O controle de aluguel está de volta. Nos Estados Unidos, inquilinos e movimentos que lutam pela justiça habitacional estão enfrentando o poderoso lobby imobiliário e seus aliados políticos através de uma poderosa escalada na atividade legislativa e eleitoral. Em fevereiro, o Estado do Oregon promulgou um limite de aluguel em todo o seu território. Na Flórida, Colorado, Illinois e Nevada, as Assembleias estaduais apresentaram projetos para suspender o controle de aluguel. E na Califórnia, apesar da derrota da Proposition 10 — que teria permitido a expansão do controle de aluguel — foi introduzido outro pacote de leis para remover as restrições estaduais no controle de aluguel, difundir as proteções contra o despejo e impedir o aluguel extorsivo.
Os eleitores da região de Chicago já votaram esmagadoramente três vezes pelo controle de aluguel, ao passo que, em novembro de 2019, o senado do Estado de Nova Iorque passou em grande parte do vermelho para o azul em uma programa de “controle universal de aluguel”. No nível federal, a senadora Elizabeth Warren incluiu incentivos para que as localidades aprovem o controle de aluguel em seu novo projeto de lei de moradia.
Estamos enfrentando a pior crise de aluguéis desta geração. O mercado nunca atendeu às necessidades dos locatários de baixa renda e os novos prédios são cada vez mais voltados para o “luxo”. Uma parcela sem precedentes de imóveis para alugar é controlada por grandes proprietários corporativos, enquanto a desregulamentação do mercado financeiro alimentou o aumento das especulações. Nesse contexto, o grande setor imobiliário despejou enormes quantias de dinheiro no financiamento de campanhas de relações públicas alegando que o controle de aluguel prejudica os locatários. Porém, a organização poderosa de inquilinos e comunidades está resistindo e exigindo políticas habitacionais que respondam pelas necessidades dos inquilinos.
O Center for Popular Democracy [Centro para Democracia Popular], a Right to the City Alliance [Aliança do Direito à Cidade] e o PolicyLink divulgaram recentemente um relatório “Our Homes, Our Future“ [Nossas Casas, Nosso Futuro], destacando a importância crítica do controle de aluguel. Nossas redes apoiam ativamente a organização de inquilinos em todo o país. Nesse relatório e por meio das organizações afiliadas, exigimos que os políticos coloquem as necessidades humanas em primeiro lugar.
O controle de aluguel corresponde ao tamanho e à urgência da crise dos locatários. Poucas outras políticas podem oferecer um alívio significativo que seja tão rápido e abrangente. Se as campanhas de controle de aluguel em andamento em seis Estados e duas cidades estadunidenses forem bem-sucedidas, 12,7 milhões de famílias locatárias serão estabilizadas — com pouco ou nenhum custo para o governo. Se adotado nacionalmente, 42 milhões de famílias podem ser estabilizadas. O controle de aluguel opera definindo um cronograma previsível de aumentos permitidos no preço do aluguel, geralmente um teto percentual. Nas cidades onde o controle de aluguel já existe, essa é frequentemente a maior concentração de moradias populares. O fortalecimento e a expansão do controle do preço do aluguel nos ajudariam a avançar para uma economia e sociedade mais justas e inclusivas.
Jacqueline Luther, locatária em Los Angeles, coloca desta forma: “Precisamos de um controle de aluguel mais forte, para vivermos uma vida melhor”.
Uma Política Que Funciona
O controle de aluguel funciona — aumentando efetivamente a estabilidade e a acessibilidade da moradia. Ele alcança os mais necessitados, beneficiando desproporcionalmente inquilinos de baixa renda, pessoas não-brancas, imigrantes, idosos, famílias sustentadas por mulheres e pessoas com necessidades especiais. Quanto mais fortes e mais universais forem os controles, maior será a ajuda aos mais marginalizados.
