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Luta de Jiu-Jitsu brasileiro no Long Beach Convention Center, na Califórnia, em 22 de novembro de 2014. (Chad Matthew Carlson / Sports Illustrated / Getty Images)

Lutadores de Jiu-Jitsu estão combatendo a exploração

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Tradução
Pedro Silva

Lutadores profissionais raramente são pagos para participar de competições e a renda média dos atletas que trabalham em eventos como o UFC é paupérrima. Mas os lutadores de Jiu Jitsu estão resistindo aos baixos salários, dando um alerta a essa indústria esportiva.

Organizado pelo Abu Dhabi Combat Club (ADCC), o ADCC Submission Fighting World Championship é o torneio de Jiu-Jitsu Brasileiro de maior prestígio do mundo, considerado por muitos como as “Olimpíadas das lutas de submissão”. No entanto, os lutadores não são pagos para competir e há décadas que os prêmios em dinheiro não aumentam, apesar do boom de popularidade do esporte. Agora, o famoso competidor de Jiu-Jitsu e troll das redes sociais Craig Jones está organizando um torneio concorrente no mesmo dia, na mesma cidade – com um grande prêmio de US$ 1 milhão – e pagando a cada atleta um dólar a mais do que o grande prêmio em dinheiro do ADCC como forma de protestar contra a atual remuneração dos lutadores.

O ADCC é considerado os Jogos Olímpicos de grappling. A cada dois anos, os melhores atletas de diversas artes marciais, incluindo Judô, Luta Livre, Sambo e Jiu-Jitsu Brasileiro, competem pelo título de melhores do mundo. A ADCC começou em 1998, criado pelo Xeque Tahnoun Bin Zayed — o atual conselheiro de segurança nacional dos Emirados Árabes Unidos (EAU) (aliás, seu pai é o Xeque Zayed bin Sultan Al Nahyan, fundador e primeiro presidente do país). Tahnoun conheceu o Jiu-Jitsu quando fez faculdade nos Estados Unidos e, junto com seu instrutor Nelson Monteiro, concebeu um torneio que contaria com os melhores lutadores de finalização de todo o mundo, competindo entre si na tentativa de ajudar o esporte a crescer ainda mais e formalizá-lo.

Até o momento, o ADCC tem sido um enorme sucesso no mundo do grappling, passando de eventos underground de nicho confinados a uma quadra de basquete, até agora atraindo bem mais de dez mil torcedores a estádios universitários. Mas embora o desporto de luta livre cresça exponencialmente, apenas progressos modestos foram feitos em termos de bem-estar dos atletas. Por exemplo, na época do primeiro ADCC, todos os atletas competiram de graça, e o eventual vencedor foi recompensado com US$ 10 mil. Quase três décadas depois, o prêmio em dinheiro não aumentou, nem acompanhou a inflação.

Não é novidade que a maioria dos grapplers profissionais não consegue ganhar a vida apenas competindo. A maioria depende de fontes de renda paralelas, incluindo acordos de patrocínio, administração de academias, treinamento, instruções e visitas a seminários. É quase como se suas carreiras competitivas existissem como prova de conceito – essencialmente equivalentes a exaustivos estágios não remunerados que têm a chance de impulsioná-los para suas profissões reais como professores, treinadores, proprietários de academias e criadores de conteúdo.

Em vez disso, promotores como o ADCC priorizaram o valor da produção de seus eventos, optando por alocar o recente aumento na receita da venda de ingressos e ofertas de streaming para uma experiência aprimorada do espectador inteiramente em espaços para eventos maiores e melhores, apresentadores carismáticos e até mesmo bateristas de bongô – todos presumivelmente mais bem remunerados do que mais de 90% dos competidores de fato.

