Nas últimas cinco semanas, mais de vinte e quatro milhões de trabalhadores norte-americanos candidataram-se ao seguro desemprego. Este número representa mais de um em cada sete trabalhadores. A título de comparação, no período pré-coronavírus, um milhão de trabalhadores candidatou-se num período de cinco semanas.
É necessário um congelamento da atividade econômica normal para manter o maior número possível de pessoas em casa e impedir a propagação do vírus. Mas a devastação econômica em massa não é um resultado inevitável.
Nos países da Europa Ocidental e do Norte da Europa, por exemplo, os governos tomaram medidas agressivas – frequentemente a pedido da esquerda e dos sindicatos – para proteger os empregos dos trabalhadores durante a crise, para que os empregos fiquem à espera deles quando for seguro regressar à atividade normal e para, até lá, proporcionar um alívio adequado. Os pesquisadores do Instituto de Política Econômica apelidam esta abordagem de “congelamento profundo da economia”, sendo a ideia que esta pode ser descongelada e rapidamente restaurada quando a pandemia acabar. Sim, custa dinheiro, mas o mesmo se pode dizer de uma recessão econômica interminável.
Os EUA optaram por não enveredar por esta via. O Congresso autorizou trilhões de despesas, mas, com uma exceção – a indústria aeronáutica, e mesmo assim só porque o sindicato dos comissários de bordo a pressionou -, não tomou quaisquer medidas de garantia salarial direta, permitindo, em vez disso, demissões em massa sem entraves. Esses postos de trabalho não estarão necessariamente disponíveis assim que a atividade econômica for retomada, o que provavelmente garantirá uma elevada taxa de desemprego durante muito tempo.
Cenário de austeridade
Entretanto, embora o Governo federal tenha expandido o seguro desemprego, os trabalhadores nos Estados Unidos sofrem com infra-estruturas sociais inadequadas. No verão passado, o Projeto Nacional de Direito do Trabalho (National Employment Law Project) publicou um artigo intitulado “Os sistemas estatais de desemprego ainda conseguem combater recessões?”. A resposta, concluíram, foi não: em vez disso, muitos sistemas estatais de desemprego eram intencionalmente disfuncionais, concebidos para dificultar a candidatura e o recebimento do auxílio, uma espécie de austeridade por meio de burocracia. Os autores do estudo recomendaram grandes revisões anti-Austeridade, a fim de se preparar para a inevitável próxima recessão.
Mas agora é tarde demais. Nos Estados em pior situação, como a Flórida e a Carolina do Norte, as infra-estruturas de desemprego quebradas “estão causando estragos com o funcionamento dos processos de solicitação. O resultado é que os trabalhadores que precisam de subsídios não têm acesso a eles”. Além destes, muitos outros Estados “que programaram os sistemas para falhar podem entrar em colapso sob o peso da nova onda de solicitações”.
Como resultado destes e de outros erros – nenhum deles acidental, todos cometidos pensando nos interesses dos contribuintes ricos – a classe trabalhadora norte-americana, ainda não recuperada desde a última crise econômica devastadora há pouco mais de uma década, está prestes a enfrentar uma enorme e desnecessária miséria. Muito deste sofrimento poderia ter sido evitado com gastos sociais adequados e a concepção de programas anti-austeridade, mas, em vez disso, os legisladores norte-americanos continuaram a destruir a rede de segurança social da nação, que já era fraca, enquanto a desigualdade disparou e a riqueza das pessoas mais ricas da nação deslanchou.
A bonanza dos bilionários
E então, como vão os mega-ricos nestes tempos difíceis? O relatório anual Bonanza dos Bilionários, do Instituto de Estudos Políticos, acaba de ser divulgado, e muitos deles estão melhor do que nunca. Trinta e quatro bilionários norte-americanos viram a sua riqueza aumentar em dezenas de milhões de dólares desde o início de 2020. Oito deles viram a sua riqueza aumentar em mais de um bilhão de dólares. A riqueza combinada de todos os bilionários nos Estados Unidos aumentou quase 10%.
“Esta Primavera, face a uma pandemia mundial, as manchetes dos jornais elogiam a bondade dos bilionários que doam o correspondente a apenas 0,00001% da sua fortuna para ajudar os necessitados”, escrevem os autores do relatório. Eles notam que a Forbes até publicou um artigo bajulador intitulado “Agentes da Mudança: Como os bilionários do mundo estão usando sua riqueza para reinventar seus negócios e fornecer ajuda em meio à pandemia de Coronavírus.”
Estas são as mesmas pessoas que fazem lobby, pressionam e balançam doações na cara dos políticos até derrubar qualquer projeto de impostos sobre riqueza. Como resultado dos seus esforços, os impostos a bilionários foram reduzidos em 79% nas últimas quatro décadas, e a soma total da riqueza bilionária dos EUA saltou de 240 bilhões de dólares em 1990 para quase 3 trilhões de dólares atualmente.
Tudo isso aconteceu, é claro, à custa da austeridade e dos programas públicos. Em outras palavras, estas são as mesmas pessoas que convenceram os políticos a elaborar programas de seguro desemprego para as pessoas da classe trabalhadora que as falham. Eles não são os heróis da crise – eles são os vilões.
O rei da evasão fiscal
O maior especulador pandêmico é Jeff Bezos. “O encerramento de centenas de milhares de pequenas empresas dá à Amazon a oportunidade de aumentar a sua fatia do mercado, reforçar o seu lugar na cadeia de abastecimento e ganhar mais poder de preço sobre os consumidores”, observam os autores do estudo.
Ao mesmo tempo que é verdade que a Amazon vende e envia mercadorias úteis durante o isolamento, também é verdade que Bezos sujeitou os seus empregados a condições de trabalho perigosas relacionadas com a pandemia, que eles não podem evitar a menos que queiram enfrentar perdas salariais. Por conta disso, os depósitos da Amazon em todo o país tornaram-se focos de COVID-19. Quando os trabalhadores se levantaram pela sua segurança e pela do público, enfrentaram represálias, incluindo desde serem despedidos e até difamados publicamente.
Ao longo da crise, a riqueza de Bezos aumentou 25 bilhões de dólares, mais do que o PIB anual de oitenta e oito países. Em demonstração da sua generosidade filantrópica, ele doou 100 milhões de dólares desse valor à instituição de caridade Feeding America.
Claro, Bezos é também o rei da evasão de impostos, o melhor exemplo do mega-rico que põe de joelhos o Estado de bem-estar social, agravando o sofrimento da classe trabalhadora em massa causado pela paralisação económica. Mas não deixe que isso te distraia.
Sobre os autores
faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.