Na semana passada, o MS Braemar, um navio transatlântico que transportava 682 passageiros vindo do Reino Unido, ficou momentaneamente encalhado. Cinco dos passageiros do cruzeiro haviam testado positivo para o coronavírus. Várias dezenas de outros passageiros e membros da tripulação ficaram isolados após apresentarem sintomas semelhantes aos da doença. O navio havia sido recusado de atracar em vários portos em todo o Caribe. De acordo com fontes do governo britânico que conversaram com a CNN, o Reino Unido procurou os Estados Unidos e Cuba “para encontrar um porto adequado e seguro para a Braemar.”
Qual país aceitou? Se você prestou atenção na retórica xenofóbica do governo Trump sobre “o vírus chinês” e sua obsessão em manter estrangeiros fora do país, e você sabe alguma coisa sobre a tradição de Cuba de enviar médicos para ajudar as crises humanitárias em todo o mundo, você consegue adivinhar a resposta.
O Braemar ancorou no porto cubano de Mariel na quarta-feira passada. Os passageiros sem sintomas foram transportados para o aeroporto de Havana para viajarem aos seus países de origem. Aqueles que estavam doentes demais para voar receberam tratamento em hospitais cubanos – embora houvesse apenas dez casos confirmados em todo o país, fazendo com que os pacientes do navio de cruzeiro ameaçassem aumentar esse número.
Cuba se mobiliza contra o vírus
Apesar de ser um país pobre que frequentemente sofre de escassez – produtos elementares para a economia por causa dos efeitos de 60 anos de embargo econômico por seu maior parceiro comercial natural, os EUA – Cuba estava em melhor posição do que a maioria dos países para lidar com a pandemia de coronavírus.
O país combina um sistema médico completamente socializado que garante assistência médica a todos com impressionantes inovações biotecnológicas. Um medicamento antiviral cubano (Interferon Alfa-2B) tem sido usado para combater o coronavírus tanto no país quanto na China. Cuba também possui 8,2 médicos para 1.000 habitantes – bem mais de três vezes a taxa dos EUA (2,6), quatro vezes mais que o Brasil (2,1) e a Coreia do Sul (2,4); quase cinco vezes mais que a China (1,8) e quase duas vezes mais que a Itália (4,1).
No topo de seu impressionante sistema médico, Cuba tem um histórico muito melhor de proteger seus cidadãos de emergências do que outros países pobres – e até mesmo algumas ricos. Seu sistema completo “de por a mão na massa” no quesito preparação para furacões, por exemplo, é uma maravilha, e os números falam por si. Em 2016, o furacão Matthew matou dezenas de estadunidenses e centenas de haitianos. Mas nem um único cubano morreu. Os residentes conseguiram levar até mesmo seus animais domésticos: os veterinários estavam estacionados nos centros de evacuação.
O coronavírus será um desafio mais difícil do que um furacão, mas Cuba vem aplicando o mesmo espírito de “mão na massa” para se preparar. O turismo foi encerrado (um sacrifício particularmente doloroso, dada a importância do setor para a economia sitiada de Cuba). E a indústria nacional de assistência médica não apenas garantiu que milhares de hospitais civis estejam prontos para pacientes com coronavírus, como também que vários hospitais militares estejam abertos para uso civil.
Máscaras: um conto sobre dois países
Nos EUA, o cirurgião geral e outras autoridades tentaram conservar máscaras faciais para profissionais de saúde dizendo a população que as máscaras “não ajudariam”. O problema, como argumentou a Drª. Zeynep Tufekci, em um artigo recente do New York Times, é que a ideia de que médicos e enfermeiros precisavam das máscaras minava a alegação de que elas seriam ineficazes. As autoridades apontaram corretamente que as máscaras seriam inúteis (ou até causariam mais mal do que bem) se não fossem usadas corretamente, mas, como observa Tufekci, essas mensagens não fizeram o menor sentido. Por que não lançar uma campanha educacional massiva para promover os prós e contras do uso adequado de máscaras em vez de mentir?
