Embora Donald Trump tenha feito campanha criticando o abuso irrestrito da guerra militar – principalmente no Iraque -, ele descartou essa postura desde que assumiu o cargo, favorecendo a retórica belicosa sobre a ação diplomática. Trump pressionou pelo aumento do orçamento militar e demonstrou pouco interesse em reduzir a intervenção dos EUA. Nas últimas semanas aprovou o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani e comprometeu mais tropas dos EUA no Oriente Médio.
Como o Irã é a região chave da política externa de Trump, a oposição na Venezuela tenta atrair sua atenção, vinculando o presidente Nicolás Maduro àquele país do Oriente Médio e ao Hezbollah.
Há um ano, Trump acreditava que poderia facilmente depor Maduro e colocar o líder da oposição Juan Guaidó no Palácio de Miraflores. Trump reconheceu Guaidó como presidente oficial da Venezuela e conspirou em vários esquemas para levar as Forças Armadas venezuelanas para o lado de Guaidó e depor o presidente legítimo. Quando esses esforços fracassaram, os EUA continuaram a sancionar o governo venezuelano e ameaçou países e empresas estrangeiras que trabalhavam com o país latino-americano.
Mas Maduro continuou firme e, nesse ponto, os EUA foram derrotados. O próprio Trump parece ter chegado a compreender que Maduro é um “biscoito duro”, e pode não sair do cargo tão silenciosamente. Trump pode esporadicamente protestar contra Maduro e aumentar as sanções, mas o presidente venezuelano mantém a lealdade dos militares e demonstrou grande capacidade de resistir e se manter no poder.
Daí a nova estratégia de vincular Maduro ao governo iraniano e ao Hezbollah. Recentemente, Guaidó esteve na Colômbia, onde se reuniu com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, em uma suposta “conferência antiterrorista”. O objetivo expresso da viagem foi permitir que Guaidó apresentasse evidências de que o governo Maduro está conspirando com o Hezbollah, um partido político e organização militar apoiado pelo governo iraniano, mas que os EUA classificam como uma organização terrorista.
Em um encontro, em 20 de janeiro, com o secretário Pompeo, Guaidó afirmou que os venezuelanos vivem sob “uma ditadura que tem vínculos com o ELN [grupo militante de esquerda na Colômbia] e o Hezbollah e que não teve vergonha de se infiltrar nas diferentes organizações no assassinato de políticos na Venezuela”. Pompeo tocou o mesmo alarme, insistindo que “seja o ELN ou as FARC, existem elementos do Hezbollah em muitos países da América do Sul”.
Há muito que Pompeo concorda com essas alegações, tendo afirmado, em fevereiro de 2019, numa entrevista à Fox News, que “o Hezbollah tem células ativas – os iranianos estão impactando o povo da Venezuela e da América do Sul”. Desde o governo de Hugo Chávez, militares norte-americanos e os membros da oposição venezuelana levantaram acusações falsas de que a Venezuela trabalhava ativamente com o Hezbollah e dava refúgio a seus membros. O objetivo era claro: dar aos EUA um pretexto para designar a Venezuela como patrocinadora do terrorismo e deslegitimar o governo de Chávez.
A oposição venezuelana agora segue o mesmo manual. Reconhecendo que Trump pode estar menos interessado em depor imediatamente Maduro, a oposição venezuelana tenta capitalizar as crescentes tensões de Washington com Teerã. Carlos Vecchio, embaixador autoproclamado de Guaidó nos EUA, disse ao jornal Washington Examiner que “não precisamos esperar a tragédia para agir”, referindo-se a uma suposta presença do Hezbollah na Venezuela.
Assim como Soleimani e os supostos ataques iminentes que planejava, Pompeo e Guaidó não dão evidências que apoiem suas suspeitas infundadas. Não está claro a que “assassinatos políticos” Guaidó se referiu em sua entrevista coletiva e como e por que o Hezbollah pode estar envolvido. Assim também, com a intrigante e infundada alegação de Pompeo de que o Hezbollah está ligado ao ELN e às FARC.
Ao mesmo tempo, esses vínculos confusos estão fora de questão. As alegações instáveis nunca impediram aos líderes dos EUA assassinar indivíduos no exterior ou de fingir pretensões de iniciar uma guerra militar. Se os líderes estadunidenses e seus aliados puderem formular uma narrativa para justificar suas ações no exterior, eles o farão. Drones atacando um líder do governo iraniano visitando um país soberano pode parecer inconcebível para alguns – ainda assim aconteceu em Bagdá, no assassinato do general iraniano.
Mas é preciso ser claros: o que os líderes da oposição venezuelana estão pressionando, com ajuda de seu aliado, o teórico da conspiração Mike Pompeo, é descarado, desesperado e perigoso. Em 2019, eles incentivaram levantes militares, sanções externas e isolamento internacional. Os líderes dos EUA, de ambos os partidos, pediram às Forças Armadas venezuelanas que desertem e deponham o governo Maduro. Trump pode não se importar com o que acontece na Venezuela, mas muitos ao seu redor certamente se importam – pessoas como o senador Marco Rubio e o conselheiro de Trump Mauricio Claver-Carone. Eles adorariam dar corda à história dos EUA para derrubar líderes latino-americanos.
A oposição na Venezuela percebeu que perdeu força. Sua nova peça é um esforço de última hora para trazer Washington de volta ao país. Enquanto o desespero da oposição segue, não devemos deixar passar nenhuma conspiração.
Sobre os autores
é professor de sociologia na Universidade da Carolina do Norte.