Devido, em parte, a esse enorme aumento nos custos de produção, o ADCC ainda não obteve lucro – um jargão comum que o principal organizador do evento, Mo Jassim, usa quando o tema do pagamento dos lutadores é levantado. Joe Rogan – ele próprio um ávido praticante de Jiu-Jitsu e comentarista do Ultimate Fighting Championship (UFC) – ecoou esse mesmo sentimento em um episódio recente de seu podcast. Rogan enquadrou a falta de lucros do evento como uma lei quase irrefutável da natureza, em vez do resultado cumulativo esperado das decisões de produção dos altos escalões do ADCC. (Rogan fez comentários semelhantes no passado quando questionado sobre o pagamento dos lutadores no UFC.)

Foi especialmente estranho, dado o enorme sucesso de Rogan na famosa indústria de podcasts de baixo custo. Como Rogan ficaria se de repente decidisse substituir seu produtor de podcast Jamie Vernon por Tom Cruise? Ou se por capricho ele sentiu que deveria apresentar o show não em sua propriedade em Austin, mas na linha de cinquenta jardas do AT&T Stadium em Dallas? Imagino que qualquer um dos desenvolvimentos exigiria que Rogan e Spotify se reunissem para analisar atentamente seu orçamento.

“No UFC, por exemplo, a organização de esportes de combate mais popular do planeta, 39% dos lutadores da empresa estão abaixo do rendimento médio dos EUA de US$ 45 mil por ano.”

E embora a negligência promocional afete muitas indústrias, os grapplers, bem como os atletas de esportes de combate, são atingidos de forma ainda mais dura, devido às suas margens limitadas e à falta de melhores práticas trabalhistas em toda a área. É improvável que o ADCC, ou qualquer organização comparável, alcance os patamares da Liga Nacional de Futebol Americano, da Associação Nacional de Basquete (NBA) ou da Liga Principal de Beisebol. Estas instituições monstruosas do entretenimento tradicional norte-americano têm uma flexibilidade financeira não partilhada pelos esportes relativamente novos, cujo público principal depende do público engajado.

É improvável que um dia na vida da maioria dos grapplers profissionais seja parecido com o de um dos jogadores da NBA num futuro próximo, mas desejamos mais lutadores que poderiam simplesmente ganhar a vida com suas carreiras profissionais sem a necessidade de complementar a renda como entregadores ou motoristas de Uber em seu tempo de inatividade – além do estudo, treino e posts nas redes – o que deveria ser o mínimo. No UFC, por exemplo, a organização de esportes de combate mais popular do planeta, 39% dos lutadores da empresa estão abaixo do rendimento médio americano de US$ 45 mil por ano. Sem falar que a carreira média de um lutador do UFC dura cerca de três anos apenas, sem nenhum seguro saúde ou pensão digna de nota – e muitas vezes resultando em problemas de saúde para o resto da vida relacionados à atividade.

Embora os esforços laborais tenham sido em grande parte malsucedidos nos esportes de combate, especialmente quando comparados com os seus semelhantes dos esportes coletivos, tem havido alguns sinais de otimismo. No ano passado, o grande boxeador Terence Crawford falou sobre seu interesse na sindicalização, alegando que, embora ele e outros lutadores de elite do esporte sejam capazes de ganhar quantias exorbitantes de dinheiro, a grande maioria dos boxeadores profissionais são muito pouco remunerados, especialmente se considerarmos os riscos físicos que correm ao subir no ringue.

No MMA, um grupo de ex-lutadores do UFC entrou com uma ação coletiva antitruste contra a controladora do evento, alegando que a empresa se aproveitou de seu status de exclusividade no esporte por meio de contratos irracionais e divisões desiguais de lucros. Infelizmente, o caso foi finalmente resolvido pelos lutadores no início deste ano. O mais recente acontecimento está no grappling, onde no mês passado foi anunciado que o ADCC enfrentaria a concorrência de outro evento – agendado para o mesmo dia, a poucos quilômetros de distância, com o interesse expresso em destacar a questão do pagamento dos atletas – o Craig Jones Invitational (CJI).