O controle de aluguel é, antes de tudo, uma ferramenta que diminui o desalojamento, pois, ajuda a aliviar a rotatividade de mudanças forçadas e despejos que assolam os inquilinos de baixa renda. Esse controle dá mais tempo para comunidades não-brancas de baixa renda sob a pressão da gentrificação, combatendo o desalojamento causado pelo aumento rápido dos aluguéis — e, o mais importante, é aqui que o controle de aluguel pode intervir rapidamente, antes que seja tarde demais. Se, em vez disso, confiarmos no “efeito de gotejamento” de novas construções imobiliárias predominantemente voltadas para o luxo para promover a acessibilidade, será tarde demais.
Nos mercados imobiliários aquecidos, como São Francisco e a cidade de Nova Iorque, poucas famílias de baixa renda permaneceriam em áreas gentrificadas, não fosse o controle de aluguel e a habitação social. Como diz Phara Souffrant, morador caribenho-americano do Brooklyn e líder da União de Inquilinos de Crown Heights: “Não é apenas uma questão de dinheiro. É sobre ter uma base estrutural em que se pode apoiar”.
Imediatamente após a adoção de controle de aluguel em Los Angeles, a parcela de locatários que se mudaram nos últimos doze meses diminuiu em 37%, com taxas caindo ainda mais para negros e latinos. Em Manhattan, inquilinos em unidades habitacionais com preço do aluguel regulado têm dez vezes mais chances de permanecer na mesma casa por vinte anos ou mais (35%, em comparação com 3%). Resultados semelhantes foram observados em Santa Mônica após a aprovação do controle de aluguel.
No entanto, nos círculos políticos dominantes, a estabilidade como um benefício vital do controle de aluguel é negligenciada. O papel dos proprietários de imóveis na “ancoragem” de certos bairros é geralmente comemorado. Porém, no que diz respeito aos locatários, os economistas tradicionalmente classificam o sucesso do controle de aluguel em melhorar a estabilidade habitacional como algo negativo — um sinal de “falta de mobilidade” e de “ineficiência” na alocação de unidades habitacionais.
No entanto, para muitos inquilinos de baixa renda, a “mobilidade” não é uma escolha, mas um processo violento de desalojamento. Nas palavras de Vaughn Armour, um idoso negro do Brooklyn e líder da campanha do New York Communities for Change pelo controle universal de aluguel: “Se eu não tivesse uma moradia com aluguel estabilizado, estaria em um abrigo ou na rua”.
Se o controle do aluguel fosse ampliado, a maioria dos beneficiários seria de baixa renda. Em Los Angeles, famílias de baixa renda e locatários negros foram os maiores beneficiados após a aprovação da estabilização do aluguel. O controle de aluguel atinge imigrantes de baixa renda não-elegíveis para assistência habitacional do governo. Ele ajuda, também, a diminuir o desalojamento de famílias com crianças.
Quando locatários prosperam, suas comunidades prosperam junto. A economia feita com a redução das mensalidades de aluguel possibilitaria um aumento no poder de compra dos locatários de baixa renda, impulsionando economias locais. Moradias estáveis e acessíveis promoveriam melhorias na saúde, nos resultados educacionais e na retenção de empregos. Tudo isso impactaria na recuperação de doenças e ajudaria a proteger essas pessoas contra os abusos domésticos e sexuais. Enquanto a gentrificação está relacionada à diminuição da participação eleitoral entre grupos historicamente desprivilegiados, a estabilidade ajudaria a fortalecer redes sociais, instituições comunitárias e a participação democrática.
“Não é apenas um problema dos locatários”, diz Adrian Leong, organizador da Chinese Progressive Association in San Francisco [Associação Progressista Chinesa em São Francisco], que reconhece o papel vital da moradia de baixo custo na preservação da Chinatown [bairro de maioria chinesa dentro de uma sociedade não-chinesa]. “Todos nós contamos com o controle de aluguel, para ter uma comunidade vibrante”.
