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Foto: Geledés

A Reaja chegou ao fim. Viva a Raeja!

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A organização política Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, anunciou o fim das atividades. Mas a pergunta a ser feita é mais complexa: como uma organização tão radical contra a violência policial conseguiu existir por 18 anos?

Recebemos na terça-feira (1/10) a notícia do fim das atividades da organização política Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta. Na nota anunciando o fim do grupo, escreveram que vieram “a público declarar seu silenciamento voluntário e o encerramento de todas as suas atividades sob a Marca, bandeira e todos os símbolos atribuídos”. Uma organização absolutamente atuante desde 2005 na luta radical e preta se silencia e algumas pessoas soaram a pergunta: por que a Reaja chegou ao fim? Com o máximo respeito pela história dessa entidade quilombista, maloqueira e panafricanista que tanto contribuiu para a luta contra o genocídio preto no país, decidi escrever breves palavras não para responder a essa pergunta, mas para invertê-la. Honestamente penso que uma pergunta melhor seria: com tanta violência racial, perseguição, ameaças, constrangimentos, sabotagens e traições de movimentos, como a Reaja conseguiu existir por 18 anos?

A Reaja colocou a pauta do genocídio preto nas periferias em escala nacional e internacional. Fez o mundo ver que em plena onda rosa de governos progressistas na América Latina havia um consenso sendo produzido para normalizar os massacres que ocorriam contra a população preta no Brasil. A Bahia, governada pelo PT ao longo de mais de quatro mandatos, viu a letalidade policial aumentar contra seu povo preto, chegando ao ponto de 97% das mortes policiais atingirem gente negra. Quantos se ergueram ao ponto de enfrentar os governos ditos de esquerda por essa pauta? Quantos movimentos negros romperam com aqueles que nos matam? Quantas organizações foram atuar dentro do sistema carcerário em pleno momento de superencarceramento de nossa gente? Então a pergunta não é por que a Reaja parou, mas poderia ser outra: por que as demais organizações não foram atuar ali onde a Reaja atuou?

Hoje mais cedo fui tratar disso com a então Comando Vital da organização, doutora Andreia Beatriz. E a síntese de sua resposta é fantástica: “a gente vai continuar fazendo. (…) A gente não deixou de existir não, a gente não deixou de ser preta.” Ela me explicou que o Quilombo Xis seguirá existindo e realizando seu trabalho desde o Engenho Velho da Brotas, na periferia de Salvador. Contudo o que a Reaja Ou Será Morta fazia já não dá mais para fazer.

Tenho acompanhado de perto a Reaja desde 2019, antes admirava como entusiasta e leitor. De lá para cá eu acompanhei a polícia colocando arma na cabeça de fundador da Reaja em plena horta comunitária, constrangimentos ilegais e ameaças a membros da organização por parte das forças do Estado, circulação de calúnias por setores políticos do movimento negro para desonrar a organização, pressão de organizações religiosas dentro do cárcere para enfraquecer a atuação política dentro do sistema prisional e toda sorte de pequenas sabotagens para diminuir o tamanho da ação política da Reaja. Novamente, a pergunta certa é como conseguiram aguentar isso por 18 anos?

Nisso o mestre Hamilton Borges nos dá uma pista ao dizer que se trata da “expressão de uma luta que não pede, que não implora, expressão de uma luta que faz por si mesmo e que quando está diante de uma necessidade de confronto ela vai confrontar”. Parece que sempre esteve no fundamento da ação política comunitária essa audácia por seguir lutando diante do confronto. Em tempos de emergência do fascismo diante de uma esquerda em paralisia de radicalidade, o exemplo quilombista da Reaja mostrou para nós que é se arranca o conformismo da política quando não se curva à política institucional, quando não se beija a mão dos políticos para seguir existindo.

Ano passado, diante dos 18 anos de existência dessa organização, eu escrevi que “a Reaja atua onde a esquerda institucional não entra nem de escolta”. E aqui quero dobrar minha aposta, pois não acho que se trate apenas de uma coragem que há tempos não vemos nas esquerdas. Quero dizer que a consciência do caminho estreito que é a luta comunitária fez a Reaja ser radicalmente oposta ao fracasso que nos parece o caminho escolhido pelas esquerdas: fazer a gestão da barbárie. Ora, a gestão da barbárie é, também, atacar organizações políticas radicais com toda a força que o aparelho do Estado possui. Como não entender isso?

O compromisso de transformação das lutas no país exige de nós não apenas respondermos as questões do nosso tempo, mas, sobretudo, fazer melhor as perguntas que irão nos movimentar rumo à libertação. Urge um programa de estudos políticos para saber como esse grupo de pretos e pretas maloqueiras da periferia de Salvador conseguiram fazer tanto e nas piores condições. Nossas organizações políticas precisam pesquisar essa história recente e fazer um balanço honesto que nos ajude a entender a Reaja e ao mesmo tempo essa paralisia da radicalidade de nossas muitas organizações.

Não há porque cobrar explicações sobre o fim para a própria organização agora. Em tempo de luto, silêncio é ouro. Não há que explanar nada. Que sigamos aprendendo com Hamilton Borges que fez e faz:

“A consciência radical é uma consciência de autonomia pura, uma autonomia comunitária, isso é quilombismo.”

Viva o legado da Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto!

Vida longa para o Quilombo Xis!

Sobre os autores

é professor de educação básica no IFBA (Valença-BA) e mestre em história pela UFBA.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Direitos Humanos and Política

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