Os fãs de futebol costumam chamar Leo Messi de o melhor jogador de sua geração, se não de todos os tempos. Para a maioria dos argentinos, no entanto, Messi só consegue ficar em segundo lugar – afinal, tudo o que ele fez já foi feito por outro craque.
Diego Maradona sempre foi mais do que um atleta: ele é um ícone cultural, um peso-pesado político e um ótimo jogador de futebol, nessa ordem. Ele se tornou El Diego, um demagogo do esporte – e, se você for assinante da Iglesia Maradoniana, ele também é um semideus de verdade.
O menino do subúrbio de Buenos Aires que chegou ao topo, Diego escalou as alturas e trouxe todo o subúrbio com ele. À medida que Maradona melhorava seus companheiros de equipe, ele restaurou a autoimagem do país após uma guerra devastadora e anos de ditadura violenta.
Diego segue a grande tradição dos populistas latino-americanos. Sua política vem de emoções viscerais e não de nuances “neutra” – são imperfeitas e mal pensadas, mas também não são exatamente. Ele cultiva uma imagem de homem comum que se mistura com seu amor por carrões, mulheres e cocaína. Suas habilidades em campo desafiavam a lógica; suas manobras políticas o fazem ainda mais.
Ele se safa porque desfruta de um nível de popularidade que nenhum político de verdade jamais poderia alcançar. Assim como todo partido na Argentina tenta reivindicar o legado de Juan Perón, todo governo tenta trazer Maradona para seu legado, sabendo que trará as massas com ele.
Quando menino, Diego idolatrava o Boca Juniors, o clube das favelas, os rivais perenes dos milionários do River Plate. Quando ele se juntou ao time, ele conquistou campeonatos, mas, mais importante, os fãs viram um deles em campo – um hooligan com as bolas no pé.
Quando ele se mudou para Napoli, suas jogadas era tão idolatradas que apareceram grafites nas paredes de um cemitério que diziam: “Você não sabe o que está perdendo”. Seus demônios pessoais nunca o deixaram, entretanto, e sua carreira na Itália terminou depois que ele testou positivo por uso de cocaína, tendo passado uma boa parte de seu tempo em festas e boates de camorra. Seu compromisso com a justiça social nunca o motivou a pagar impostos, uma violação pela qual as autoridades italianas ainda estão atrás dele.
Diego alcançou a imortalidade com a seleção argentina. No início dos anos 1980, o país perdeu a Guerra das Malvinas para o Reino Unido. Em 1986 – ainda com o frescor dos anos sangrentos da ditadura do general Jorge Rafael Videla – faltava moral aos argentinos. Quando seu time pegou a Inglaterra na Copa do Mundo daquele ano, Diego os levou sozinho à vitória – sério, olhe seus lances naquele jogo – conseguindo uma conquista histórica para o orgulho nacional em uma tarde que jamais será esquecida. No final, eles venceram o torneio.
O momento não poderia ter sido melhor. Diego não foi contaminado pela ditadura, pois, era muito jovem para apoiá-la ou resisti-la. Pertencia à mesma geração dos meninos mandados para lutar nas Malvinas. Desta vez, porém, ele venceu os britânicos, e em um estilo usando todos os ardis das quebradas. Ele se tornou a personificação viva de viveza criolla, a “astúcia crioula” que subverte as regras. Claro, ele era um playboy, mas se tivesse a mesma trajetória, não seríamos todos?
O culto político de Diego foi construído com base nessa reputação. O presidente peronista Carlos Menem compartilhou laços com Maradona e explorou alegremente a conexão. No universo futebolista, ele reconheceu um companheiro lutador contra a aristocracia argentina, um lutador como ele.
Menem, filho de um imigrante sírio, gabou-se de suas origens humildes e usou a glória refletida de Diego para se lançar como o campeão do povo. Ele nomeou Maradona “embaixador do esporte” e deu-lhe um passaporte diplomático, que Diego aceitou de bom grado porque o protegia dos processos de drogas e impostos contra ele na Europa. Em troca, ele ajudou a dar cobertura a Menem para implementar um programa infame de reestruturação neoliberal.
Sua política ficou mais consistente depois que ele se aposentou, quando começou a apoiar figuras que vestiam as armaduras da classe trabalhadora e lutavam por seus interesses. Ele dedicou sua autobiografia ao povo cubano, fez tatuagens de Fidel Castro e Che Guevara e chamou Hugo Chávez de amigo íntimo. Em 2005, ele gerou polêmica ao usar uma camiseta com os dizeres “Stop Bush” – com o nome do presidente escrito com uma suástica. Tampouco sua visão firmemente católica o impediu de criticar o Papa João Paulo II, quando se viu incapaz de conciliar a opulência do Vaticano com a pobreza que os católicos enfrentam em todo o mundo.
Até politizou seu legado esportivo, já que raramente esconde o desprezo por Pelé, o único outro candidato legítimo ao título de “maior jogador de todos os tempos”. Diego coloca Pelé como um figurão do establishment que faz propagandas de pílulas para ereção e é próximo a cúpula da FIFA. Já El Diego é o campeão popular.
Claro, a legitimidade que importa para Maradona vem das pessoas que o produziram, e seu status ali é inquestionável. Nas ruas de Nápoles e nos bairros pobres de Buenos Aires, El Diego continua sendo um dos maiores ícones.
Sobre os autores
jornalista de Amsterdã, especializado em esportes, cultura e política.