O controle de aluguel dá suporte aos trabalhos reprodutivo, doméstico e de cuidado, subvalorizados, mas vitais para o tecido da sociedade. “O tipo de trabalho que eu fazia, não vai te pagar muito — você precisa fazê-lo do fundo do coração”, compartilhou Gwendolyn Viola Fox Bibins, assistente social, membra ativa da União de Inquilinos de Crown Heights e imigrante caribenha-americana que mora na mesma casa do Brooklyn há 35 anos. “Um apartamento com aluguel estabilizado me permitia respirar”, diz ela, e agora, apesar de suas poucas economias, garante um lugar para se aposentar. Luther, que passou a infância no programa de acolhimento familiar, obteve seu mestrado em terapia enquanto vivia em uma casa com aluguel estabilizado. Mas sua irmã, que não teve a sorte de encontrar moradia estabilizada, foi forçada ir para a rua.
Sobre “consequências não intencionais”
O argumento comum contra o controle de aluguel é o seguinte: de acordo com a economia pelo lado da oferta, qualquer tipo de regulação do preço do aluguel prejudica tanto a oferta quanto a viabilidade da construção imobiliária. Assim, dizem os oponentes do controle de aluguel, o resultado é um aumento no déficit habitacional e, consequentemente, aluguéis ainda mais altos, especialmente em unidades habitacionais não controladas.
Fundamentalmente, no geral, o controle não faz o preço do aluguel de unidades não regulamentadas aumentar. O controle de aluguel não é o motor da especulação, da gentrificação ou do déficit habitacional. Em Massachusetts, Califórnia e Nova Jersey, o controle de aluguel melhorou um pouco a acessibilidade em unidades habitacionais não controladas ou não teve efeito prejudicial sobre o preço desses aluguéis.
As evidências demonstram que, de maneira geral, o que faz os aluguéis dispararem é a suspensão ou a flexibilização do controle de aluguel.
Evidências empíricas demonstram que o controle do aluguel não prejudica a construção imobiliária. Pelo contrário, os dois podem andar de mãos dadas. Em primeiro lugar, nos EUA, os controles de aluguel não se aplicam a novos empreendimentos imobiliários. Além disso, o mercado imobiliário é muito mais complexo do que a primeira lição de teoria econômica — as condições gerais de mercado e o zoneamento urbano têm muito mais influência nas novas construções. E enquanto a tônica do debate sobre moradia se concentra principalmente na construção privada, também existe a possibilidade de associar o controle de aluguel à construção pública, transformando o déficit habitacional em superávit através da construção de moradias públicas e sociais — e a uma velocidade muito maior do que o mercado privado.
O controle do aluguel também não leva necessariamente a um declínio na manutenção dos imóveis. Embora a pesquisa possa parecer ambígua, é importante fazer uma distinção entre melhorias na aparência cosmética dos edifícios e a manutenção funcional, essencial para a saúde e a segurança. Quando o controle de aluguel é abolido ou enfraquecido, vemos o aumento da gentrificação e das melhorias cosméticas associadas a ela. No entanto, estudos mostram que o controle de aluguel não teve impacto no abandono dos imóveis, ou no encanamento — um indicador da manutenção funcional. Em Washington DC, o percentual de unidades habitacionais com problemas de manutenção diminuiu após a estabilização do aluguel ser implementada; e as unidades com aluguel controlado eram ainda menos propensas a ter problemas do que as unidades não controladas, apesar de as últimas serem mais caras.
Muitos inquilinos relatam que o controle de aluguel, combinado com a forte observância da lei, proporciona os mecanismos legais e a alavancagem necessária para que possam galgar melhores condições — por exemplo, colocando o aluguel em custódia até que os proprietários respondam aos pedidos de reparo. Sem proteção, os inquilinos geralmente têm medo de solicitar reparos, pois o despejo por meio do aumento do preço do aluguel sempre pode acontecer como retaliação.
Os opositores dizem que, comparado aos subsídios mediante a verificação de recursos (isso é, em função do rendimento), o controle de aluguel é “ineficiente” como ajuda aos mais necessitados, porque qualquer ganho que os inquilinos possam ter é cancelado pelas perdas dos proprietários. Mas enquanto os maiores proprietários corporativos dificilmente sentiriam falta de mil dólares, esse valor é significativo para as famílias de baixa renda. As análises de custo-benefício feitas pelos economistas, que apenas comparam quantias monetárias e não o impacto humano, ignoram essas distinções. Tampouco incluem tipicamente os gastos públicos com desabrigados e desalojados. O controle de aluguel, por sua vez, ajuda a estender esses limitados subsídios, concedidos mediante a verificação de recursos, e que alcançam apenas uma pequena fração dos necessitados. Graças ao seu escopo mais universal, os controles de aluguel podem promover a equidade social em maior escala.