Jones alcançou a fama após ser medalhista de prata por duas vezes no ADCC e,  por acaso, também ser o atleta mais engraçado dos esportes de combate. Além das impressionantes credenciais de Jones no grappling mundial, sua verdadeira vocação parece ser como o principal provocador e troll do esporte nas redes sociais. Em um esporte repleto de uma combinação absolutamente estranha de tradicionalismo, misticismo, seriedade e machismo, Jones se destaca por seu estilo de treinamento descontraído, seu traje “Keep Jiu-Jitsu Gay” [Mantenha o Jiu-Jitsu Gay] , bem como pelas francas críticas aos principais atletas concorrentes do esporte e sua fixação pela estética do macho alfa.

“Visar mais lutadores que poderiam simplesmente ganhar a vida com suas carreiras profissionais sem a necessidade de complementar a renda como entregadores ou motoristas de Uber em seu tempo de inatividade deveria ser o mínimo.”

Jones é uma figura trabalhista única e inesperada nos esportes de combate. Durante anos, o australiano de 32 anos reclamou da situação salarial do grappler, entre superlutas vitoriosas e referências ocasionais ao Cum Town, um podcast tenso de Nova York. Então, quando foi anunciado que ele havia conseguido financiamento para seu próprio torneio de luta livre sem fins lucrativos, muitos não tinham certeza da gravidade da situação.

Jones anunciou que cada competidor receberia US$ 10.001 em dinheiro do show (US$ 1 a mais do que os campeões da categoria de peso masculino recebem no ADCC) e um valor sem precedentes de US$ 1 milhão para os eventuais campeões – a maior bolsa da história do grappling. Muitos no esporte criticaram o esforço descarado de Jones para aparentemente derrubar o ADCC, alegando que, embora apoiem um aumento no salário dos lutadores, Jones está sendo muito agressivo em relação à promoção. Em um raro momento de seriedade na Hora do MMA com Ariel Helwani, Jones disse o seguinte em resposta àqueles que sentem que suas ações são desnecessariamente agressivas e apenas dividirão a comunidade do grappling:

Você meio que tem que fazer com que os atletas e fãs façam uma escolha. . . . Fiz uma grande aposta: poderíamos colocar dinheiro suficiente em jogo para que [os atletas] basicamente decidissem se sindicalizar. . . e nos unirmos como atletas. . . se todos os campeões existentes realmente se unirem, poderemos de fato fazer uma reivindicação sobre o pagamento dos grapplers no esporte.

De forma encorajadora, muitos outros praticantes do esporte elogiaram os esforços de Jones e se sentiram incentivados a falar. Grandes nomes, incluindo Ffion Davies, Victor Hugo, Tye e Kade Ruotolo e Mackenzie Dern representam apenas alguns dos atuais e ex-campeões mundiais que rejeitaram o convite do ADCC para competir no CJI este ano.

Está claro que o ADCC começa a se sentir pressionado. Desde relatos de tentativas de manterr as aparências pagando atletas por baixo dos panos para garantir sua fidelidade, até ao aumento discreto dos prêmios em dinheiro anteriormente desiguais para as concorrentes femininas, até certos organizadores que fazem ameaças de morte nas redes sociais, está escrito na parede o que está por vir no grappling competitivo.

Graças a Jones e às experiências de seus antecessores, o mito de mudar de vida após uma medalha de ouro está começando a desaparecer. Cada vez mais lutadores e fãs do esporte reconhecem os argumentos cada vez mais ultrapassados em torno do prestígio competitivo, da honra e da lealdade pelo que são – pistas falsas para manter o dinheiro fora dos bolsos das pessoas que trabalham de verdade. Os lutadores colocam seus corpos, cérebros e até mesmo suas vidas em risco para competir, em parte, pelo nosso entretenimento. E nós nos voltamos, não para uma mera promoção, para uma peça de engrenagem ou um artista qualquer – mas para eles, que com certeza, merecem uma remuneração justa.

Sobre os autores

é um escritor que mora em Los Angeles. Ele tem mestrado em política global pela Loyola University Chicago.

Cierre

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Published in América do Norte, Análise, Esportes and Trabalho

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