Muitas pessoas também lavam as mãos de maneira errada, mas não falamos para elas não se incomodarem com isso. Em vez disso, fornecemos instruções; colocamos avisos nos banheiros; ajudamos as pessoas a cantar músicas enquanto lavam as mãos e etc.. Dizer às pessoas que elas não podem descobrir como usar uma máscara adequadamente não é uma mensagem convincente.
O resultado previsível de tudo isso é que, depois de semanas de mensagens “não compre máscaras, elas não funcionarão para você”, foram tantas máscaras compradas que não é possível encontrar uma máscara à venda em nenhum lugar do país, fora algumas na Amazon por preços absurdamente exorbitantes. Em Cuba, por outro lado, as fábricas estatais que normalmente produzem uniformes escolares e outros itens não-médicos foram reestruturadas para aumentar drasticamente o estoque de máscaras.
Médicos cubanos no exterior
O mesmo espírito humanitário e internacionalista que levou Cuba a permitir que o Braemar atracasse também levou o pequeno país a enviar médicos para ajudar o Haiti depois do devastador terremoto de 2010; para lutar contra o Ebola na África Ocidental em 2014 e, mais recentemente, ajudam o sistema de saúde sobrecarregado da Itália em meio à pandemia de coronavírus. Cuba se ofereceu para enviar assistência semelhante aos EUA depois que o furacão Katrina devastou a costa do Golfo, mas a ajuda foi rejeitada pelo governo George Bush (como era previsto).
Mesmo fora de emergências temporárias, Cuba há muito tempo envia médicos para trabalhar em países pobres com escassez de assistência médica. No Brasil, os médicos cubanos foram calorosamente recebidos pela população, e rejeitados pela direita, grande mídia e parte da classe médica, durante o governo Dilma. O programa de cooperação foi, no entanto, interrompido com a ascensão do governo Bolsonaro. Quando assumiu o cargo, o candidato da extrema-direita expulsou a maioria dos médicos cubanos do país, insistindo que eles estavam no Brasil para “criar células de guerrilha e doutrinação”, não para curar doentes nos rincões do país onde os médicos não querem trabalhar.
Há duas semanas, Jair Bolsonaro disse que a ideia de que o coronavírus representava uma séria ameaça à saúde pública era uma “fantasia”. Agora que a realidade se instalou no país, ele está implorando para que médicos cubanos voltem.
Abraçando a complexidade de Cuba
No mês passado, Bernie Sanders foi duramente criticado por republicanos e democratas por reconhecer as conquistas da Revolução Cubana. Para esses críticos, não importava o fato de Sanders começar e terminar seus comentários chamando o governo cubano de “autoritário” e condenando-o por manter presos políticos. Em vez disso, eles pareciam julgar seus comentários pelo que chamei de “Padrão Nárnia”. Em vez de discutir francamente os aspectos positivos e negativos da sociedade cubana, o governo é tratado como se não houvesse nada de bom – como Nárnia antes de Aslan, onde era “sempre inverno e nunca Natal”.
Os socialistas democratas valorizam a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, eleições multipartidárias e democracia nos locais de trabalho. Podemos e devemos criticar o modelo de organização social de Cuba por seus déficits. Mas a abordagem admiravelmente humana e solidária de Cuba em meio a crise do coronavírus humilham aqueles que insistem em dizer que a ilha é governada como se fosse um pesadelo interminável.
Sobre os autores
é professor de filosofia e autor de Give Them An Argument: Logic for the Left. Ele faz um quadro semanal chamado "The Debunk", no The Michael Brooks Show.
[…] uma nação que tem estado na vanguarda dos esforços de ajuda ao coronavírus, também foi impactada. De acordo com as Nações Unidas, um específico embargo norte-americano de […]