Como quase todos os professores universitários, eu estive dando aula online nas últimas semanas. Não gostei muito. Eu amo liderar discussões em salas de aula e detesto ter que dar notas. O ensino online significa muito mais o último do que o primeiro.
Mesmo assim, não é tão ruim assim. Apesar de trabalhar em universidades com um cunho cada vez mais corporativo, em que a maioria dos professores não tem muita seguridade no trabalho, as pessoas que vivem de lecionar no ensino superior estão entre os trabalhadores mais autônomos dos Estados Unidos. Tenho ampla flexibilidade para definir minha própria agenda e decidir muitos detalhes sobre como faço meu trabalho no dia-a-dia. Na verdade, essa liberdade é aprimorada ficando em casa.
A maioria dos trabalhadores dos Estados Unidos tem muito menos sorte. Como os socialistas sempre apontaram, os locais de trabalho são lugares de tirania. Como a maior parte das pessoas tem dificuldade em encontrar o capital inicial para construir um negócio próprio, e a maioria das pequenas empresas entra em colapso rapidamente, o sujeito médio não tem outra escolha a não ser trabalhar para outra pessoa. Como disse Karl Marx, os trabalhadores são “duplamente livres” – tanto para vender sua força de trabalho a um empregador quanto para morrer de fome se recusarem fazê-lo.
Os libertários e outros defensores do status quo econômico gostam de retratar o emprego capitalista como uma transação de mercado completamente voluntária entre agentes que contratam e são contratados livremente. Mas a maioria dos trabalhadores tem pouquíssimo poder de barganha como indivíduos. É muito mais fácil para a maioria dos chefes substituir um trabalhador do que, para a maioria dos trabalhadores, substituir sua fonte de sustento.
Esse desequilíbrio de poder se reflete em tudo, desde as dezenas de milhões de trabalhadores que são obrigados a assinar cláusulas que os impedem de trocar de emprego sem aprender habilidades totalmente diferentes, até as táticas autocráticas de empresas como a Amazon, que usa vigilância de alta tecnologia para garantir que as encomendas sejam processadas a uma velocidade alucinante – e que os trabalhadores não demorem nem um minuto a mais no banheiro.
O coronavírus forçou aqueles que só podem trabalhar em locais físicos a aceitar uma escolha cruel: arriscar perder seu emprego (e seguro de saúde, por exemplo) ou suas vidas indo ao trabalho.
Mas, e os relativamente sortudos que podem trabalhar em casa sem perda de renda? Parece que deve ter uma fórmula para aumentar a liberdade – talvez onde trabalhadores e empregadores contratem livremente uns aos outros parecendo dois fazendeiros pré-modernos discutindo sobre quantos ovos trocar por um litro de leite fresco. O empregador fornece uma renda. O empregado, por sua vez, completa suas tarefas do jeito que quiser.
Mas este é o mundo real, não o sonho delirante dos libertários. Os empregadores, com a intenção de manter sua autoridade no local de trabalho, estão recorrendo aos meios tecnológicos orwellianos para impedir que os trabalhadores obtenham um pingo de autonomia. Fabricantes de software como InterGuard, Time Doctor, Teramind, VeriClock, innerActiv, ActivTrak e Hubstaff têm visto uma demanda crescente desde o início da pandemia. Elas oferecem monitoramento minuto a minuto, clique por clique tão logo os trabalhadores concluam tarefas no que deveria ser a privacidade de suas próprias casas. Essas empresas também fornecem aos chefes “métricas de produtividade”, incluindo a frequência com que um trabalhador envia e-mails.
Para algumas empresas, exigir que as reuniões na plataforma Zoom tenham a câmara ligada não são invasivas o bastante. Eles aproveitaram o recurso de “rastreamento de atenção” do software, que permitia aos chefes ver quando um participante saía da reunião por mais de trinta segundos. Após protestos generalizados sobre o recurso – que poderia ser ativado sem o conhecimento dos trabalhadores -, o Zoom parou este dispositivo no início deste mês.
Ainda assim, as empresas têm muitos truques autocráticos nas mangas. E o efeito de todas essas medidas é fazer com que os trabalhadores se sintam monitorados mais de perto do que em um local de trabalho físico. “Jane”, uma fonte anônima citada pela Vox’s Recode, trabalha em uma empresa que a espia com um software, de nome ameaçador, TeamViewer [Visualizador de Equipe]. Ela relata que mal consegue “levantar-se e esticar-se” sem se preocupar se o TeamViewer vai desconectá-la por estar ociosa ou se o chefe dela enviará um e-mail para checar como estão as coisas.
Alison Green, do site Ask a Manager, disse que ouviu de várias pessoas que seus chefes pediram que eles permanecessem conectados a uma videoconferência durante todo o dia de trabalho e para que ficassem com a câmera ligada constantemente. A Axos Financial enviou um e-mail a seus funcionários avisando que não somente as teclas estavam sendo registradas, mas uma captura de tela aleatória seria feita a cada dez minutos para garantir que eles estivessem executando as tarefas.
O CEO da Axos, Gregory Garrabrants, é um dos CEOs de bancos mais bem pagos dos Estados Unidos. Questionado se Garrabrants estaria sujeito ao mesmo tipo de vigilância quando ele próprio trabalha em casa, o porta-voz do Axos, Gregory Frost, se recusou a comentar. Qualquer pessoa com meio cérebro sabe a resposta. Regras como essa não são para pessoas como Garrabrants. Elas são para os trabalhadores “duplamente livres” sob o olhar do chefe que tudo vê.
Sobre os autores
é professor de filosofia e autor de Give Them An Argument: Logic for the Left. Ele faz um quadro semanal chamado "The Debunk", no The Michael Brooks Show.