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Soldados das Forças de Defesa de Israel estão armados enquanto a fumaça sobe dos bombardeios em Gaza em 4 de março de 2024, no sul de Israel, perto da fronteira com Gaza.(Amir Levy/Getty Images)

Os trabalhadores podem parar a máquina de guerra

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Tradução
Priscila Marques

Em 1974, trabalhadores escoceses se recusaram a consertar os caças do ditador chileno Augusto Pinochet. Enquanto alguns países continuam a fornecer armas a Israel, trabalhadores sindicalizados poderiam se recusar novamente a alimentar a indústria bélica.

A história é frequentemente compreendida através das histórias de “grandes homens”, refletindo o encorajamento do capitalismo ao individualismo e a desconfiança do coletivo. Os socialistas, compreensivelmente, têm tradicionalmente procurado rejeitar tais narrativas; um exemplo famoso é o discurso final de Salvador Allende, o presidente socialista do Chile que, antes de sua morte no golpe de Augusto Pinochet em 1973, assegurou aos ouvintes que “a história é nossa, e o povo faz a história.”

A área pós-industrial de Nerston, East Kilbride, ecoa esse sentimento meio século depois. Esta cidade nos arredores de Glasgow não é conhecida por seus monumentos a generais ou estadistas famosos; em vez disso, há um tributo mais modesto a uma história alternativa que, até recentemente, estava amplamente esquecida. Em 1974, seis meses após o golpe de Pinochet contra o governo eleito de Allende, três mil membros do Amalgamated Union of Engineering Workers (AUEW) na fábrica da Rolls Royce em Nerston, liderados pelo membro do Partido Comunista Bob Fulton, danificaram um lote de motores a jato Hawker Hunter que deveriam ser devolvidos ao Chile após o reparo. Em nenhum outro lugar havia engenheiros qualificados para reparar esses motores.

Em uma reunião sindical, os trabalhadores já haviam votado para condenar o golpe. “As pessoas que estavam sendo torturadas e assassinadas eram como nós — sindicalistas” explicou Stuart Barrie em uma entrevista em 2018 ao Guardian. Na mesma entrevista, John Keenan descreveu como a organização era crucial para os membros da AUEW na Rolls Royce, que tinham uma história de ação política: “A única razão pela qual pudemos fazer o que fizemos foi porque estávamos organizados. “Nós realizamos uma greve em apoio ao [Serviço Nacional de Saúde], aos piquetes de Shrewsbury, e a tudo o mais.”

Quando o boicote ocorreu, durou quatro anos, e os trabalhadores conseguiram minar significativamente a capacidade da Força Aérea Chilena. Sua ação, junto com ações como a recusa dos membros do International Longshore and Warehouse Union (ILWU) em permitir que um navio de guerra chileno atracasse em Oakland, Califórnia, tornou-se parte de uma comunidade global de trabalhadores cuja resistência à tirania é creditada com a liberação de dezenas de milhares das celas e câmaras de tortura do governo de Pinochet.

Hoje, enquanto assistimos à barbárie incompreensível desencadeada pelo governo israelense contra os palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, grande parte de nossa resposta é sufocada por ilusões de impotência e desespero. Os trabalhadores da Rolls Royce destruíram essa ilusão em 1974 e nos mostraram qual é a melhor maneira de combater a tirania, seja no Chile ou na Palestina: através da ação industrial em nossos locais de trabalho.

Imperialismo e os locais de trabalho  

No último discurso de Allende à nação, enquanto os caças de Pinochet lançavam o terror sobre o Palácio Presidencial, ele detalhou a realidade do golpe que derrubou o socialismo chileno e descreveu o papel do imperialismo no ataque à democracia:

“Neste momento definitivo, em que posso me dirigir a vocês, desejo aproveitar a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, juntamente com a reação, criaram o clima em que as Forças Armadas quebraram sua tradição… esperando, com a assistência estrangeira, reconquistar o poder para continuar defendendo seus lucros e seus privilégios.”

Allende estava certo. Foram os Estados Unidos, temerosos do programa reformista de nacionalização do Chile e da firme amizade de Allende com a Cuba de Fidel Castro, que orquestraram o golpe com a ajuda da elite governante chilena e de seus aliados militares. O sistema imperialista mundial — liderado até então, como é hoje, pelos Estados Unidos — liga intrinsecamente a fonte de extração à metrópole imperial. Foi o interesse dos Estados Unidos em explorar os recursos naturais chilenos que tornou o governo de Allende um alvo, assim como foi a capacidade de manufatura da Grã-Bretanha — sustentada pelo próprio imperialismo — que trouxe jatos de propriedade chilena para as oficinas de East Kilbride.

Se esses laços são a fonte do poder imperial, então a capacidade dos trabalhadores de miná-los em seus locais de trabalho também é um ponto de pressão significativo. A ação tomada por Fulton e seus colegas iluminou o impacto tangível que os trabalhadores no núcleo imperial poderiam ter na vida daqueles no Sul Global.