Descontrole de vagas
O controle de aluguel é mais eficaz em manter a habitação acessível para inquilinos de baixa renda quando ele é forte e se estende ao maior número possível de unidades habitacionais. Nos Estados Unidos, as deficiências do controle de aluguel são muitas vezes devido a falhas na sua aplicação, pois, ao longo das décadas, grandes proprietários e seus aliados políticos reverteram ou diluíram as regulamentações existentes (por exemplo, impondo o descontrole de vagas).
Na Califórnia e em outros lugares, as leis de estabilização de aluguel permitem que os aluguéis sejam aumentados sem restrições, voltando ao preço de mercado cada vez que um inquilino se muda — uma provisão chamada “descontrole de vagas”. Essa pílula de veneno, imposta em toda a Califórnia em 1995 e cada vez mais inserida nos regulamentos de aluguel desde a década de 1970, reduziu drasticamente a acessibilidade habitacional. Em Santa Mônica, antes do descontrole de vagas, os aluguéis de 83% das unidades habitacionais controladas eram acessíveis a famílias de baixa renda; após o descontrole de vagas, menos de 4% das unidades de aluguel estabilizado se mantiveram acessíveis a essas famílias.
“O descontrole de vagas de aluguel elevado”, que descontrola permanentemente o estoque quando os aluguéis atingem um determinado patamar, causou a hemorragia de mais de 155.000 unidades habitacionais de aluguel regulamentado na cidade de Nova Iorque desde 1994. Além disso, o descontrole de vagas incentiva os proprietários a procurar maneiras de forçar os inquilinos a se mudarem, para que possam aumentar o aluguel ilimitadamente.
A crise atual de acessibilidade imobiliária é impulsionada pela nossa dependência excessiva no mercado com fins lucrativos para o fornecimento da maior parte dos imóveis, e o aumento da especulação — um resultado direto da desregulamentação do papel do mercado financeiro no setor imobiliário. O mercado nunca atendeu às necessidades dos locatários de baixa renda e a produção é cada vez mais voltada para o luxo.
A maioria das novas construções, e mesmo grande parte das que se passam por moradias “acessíveis“, não chega nem perto da escala e profundidade de acessibilidade necessárias. Atender verdadeiramente às necessidades dos locatários exigiria investimento público em massa na preservação e construção em todos os níveis governamentais.
O controle de aluguel forte pode ajudar a diminuir a especulação. No entanto, restringir verdadeiramente o domínio das influências especulativas sobre os aluguéis e garantir uma acessibilidade ampla e de longo prazo exige que os controles sejam combinados com outras intervenções: investimento maciço em habitações e subsídios públicos, além de políticas que limitem práticas especulativas. Ao longo das décadas, o estoque de aluguel controlado tende a diminuir, seja porque os edifícios envelhecem e ficam decrépitos, seja devido a remoções através de brechas legais. Para que o controle de aluguel mantenha sua abrangência sobre uma grande parte de terrenos, o lote controlado deve ser reabastecido através da inclusão contínua de novos edifícios.
O controle de aluguel preserva e aprofunda a acessibilidade, mas por si só não produz novas unidades habitacionais — portanto, a construção pública deve intervir. Outras políticas, como a regulamentação do mercado financeiro, bancos públicos, impostos sobre imóveis desocupados e fundos comunitários, devem ser empregadas para limitar e desmantelar os mecanismos da especulação imobiliária.
O controle de aluguel é uma base para a construção do poder dos locatários. Os movimentos só tendem a aumentar à medida que as condições pioram para os locatários, e eles se organizam a fim de proteger suas casas e comunidades. Os riscos são altos e a oposição do mercado imobiliário é enorme — mas há grande urgência para que o legislativo resolva essa situação política em prol do controle de aluguel, dos locatários e de um mercado imobiliário mais justo.