossos olhos é um caso exemplar de genocídio”, disse Segal.

Os mesmos termos foram usados por Craig Mokhiber, diretor do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Nova York, um veterano funcionário da ajuda humanitária com 30 anos de experiência, que chamou Gaza de “um caso exemplar de genocídio” em sua carta de demissão de 28 de outubro. Quinze relatores especiais da ONU – especialistas seniores independentes que não são empregados pela ONU nem nomeados por nenhum governo – divulgaram uma declaração em novembro chamando a situação de “genocídio em andamento”.

A cumplicidade de Biden

Em um recente artigo de opinião para o New York Times, Daniel Levy, um negociador israelense veterano que serviu a vários primeiros-ministros, pediu ao governo Biden que exercesse “a real influência diplomática e militar à sua disposição” para pressionar Israel a aceitar um cessar-fogo. “Essa exigência não pode ser apenas retórica. O governo deve condicionar a transferência de mais suprimentos militares ao fim da guerra por parte de Israel.”

O ex-embaixador israelense na França, Élie Barnavi, fez uma observação semelhante em uma entrevista no mês passado: “Sabe, não podemos fazer guerra sem munições ou peças de reposição para nossos aviões”, observou ele. “Ou uma solução será imposta ou não haverá solução. Os americanos, de quem somos extremamente dependentes, podem forçar nosso governo.”

Joe Biden, no entanto, fez sua escolha, ainda que com relutância: ele está apoiando a operação de Israel. Em 29 de dezembro, seu governo aprovou uma venda emergencial de armas para Israel usando uma brecha legal que permitia contornar o Congresso – a segunda vez que fez isso naquele mês. “Apesar do desafio de Netanyahu, Biden está empenhado em persuadi-lo por meio de apelos privados”, informou o Washington Post na semana passada. “Não há nenhuma discussão séria dentro da Casa Branca sobre mudar a estratégia de forma significativa, de acordo com vários funcionários administrativos seniores e consultores externos.”

A escolha que Biden fez lhe rendeu o apelido de “Genocide Joe” em alguns círculos – um epíteto que muitos consideram injusto. Eles têm razão. Não se deve apressar o julgamento. Assim como Antony Blinken, Brett McGurk e o próprio Estado de Israel, ele tem todo o direito de ter seu dia no tribunal.

Sobre os autores

é o editor executivo de Jacobin.

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Published in América do Norte, DESTAQUE, Direitos Humanos, Guerra e imperialismo, Notícia and Oriente Médio

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