Hoje, também podemos contextualizar nossos próprios locais de trabalho no sistema imperialista e identificar suas fraquezas. Isso é fundamental para construir um movimento mais eficaz e dinâmico para a liberação palestina. Israel — um posto militarizado do imperialismo dos EUA — está fundamentalmente ligado às economias ocidentais que o sustentam. Ao entender esses laços em nossos próprios locais de trabalho, podemos começar a organizar trabalhadores no mesmo espírito de Fulton e seus colegas.

Trabalhadores contra o genocídio

Hoje, a base industrial da Escócia é composta em grande parte por fabricantes de armas. O trabalho de grupos como Palestine Action e Workers for a Free Palestine para fechar essas fábricas deve ser aplaudido, mas também devemos perguntar, o que vem a seguir? O boicote da Rolls Royce em 1974 durou quatro anos — consideravelmente mais do que qualquer ação direta, e com o poder coletivo para proteger os trabalhadores da repressão estatal que vemos agora. A sustentabilidade é um princípio de 1974 que devemos levar adiante para informar nossa estratégia hoje.

Atualmente, nossas táticas interrompem o funcionamento das fábricas de armas a curto prazo, sem o apoio ou não dos trabalhadores dentro delas. Para desenvolver um movimento de trabalhadores verdadeiramente anti-imperialista, devemos construir em etapas e engajar proativamente com trabalhadores em fábricas de armas, com o objetivo de organizar boicotes sustentáveis e de longo prazo dentro desses espaços. Construir dentro de instalações de fabricação de armas como BAE e Thales, em paralelo com uma ampla campanha para articular locais de trabalho escoceses em torno de boicotes culturais e econômicos a Israel. Isso tem o potencial não apenas de fortalecer nossa campanha pela libertação palestina, mas também de fortalecer nosso movimento industrialmente e reestabelecer suas bases.

O movimento sindical britânico ainda está traumatizado pelas derrotas devastadoras da era Margaret Thatcher. Ideias tímidas de sindicalismo cresceram junto com uma relutância em se ramificar para a esfera política além dos parâmetros estabelecidos pelo Partido Trabalhista Parlamentar. A vitória de Thatcher sobre o trabalho organizado foi embelezada com uma onda de legislação que dificultou a capacidade dos sindicatos de intervir politicamente, com a ameaça de retaliações financeiras e legais frequentemente pairando sobre eles.

Deve-se considerar uma ofensiva organizada contra essa repressão como um fator crítico na mobilização dos locais de trabalho em torno da Palestina e além. O amplo apoio público por um cessar-fogo imediato na Palestina deve fornecer aos sindicalistas de toda a economia britânica, um terreno fértil para cultivar um sindicalismo politizado. Assim possibilitando transformar a resposta empática dos trabalhadores britânicos com a Palestina, em uma resposta política que envolva as pessoas em suas vidas diárias.

Em outras partes da Escócia, os trabalhadores já estão mostrando o potencial de seu poder. A filial de Glasgow da Unite Hospitality lançou recentemente a campanha “Serve Solidarity”, que está organizando boicotes liderados por trabalhadores a produtos de apartheid nos espaços sociais e culturais da cidade. A campanha bem-sucedida pelos trabalhadores no Stand Comedy Club levou à aplicação do boicote em todos os três locais. Da Bélgica à África do Sul e Índia, sindicatos de trabalhadores do transporte se recusaram a tocar em remessas de armas destinadas a Israel, enquanto trabalhadores da indústria têxtil em Kerala não mais produzem uniformes policiais israelenses.

A proximidade dessas indústrias com o imperialismo, e Israel em particular, naturalmente varia. O que é crucial é sua contribuição para um movimento global mais amplo que tome ações materiais sustentadas para interromper o genocídio em curso. Leonardo Cáceres, um locutor de rádio, disse no dia do golpe de Pinochet, em uma entrevista para o documentário de 2018 “Não Passarão” que, embora os sindicalistas da Rolls Royce possam ter visto seu gesto como “algo pequeno,” foi, na verdade, extremamente valioso: “Eles provaram aos ditadores no Chile que, apesar do apoio de certos governos, suas ações eram condenadas pela maioria dos seres humanos.”

Reconstruindo o internacionalismo

O que Fulton e seus colegas na Rolls Royce conseguiram demonstrar não foi apenas o poder coletivo dos trabalhadores na arena internacional, mas também que o local de trabalho é uma fraqueza do sistema imperialista mundial. Eles provaram ao mundo que atos de desobediência podem minar um inimigo aparentemente intransponível, enquanto iluminam as relações materiais que conectam trabalhadores e seus interesses em todos os lugares.

Quando os trabalhadores da Rolls Royce estenderam a mão de solidariedade de East Kilbride a Santiago, removeram aviões fascistas dos céus. Nosso movimento deve agora fazer o mesmo pelo povo da Palestina e usar nossa própria mão de solidariedade para romper as ideias reacionárias e insulares que viram nossa articulação se tornar fraca e desorganizada, e redirecioná-la para ser uma força que pode desafiar o imperialismo e mudar o mundo.

Sobre os autores

é o presidente da filial em Glasgow da Unite Hospitality.

Cierre

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Published in Análise, Europa, Guerra e imperialismo, História and Oriente Médio

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